![Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaQXgjl0sVPRXh04fjaTn-4fvEgsXuIocxUzhKz6P56cdFv4tJOCI2CGRxz6wrPf5o5zhmH2-koF0qOoqjjFkPSNn98npBLh2u1I7RyNiwA6o7eXnNSpq_2RM425ivomIuGsUpRqHoiVw/s320/anticristo_chuveiro.jpg)
Finalmente criei coragem para ver Anticristo.
Lars Von Trier é um diretor que me traumatizou e sempre penso duas vezes antes de encarar uma sessão, mas acabo enfrentando porque é sempre uma aula de cinema. Devo confessar, no entanto, que Anticristo não me deixou tão perturbada quanto eu pensava. Acho que li e ouvi tantas coisas, a começar pela estreia conturbada em
Cannes, que pintei o bicho pior do que era. Claro que há cenas incômodas e fechei os olhos duas vezes. Não me pergunte como foi a cena da mutilação genital que eu não vi. Mas, a questão doentia que tantos reclamavam não nos atinge se olharmos de fora, analisando apenas a culpa imensa que aquela mãe carrega. E nisso, temos que admitir, Lars Von Trier se utilizou de muitos conceitos e crenças para fazer uma catarse fantástica.
![Cartaz de Anticristo Cartaz de Anticristo](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjS7o3CidLLQf5ElGR0_MdcYqQmpgU_wmm4jauCTN2V7jcQb_kFjgOBuJwVsLnlr163AD0hbbaz0DyG8MgmC-ce60wucalSAB2yZQkbD0ktpmaBYKMuMPBrj0MnmrtVWZvQA9lMq89zZDo/s320/anticristo_cartaz.jpg)
Em uma música, Caetano Veloso diz "como é bom poder tocar um instrumento", referindo-se a capacidade terapêutica do seu violão. Sem pensar tanto em inovar, criticar os Estados Unidos, ou muito menos criar novos movimentos cinematográficos tal qual o Dogma, o que Lars Von Trier quis nesse filme foi exorcizar seus dois anos de depressão profunda. Jogou na tela todas as crenças, ou descrenças, no mundo, em Deus e na natureza humana. O autor já declarou que tem como seu livro de cabeceira desde os 12 anos O Anticristo de Nietzsche e dedicou, quase ironicamente, o filme à Andrei Tarkovski. Perguntado sobre isso, Von Trier disse que o autor russo, conhecido por levar sempre um sentido espiritual para suas obras, é uma grande inspiração e que ele dedicaria todos os seus filmes a ele.
Mas, por que o filme gera toda essa polêmica? Porque expõe a fragilidade humana, tem cenas explícitas tanto de sexo quanto violência e defende a tese que de a natureza é maligna e que o caos impera. Aliás, uma raposa com as vísceras expostas diz isso literalmente ao protagonista em uma cena que seria risível se já não estivéssemos imersos no desespero. O pecado original é a base de tudo. Da nossa expulsão do Jardim do Éden e da dor e culpa que o ser humano carrega, tornando o sexo a expressão maior do mal. Antes que alguém comente a polêmica que levantaram sobre ele colocar a mulher como a origem do mal, devo dizer que minha interpretação é exatamente o contrário. O que Von Trier fez foi exatamente mostrar essa crença difundida pela Igreja Católica na Idade Média, vi como uma crítica, não como uma confirmação. Tanto que o personagem de Willem Dafoe diz: "Você não vê que muitas mulheres inocentes morreram na fogueira?"
![Anticristo Anticristo](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5yq7bfWqCa966jHeEKdAmNha8rn13i9iR4rSfh6tjhNl-5e0usU4FYAM4ABKNf-adf0P3-ycxCP_nsUQA1EY8gnctkAJeS5LfVpHKnzYiPjMNtBre4cuJw2HqEEpa0piC59xnfmC5i0o/s320/larsvontrieranticristo3.jpg)
Desta forma, o filme, que é dividido em capítulos como já é de costume nas obras do diretor, começa com um prólogo mais do que simbólico. Um casal em uma relação sexual intensa enquanto seu filho pequeno passeia pela casa. O ápice do prazer coincide com o momento em que o menino e seu ursinho de pano despencam pela janela da casa. Se o sexo já gera culpa, imagine o sexo que resultou na morte de seu único filho? Baseado nessa premissa, o filme se desenvolve nos capítulos "Luto", "Dor", "Desespero" e "Os Três Mendigos". Terminando com um epílogo também simbólico.
![Anticristo Anticristo](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2n1xf5XPFJ0aM2BIa3wrr4bVrD5zVY73zC_1ISRKKZEgzvtFaimEJTF-5gUU-xiHN0XuX45I3V9zy-WNzegCgRFuHV9M_xz49GXEtO-bzkq2jrPFRgD-hUV_IuvI5YINX4ZHlJR3Ti9o/s320/anticristo.jpg)
Tanto prólogo quanto epílogo são apresentados em preto e branco com uma música sacra absorvendo nossos ouvidos. A construção das cenas em paralelo ao prólogo geram a angústia necessária. A inocência do garotinho loiro, com seu bonequinho nas mãos. A sensualidade do casal entregue ao prazer. Os detalhes construídos. Tudo é forte e verdadeiro o suficiente para nos deixar com as emoções à flor da pele.
Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, que interpretam o casal sem nome, vão tentar se refazer da dor em uma casa no meio da floresta chamada Éden. Ela, uma escritora em depressão profunda, ele, um terapeuta que se arvora a curá-la quando também sofre pela perda do filho. O desencadeamento a partir de então, não tem nada de sobrenatural, mas de psicologia e psiquiatria pura. Metáforas constróem o filme, como uma águia comendo um filhote ou a tese da mulher que analisava a caça as mulheres na Idade Média, o que explica as sequências no final. Por isso, os afoitos por filmes de terror se decepcionaram. E é genial, por mais doentio que seja. Pode acontecer nas melhores famílias.