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Kardec - filme

Desde que a cinebiografia de Bezerra de Menezes estreou nos cinemas em 2008, criou-se no país uma espécie de segmento de filmes espíritas com razoável sucesso de bilheteria. Nenhum, no entanto, conseguiu agradar a crítica especializada, a exceção de Chico Xavier que tem um fator que faz toda a diferença: foi dirigido por um ateu.

Isso não quer dizer que um espírita não possa ser um bom diretor. O problema é que parece haver nessas obras uma preocupação maior com a doutrina que com a linguagem cinematográfica em si. Sendo quase sempre um filme de nicho muito específico. Kardec, novo longa de Wagner de Assis que já tinha dirigido Nosso Lar, não chega a tão doutrinário, porém, apresenta uma estrutura esquemática que apenas cita fatos, em vez de desenvolvê-los, deixando-o pouco crível para os não adeptos.

Kardec - filmeAristóteles já dizia que, no drama em vez de algo real, mas incrível, devemos preferir o fictício, mas crível. É a famosa verossimilhança, que precisa ser construída e embasada em cena com as regras do universo ficcional e a personalidade das personagens. É uma condução que nos faz embarcar e comprar aquela trama e seus conflitos, sem questionar a legitimidade dos mesmos.

Ou seja, não importa se um homem racional como Hyppolite Léon Denizard Rivail comprou a ideia da comunicação com os espíritos e se tornou o codificador de uma doutrina que não apenas prega isso como verdade inconteste, como se baseia nela para construir seus ensinamentos. É preciso demonstrar em tela como isso foi construído, dando o tempo da narrativa para que se torne crível.

O Brasil é o país com maior número de adeptos do espiritismo no mundo e é também um terreno fértil para temáticas espiritualistas, independente de religião. É possível que Wagner de Assis só tenha interesse em se comunicar com essas pessoas. Sendo assim, a obra é feliz e cumpre o seu papel. Não é um filme mal feito, ainda que com pequenos problemas.

A história de Rivail, no entanto, é mais fascinante e não se resume apenas à doutrina. Poderia ser melhor explorada, falando a todos. Mesmo que focando na parte da vida em que, de alguma forma, ele se torna Allan Kardec, pseudônimo que assume para lançar os livros, inspirado no druida que foi em uma vida passada.

Kardec - filmeO filme simplesmente não se comunica com essas pessoas porque ele joga as informações como verdade dadas e incontestes, sem se preocupar em construir terreno fértil para convencer o público utilizando as armas que próprio Kardec defendia: a razão.

Ainda assim, é possível admirar a reconstituição da Paris do século XIX, assim como a fotografia da trama que sempre traz uma luz turva, uma penumbra e uma sensação quase onírica nas externas. As escolhas dos planos das reuniões, como o plongée inicial das mãos na mesa ou as cenas na ponte também constroem um bom efeito.

O elenco também consegue defender bem suas personagens, mesmo em cenas onde o diálogo parece forçar algumas situações de maneira didática. Talvez nele esteja o maior problema do roteiro, além da própria economia narrativa que vai saltando os momentos sem desenvolvê-los a contento.

De qualquer maneira, Kardec não é um filme ruim. Se você for espírita ou tiver alguma familiaridade com a doutrina, é uma experiência extremamente agradável com direito a easter eggs no final como o potencial suicida na ponte ao lado do livro dos espíritos. Para um ateu ou leigo, no entanto, é pouco convidativo, o que é uma pena, diante de uma personagem tão instigante.


Kardec (Kardec, 2019 / Brasil)
Direção: Wagner de Assis
Roteiro: L.G. Bayão, Wagner de Assis
Com: Leonardo Medeiros, Sandra Corveloni, Guilherme Piva, Genézio de Barros, Julia Konrad, Letícia Braga, Dalton Vigh
Duração: 110 min.

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