Paris, Texas
Vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1984, "Paris, Texas" talvez seja até hoje o filme mais conhecido de Wim Wenders. O que é, no mínimo, curioso, já que o diretor alemão fez outras obras tão boas e outras melhores nesses mais de trinta anos. Mas há algo nesse filme que até hoje impacta.
É um road movie, mas ao mesmo tempo não é. É um retrato de uma família desfeita, mas que traduz um pouco do sentimento norte-americano da época. Travis Henderson é errante em meio ao deserto e precisa se readaptar, reconquistar seu filho e reencontrar a mãe dele. Mas, ao mesmo tempo, ele não precisa ou mesmo quer de fato tudo isso. Talvez vagar no deserto, sem rumo, sem passado, seja sua verdadeira vontade. Ou ainda, quem sabe, retornar a Paris, pequeno vilarejo no meio do Texas, onde acredita ter sido concebido.
É interessante que Paris nunca nos é mostrada de fato. Temos apenas uma foto, com uma placa que Trevis carrega e a idealização de um lugar. Aquilo é mesmo uma metáfora da busca do protagonista por uma espécie de renascimento. Seu passado tem marcas e ele parece querer esquecê-las. Não gosta de tocar nelas. Ao ser encontrado pelo irmão, nem mesmo sabemos se ele as esqueceu ou apenas finge esquecimento.
Mas Trevis deixou um filho. Um garoto esperto que agora tem sete anos. E apesar de adaptado aos pais adotivos, que são na verdade seus tios, há indícios que a ausência dos progenitores incomoda. Apesar de desconfiado e até mesmo arredio à primeira vista, Hunter quer se aproximar de seu pai. E também quer encontrar sua mãe.
Wim Wenders nos demonstra todo esse jogo psicológico de família desfeita em pequenos gestos, em detalhes. E é interessante como os dois pontos chaves para isso há a metáfora do próprio cinema. Primeiro quanto Trevis assiste aos filmes em Super Oito que seu irmão guardou do passado. Podemos ver as emoções aflorarem ali através das imagens. É ali também o primeiro contato de fato entre pai e filho, em um olhar cúmplice e um sorriso. Como se as imagens ali projetadas revelassem os verdadeiros sentimentos que eles queriam deixar escondidos.
O segundo, talvez, seja um spoiler para quem não viu o filme. Por isso, tentarei ser pouco específica. Mas envolve um vidro com filme que funciona como filtro de luz. Ou seja, um lado vê o outro. Porém, o outro só vê o seu reflexo como um espelho. A carga dramática desse momento e todo o simbolismo que ele traz com essa escolha do olhar e do reflexo são muitos. E resumem bem a relação daquele casal. É delicada e criativa a forma como roteirista e diretor escolheram para nos passar isso.
Muito dessa emoção também está transmitida através das escolhas da fotografia. Os contrastes do deserto do Texas e das cidades de Los Angeles e Houston. As cores saturadas. O vermelho presente no casal de protagonista que depois muda para preto. As sombras projetadas. As escolhas dos planos que nos revelam olhares. Tudo ali nos traz sensações. Assim como a trilha sonora, com acordes melancólicos e tristeza que paira no ar. Isso sem falar no elenco que também acrescenta muito à trama.
"Paris, Texas" é daqueles filmes que retratam uma geração, revelam uma época e um país a partir de um olhar estrangeiro, mas que traz muitas referências e até mesmo admiração. Travis é uma espécie de cowboy, um solitário, um andarilho, mas que não tem mais uma batalha com índios nem bandidos a vencer. Sua batalha é interna e é familiar. E, talvez por isso, seja tão universal ainda hoje, mais de trinta anos depois de sua primeira exibição.
Paris, Texas (1984, Reino Unido / Alemanha Ocidental / França)
Direção: Wim Wenders
Roteiro: Sam Shepard
Com: Harry Dean Stanton, Nastassja Kinski, Dean Stockwell
Duração: 147 min.
É um road movie, mas ao mesmo tempo não é. É um retrato de uma família desfeita, mas que traduz um pouco do sentimento norte-americano da época. Travis Henderson é errante em meio ao deserto e precisa se readaptar, reconquistar seu filho e reencontrar a mãe dele. Mas, ao mesmo tempo, ele não precisa ou mesmo quer de fato tudo isso. Talvez vagar no deserto, sem rumo, sem passado, seja sua verdadeira vontade. Ou ainda, quem sabe, retornar a Paris, pequeno vilarejo no meio do Texas, onde acredita ter sido concebido.
É interessante que Paris nunca nos é mostrada de fato. Temos apenas uma foto, com uma placa que Trevis carrega e a idealização de um lugar. Aquilo é mesmo uma metáfora da busca do protagonista por uma espécie de renascimento. Seu passado tem marcas e ele parece querer esquecê-las. Não gosta de tocar nelas. Ao ser encontrado pelo irmão, nem mesmo sabemos se ele as esqueceu ou apenas finge esquecimento.
Mas Trevis deixou um filho. Um garoto esperto que agora tem sete anos. E apesar de adaptado aos pais adotivos, que são na verdade seus tios, há indícios que a ausência dos progenitores incomoda. Apesar de desconfiado e até mesmo arredio à primeira vista, Hunter quer se aproximar de seu pai. E também quer encontrar sua mãe.
Wim Wenders nos demonstra todo esse jogo psicológico de família desfeita em pequenos gestos, em detalhes. E é interessante como os dois pontos chaves para isso há a metáfora do próprio cinema. Primeiro quanto Trevis assiste aos filmes em Super Oito que seu irmão guardou do passado. Podemos ver as emoções aflorarem ali através das imagens. É ali também o primeiro contato de fato entre pai e filho, em um olhar cúmplice e um sorriso. Como se as imagens ali projetadas revelassem os verdadeiros sentimentos que eles queriam deixar escondidos.
O segundo, talvez, seja um spoiler para quem não viu o filme. Por isso, tentarei ser pouco específica. Mas envolve um vidro com filme que funciona como filtro de luz. Ou seja, um lado vê o outro. Porém, o outro só vê o seu reflexo como um espelho. A carga dramática desse momento e todo o simbolismo que ele traz com essa escolha do olhar e do reflexo são muitos. E resumem bem a relação daquele casal. É delicada e criativa a forma como roteirista e diretor escolheram para nos passar isso.
Muito dessa emoção também está transmitida através das escolhas da fotografia. Os contrastes do deserto do Texas e das cidades de Los Angeles e Houston. As cores saturadas. O vermelho presente no casal de protagonista que depois muda para preto. As sombras projetadas. As escolhas dos planos que nos revelam olhares. Tudo ali nos traz sensações. Assim como a trilha sonora, com acordes melancólicos e tristeza que paira no ar. Isso sem falar no elenco que também acrescenta muito à trama.
"Paris, Texas" é daqueles filmes que retratam uma geração, revelam uma época e um país a partir de um olhar estrangeiro, mas que traz muitas referências e até mesmo admiração. Travis é uma espécie de cowboy, um solitário, um andarilho, mas que não tem mais uma batalha com índios nem bandidos a vencer. Sua batalha é interna e é familiar. E, talvez por isso, seja tão universal ainda hoje, mais de trinta anos depois de sua primeira exibição.
Paris, Texas (1984, Reino Unido / Alemanha Ocidental / França)
Direção: Wim Wenders
Roteiro: Sam Shepard
Com: Harry Dean Stanton, Nastassja Kinski, Dean Stockwell
Duração: 147 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Paris, Texas
2016-04-12T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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