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Lobisomens
Lobisomens (2024), ou Loups-Garous no título original, é uma viagem cativante ao imaginário fantástico francês que está no catálogo da Netflix. Dirigido por François Uzan, que já provou sua habilidade em equilibrar humor e drama em produções como a série Lupin, o filme propõe uma fusão de fantasia, aventura e comédia familiar, lançando o espectador direto no coração de uma vila medieval ameaçada por lobisomens. O enredo, que lembra sucessos de aventura como Jumanji e é baseado em The Werewolves of Miller’s Hollow, jogo de tabuleiro da Asmodee, tem um simples e cativante mote: um jogo de tabuleiro que, ao ser iniciado, transporta uma família comum para uma época distante. Embora não traga o mesmo nível de adrenalina de suas inspirações, Lobisomens constrói sua própria identidade ao focar mais nas dinâmicas e conflitos familiares, algo que se revela um diferencial interessante – ainda que por vezes, um pouco limitador.
A história se inicia de forma leve, com uma típica reunião familiar na casa de campo de Gilbert (Jean Reno), o patriarca que, com o peso dos anos e sinais de perda de memória, convive com seu filho Jérôme (Franck Dubosc), sua esposa Marie (Suzanne Clément) e seus netos Clara, Théo e Louise. A cena inicial, que poderia ser apenas uma reunião trivial, toma um rumo inesperado e fantástico quando o grupo resolve jogar um antigo jogo de tabuleiro chamado Lobisomens. Ao iniciar a partida, eles são subitamente transportados para uma vila medieval, onde o jogo literalmente ganha vida. O objetivo é claro: identificar e eliminar os lobisomens que se escondem entre os habitantes do vilarejo para conseguirem retornar para o presente. Embora o conceito não seja exatamente novo, o roteiro de Céleste Balin e François Uzan se destaca ao inserir críticas sociais e explorar as transformações nas relações interpessoais ao longo dos séculos. Essa camada adicional torna o filme acessível a um público mais amplo, sendo divertido para crianças e instigante para os adultos que acompanham o subtexto de questões como relações de poder e identidade.
O elenco é carismático, com destaque para Jean Reno. Sua atuação é ao mesmo tempo sutil e sólida, imbuindo Gilbert de uma sabedoria que se mostra fundamental para a história, enquanto Franck Dubosc dá vida a Jérôme, o líder relutante da jornada, com sua irreverência característica. A química entre os dois funciona, e os pequenos embates entre eles rendem alguns dos melhores momentos cômicos do filme. Contudo, o ponto realmente interessante está na abordagem do personagem Théo, o enteado adolescente interpretado por Raphael Romand, que surpreende ao exibir uma faceta rebelde e, em certos momentos, até misteriosa. Em uma análise mais profunda, Théo funciona como um arquétipo contemporâneo, trazendo à tona temas de identidade e auto aceitação, que se destacam pela sutileza no roteiro.
François Uzan traz à direção um estilo visual vibrante e encantador que dialoga bem com o universo medieval sem recorrer a caricaturas excessivas. Sua abordagem reflete uma sensibilidade visual, com ângulos que privilegiam tanto as expressões íntimas dos personagens quanto a grandiosidade da ambientação medieval. O design de produção merece elogios; o vilarejo e suas figuras típicas são cuidadosamente retratados, proporcionando ao espectador uma imersão convincente. Porém, apesar do apuro visual, o filme acaba sendo um pouco formulaico, e a própria trama de eliminação dos lobisomens, embora promissora, perde força ao ser relegada ao segundo plano em prol dos conflitos familiares. Para quem espera um épico de ação e mistério, isso pode gerar certa frustração, pois o filme se limita a explorar um número restrito de regras de jogo e não chega a aproveitar o potencial pleno da premissa.
Por outro lado, Lobisomens se redime ao tratar temas relevantes e atuais, como o empoderamento feminino e a evolução das relações sociais, contrastando os valores do século XV com os do presente. É interessante observar como os membros da família enfrentam a estrutura patriarcal da vila e a resistência a ideias de equidade de gênero. Uzan consegue transmitir essas reflexões sem didatismo, equilibrando a comédia e o conteúdo de forma que as críticas sociais não pareçam descontextualizadas, mas, ao contrário, surjam como parte essencial da narrativa. Um exemplo é Marie, vivida por Suzanne Clément, cuja personagem atravessa arcos de crescimento e afirmação que, embora sutis, deixam sua marca.
A trilha sonora ajuda a construir a atmosfera sem se sobressair ou roubar a cena, mantendo o foco nos diálogos e na interação entre os personagens. O uso de efeitos sonoros para criar tensão durante os encontros com os lobisomens é competente, embora em alguns momentos falte um impacto maior para transmitir a sensação de perigo. Essa suavização, provavelmente pensada para manter o tom leve e familiar, acaba por tirar do filme a chance de explorar o terror de forma mais ousada.
O filme também acerta na abordagem da comédia. As piadas são pontuais, inteligentes e, apesar de leves, algumas realmente garantem boas risadas, especialmente nas interações entre Gilbert e Théo. No entanto, o humor por vezes se mostra irregular, já que, ao alternar entre a comédia familiar e os momentos de tensão, o ritmo pode parecer inconsistente, dando a sensação de que o filme não explora seu potencial cômico de forma contínua.
O que, então, torna Lobisomens digno de destaque? Não é sua trama elaborada ou um uso inovador de sua premissa, mas a capacidade de capturar o público em um momento de fantasia genuína. A aventura medieval, embora leve, possui uma graça inegável, e ver uma família comum em situações absurdas e fora de seu tempo proporciona um toque de encanto. O filme, ainda que despretensioso, apresenta uma mensagem de união e superação dos conflitos familiares. A produção ganha pontos ao subverter o esperado em um filme de aventura, trazendo à tona as relações humanas em vez de focar unicamente em derrotar criaturas fantásticas.
Para os amantes de filmes como Jumanji, que misturam fantasia com o cotidiano, Lobisomens é uma escolha perfeita para uma sessão despretensiosa em família. Embora Uzan tenha deixado pontas soltas e talvez tenha falhado em entregar um thriller de ação coeso, ele compensa com uma abordagem visual cuidadosa e personagens cativantes. No final das contas, Lobisomens funciona como um lembrete de que a verdadeira aventura nem sempre está em derrotar monstros, mas sim em descobrir, na convivência com quem amamos, a força para superar desafios. E, nesse sentido, é uma obra que pode não marcar como um clássico, mas certamente tem o mérito de entreter e fazer refletir com humor. Uma Sessão da Tarde raiz!
Lobisomens (Loups-Garous, 2024 / França)
Direção: François Uzan
Roteiro: François Uzan, Céleste Balin
Com: Bruno Gouery, Franck Dubosc, Grégory Fitoussi, Jean Reno, Jonathan Lambert, Suzanne Clément, Raphael Romand
Duração: 95 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Lobisomens
2024-11-05T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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