Mar de Dentro

Toda mulher tem um instinto materno, diz a sociedade patriarcal que constrói estereótipos e regras que nos colocam em caixas. Uma mulher que não quer ser mãe, ou que prioriza o trabalho, é vista como anormal, julgada e condenada. Há uma romantização da maternidade em diversos níveis, Mar de Dentro vem questionar alguns deles, ainda que traga uma curva que, de alguma maneira, reforça o amor materno.

Primeiro longa-metragem da diretora Dainara Toffoli, a trama gira em torno de Manuela, interpretada por Mônica Iozzi, uma publicitária que engravida sem planejar e tem que lidar com a nova situação e algumas complicações que vem a partir dela. O roteiro trata de maneira sutil a situação. Não existe um conflito único pré-estabelecido, mas pequenas situações que vão se desencadeando e complexificando a jornada da heroína, que tem que lidar com diversos níveis de obstáculos, desde os trágicos aos mais triviais. 

É curioso como algumas questões passam de maneira sutil, como quando ela diz ao namorado que não sabe se quer ter o filho e ele diz que ele quer. O aborto, além de ilegal no país, é um tema sempre delicado. A discussão feminista sobre o direito do corpo da mulher versus as questões religiosas sobre a gestação de uma vida é algo que parece longe de um consenso. Se o pai da criança quer, então, fica ainda mais complicado justificar uma interrupção. Mar de Dentro não entra nessa discussão, ainda que demonstre a dificuldade de Manuela de se encaixar nesse novo papel. 

Mônica Iozzi consegue construir bem as nuances dessa personagem que não tem uma afinidade clara com a maternidade. Uma mulher que sempre priorizou o trabalho, ainda mais em uma área tão desgastante como a publicidade. Manuela é diretora de criação de uma agência de porte, é "normal" virar noite e trabalhar fim de semana se a campanha pede. Administrar isso com um bebê recém-nascido, não é mesmo tarefa fácil. 

O olhar de Dainara Toffoli, no entanto, ao mesmo tempo que busca desconstruir essa regra e cobrança social, acaba reforçando-a aos poucos, como na cena em que a pediatra olha com julgamento ao perceber que a babá sabe mais da criança que a mãe. A própria lógica que vai se invertendo traz essa mensagem de que no final, a mãe desperta em toda mulher. Um pai ausente é aceito socialmente, está trabalhando para sustentar e dar um futuro ao filho. Uma mãe ausente, é desalmada. Talvez o filme tenha perdido a oportunidade de aprofundar um pouco mais isso. 

De qualquer maneira, o drama vai se desenvolvendo de maneira honesta. Construindo sem pressa o desenrolar da trama que cria pistas e recompensas, mas também subverte algumas expectativas. A direção realista consegue passar verdade nas situações mais díspares, seja em uma rotina de uma agência, em uma aula de preparação de gestantes ou em um forró na cena inicial. 

Um filme denso, mas que também sabe encontrar leveza nos desafios. 

Filme visto na 44ª Mostra de São Paulo.

  

Mar de Dentro (Brasil, 2020)

Direção: Dainara Toffoli

Roteiro: Dainara Toffoli, Elaine Teixeira

Com: Monica Iozzi, Rafael Losso

Duração: 97 min.