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Ijhãc Krahô
João Salaviza
Kôtô Krahô
panorama2018
Renée Nader Messora
Chuva é cantoria na aldeia dos mortos
Chuva é cantoria na aldeia dos mortos
A jornada do herói é uma fórmula que parece clichê e fácil, principalmente após Hollywood colocá-la em manual com passos a serem seguidos, mas a construção concebida por Joseph Campbell é profunda exatamente por trazer um arquétipo de um inconsciente coletivo que parece ultrapassar barreiras territoriais, costumes e raças. Claro, Chuva é cantoria na aldeia dos mortos é um filme feito por dois brancos, uma brasileira e um português, que se utiliza de uma aldeia indígena e suas personagens para construir sua própria história, mas há algo na obra que parece construir uma empatia a mais, dando voz àquele povo.
Realizado na aldeia Krahô de Pedra Branca, conta a história de Ijhãc, um índio que está recebendo o chamado para ser pajé de sua tribo, mas não aceita esse encargo. Sua vontade é fugir dali para que o esqueçam, junto com sua esposa Kôtô e o filho do casal. Há uma mistura de costumes, mística, psicológico e relações que parecem muito próprias e ao mesmo tempo universais. O próprio medo da responsabilidade que o protagonista sente acaba por se constituir de maneira muito particular e ao mesmo tempo compreensível a todos.
Renée Nader Messora já convive com essa tribo há oito anos, ainda que uma ficção, a história é inspirada em um caso que ela acompanhou durante esse período, o índios interpretam papéis deles mesmos, como a mãe de Ijhãc que é sua mãe, sua esposa e o pajé da tribo, o que acaba dando um ar híbrido à obra. Juntando o fato de que muito dos diálogos são na língua nativa, acaba sendo também um registro etnográfico e histórico daquele povo, tornando toda a experiência mais rica.
O ritmo da câmera também traz ao filme um ar documental, ainda que os planos bem pensados deixem clara a intenção de conduzir aquela história. Há uma boa exploração das paisagens naturais e da aldeia, com alguns momentos de perfeita comunhão, como a cena que abre o filme com o protagonista na cachoeira conversando com o espírito de seu pai. Ou quando um grupo de moças comentam sobre namoro enquanto tomam banho de rio. A cultura Krahô também é desenvolvida e respeitada na condução da trama.
Os momentos de Ijhãc na cidade são os mais perturbadores. Não apenas pelo estranhamento do Krahô naquele espaço de "branco", ou pela maneira como ele se diz doente e é tratado como alguém com problemas psicológicos. Há uma sensação de abandono e incompreensão do outro que nos faz refletir sobre o próprio futuro daquele e de outros povos nativos, cada vez menos respeitados em seus espaços e demarcações. Um desfile de cavaleiros em determinada cena pode ser interpretada como essa ameaça constante.
Ainda assim, Chuva é cantoria na aldeia dos mortos é um filme que busca a empatia. Constrói seu protagonista e o olhar sob o outro de maneira sensível e respeitosa. Ainda é a voz e o olhar estrangeiros sobre aquele povo, mas não deixa de ser uma construção legítima, uma busca pelo entendimento e diálogo.
De maneira cíclica e em busca de apaziguamento, o filme nos leva àquela cachoeira e nos faz sentir as águas limpando a alma deles e nossa, de alguma maneira. Entre símbolos, metáforas e interpretações, estamos próximos daquele povo em tela.
Filme visto no XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema.
Chuva é cantoria na aldeia dos mortos (Chuva é cantoria na aldeia dos mortos, 2018 / Brasil)
Direção: Renée Nader Messora e João Salaviza
Roteiro: Renée Nader Messora e João Salaviza
Com: Ijhãc Krahô e Kôtô Krahô
Duração: 113 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Chuva é cantoria na aldeia dos mortos
2018-11-17T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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