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Duelo de Titãs

Duelo de Titãs - filme

Assistir Duelo de Titãs hoje é como revisitar um filme cuja ambição quase quebra os limites do gênero esportivo. Ele se coloca como uma narrativa que pretende inspirar, unir e emocionar. Ao fazê-lo, caminha na tênue linha entre a força dramática genuína e o risco de cair no melodrama previsível. É um filme que tem luzes e sombras, que acerta mais do que erra, mas nunca me convence plenamente de sua coragem ao abordar o tema racial.

Logo de início, o diretor Boaz Yakin nos coloca no coração das tensões raciais da Virgínia de 1971. Um colégio segregado passa a receber estudantes negros e brancos juntos, e o técnico Herman Boone (Denzel Washington) é contratado para liderar essa nova equipe mista, substituindo o técnico branco Bill Yoast, que passa a ser seu assistente em uma trama de ego, história e cultura. Essa premissa tem força, afinal, misturar esporte e racismo confere dinamismo, mas o que Duelo de Titãs escolhe fazer com ela revela suas escolhas estéticas e limitações.

A atuação de Denzel Washington é, quase sempre, o pilar que salva as áreas frágeis do filme. Ele investe em Boone uma autoridade contida: não um líder carrancudo, mas um homem que precisa comandar disciplina, respeito e empatia. Mesmo quando o roteiro escorrega para frases de efeito ou polarizações simplistas, sua presença segura ainda empurra o filme adiante. E há mérito na maneira como ele lida com cenas menores, por exemplo, quando Boone conversa com a jovem filha do técnico Yoast Sheryl (Hayden Panettiere) sobre lógica e justiça: há ali um momento de calmaria que humaniza o conflito. Outros atores jovens também cumprem bem seu papel: Ryan Hurst como Gerry Bertier e Wood Harris como Julius Campbell formam o núcleo relacional mais interessante do filme. A evolução da amizade deles é plausível e emocionalmente carregada. Mas a despeito desses méritos, sinto que, em muitos momentos, o elenco soa um pouco contido demais, como se o filme exigisse que os atores entrem no molde idealizado do filme inspiracional.

Duelo de Titãs - filme
A direção de Yakin faz escolhas estéticas seguras: ele insiste nos momentos de união em acampamentos, nas falas em frente ao espelho, nas cenas de vestiário e reuniões, mais do que em retratos realistas da cidade, da tensão racial nas ruas externas, da ferida social. Ele prefere trabalhar a metáfora do time como microcosmo da sociedade. E isso funciona, mas também evita mergulhar nas contradições mais densas do racismo institucional. Em vez disso, ele concede ao espectador um equilíbrio emocional bem costurado: momentos de tensão, de confronto e de reconciliação, sempre caminhando de forma segura para uma resolução clara.

Um ponto marcante do filme, e que funciona como gatilho emocional, é a cena em que Gerry, incapacitado por um acidente, pede para ver Julius no hospital. É um momento que sintetiza o que o filme quer dizer sobre empatia: não importa a cor, importa o vínculo que foi criado no campo. Essa cena tem impacto porque emerge depois de uma construção gradual como resultado do arco dramático. Quando assistimos aquilo, somos levados a reconhecer que o filme construiu mais do que metáforas de superação: ele é capaz de tensionar o conflito humano.

Mas, apesar de sua eficácia emocional, Duelo de Titãs tropeça no excesso de previsibilidade. Há momentos em que sabemos, antes mesmo de o personagem abrir a boca, que ele dirá algo sobre respeito, irmandade ou união. Há sequências metafóricas exageradas, diálogos que flertam com o maniqueísmo e um final que, ainda que explícito, abraça uma celebração unilateral: a vitória da equipe torna-se metáfora da vitória sobre o racismo. Mas o filme raramente questiona o quanto desse racismo permanece invisível, silencioso, estrutural. E se essa vitória nas regras do jogo realmente significa uma mudança social.

Duelo de Titãs - filme
Fisicamente, há momentos em que a coreografia das partidas é bem filmada. O impacto dos tackles, as jogadas decisivas, a tensão no estádio. Apesar disso, a montagem às vezes valoriza o espetáculo esportivo em detrimento da ambiguidade social. Em outras palavras: o filme quer que a gente vibre com a bola voando, e com isso corre o risco de suavizar as feridas do conflito racial para não incomodar demais o público.

Ainda assim, volto à força que o filme tem: ele acredita no poder da narrativa cinematográfica para inspirar, para tocar, para construir pontes emocionais. Mesmo nas suas falhas, percebo que é um filme honesto em sua missão. Ele não pretende chocar, pretende unir. E há nele momentos de verdadeira beleza dramática, mesmo no sorriso partilhado depois da vitória, no olhar cúmplice entre ex-rivais, no silêncio que se impõe em estádios silenciados pelo respeito.

Acho que o maior problema aqui é que o filme subestima seu público e, em muitos momentos, se protege do risco de desconforto. Ele resolve o conflito no campo, no momento da última jogada, mas não enfrenta o que permanece depois do apito final. A tela nos deixa com a sensação de que tudo está certo agora, e raramente convoca o espectador ao trabalho de reflexão sobre o racismo silencioso que continua fora daquele universo.

Mesmo assim, para quem busca emoção e reflexão leve, Duelo de Titãs entrega mais do que muitos filmes do gênero esportivo fazem: oferece uma ponte entre esporte e justiça, entre camaradagem e identidade. É um filme que me cativa, mesmo sabendo de suas limitações. Ele me lembra que, no cinema, às vezes, vale mais o impulso de unir do que a ousadia de dividir, desde que esse impulso seja bem sustentado. Duelo de Titãs acerta seu tom com frequência, erra pela segurança demasiada, mas raramente nos deixa indiferentes.


Duelo de Titãs (Remember the Titans, 2000 / Estados Unidos)
Direção: Boaz Yakin
Roteiro: Gregory Allen Howard
Com: Denzel Washington, Will Patton, Wood Harris, Ryan Hurst, Donald Faison, Ethan Suplee, Kip Pardue, Hayden Panettiere
Duração: 113 min.

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