Até aonde um filme pode ir?
Continuando a discussão da semana passada sobre clichê, expectativa e vontade do público, lembro agora a polêmica em torno do final do filme Efeito Borboleta. ATENÇÃO PARA OS SPOILERS.
Lançado em 2004 com direção de Eric Bress e J. Mackye Gruber, conta a história de Evan (Ashton Kutcher) um garoto que passou a sua infância e adolescência tendo apagões estranhos. Mais tarde, ele descobre seu estranho dom, poder fazer sua mente viajar no tempo retornando à infância para alterar pontos do passado que considera ruins. É então, que percebemos o que significam aqueles apagões. A forma como Eric Bress e J. Mackye Gruber que também assinam o roteiro constróem essa história, mostrando primeiro os apagões e depois as consequências das viagens de Evan, é muito bem feita. Cada coisa que o rapaz muda em seu passado acaba gerando um efeito ruim inesperado, em um ciclo vicioso que não parece acabar nunca. É quando ele tem a idéia salvadora e única solução para aquilo. E aqui, entra a polêmica.
Três possibilidades aqui são realizadas, o final totalmente feliz que é encontrado nos extras do DVD do filme. O final que foi ao ar, neutro e bem resolvido. E o final proibido, que é encontrado apenas nos extras da versão americana, totalmente trágico e inesperado. É possível encontrar público para cada um desses finais. Pessoalmente acredito que os produtores acertaram na escolha final, mas vamos analisar cada um deles.
Começando pelo polêmico final trágico. Para quebrar o ciclo vicioso, Evan chega a conclusão de que o problema de tudo aquilo é ele. Uma verdadeira aberração da natureza que herdou do pai o tal dom de passear pelo passado, alterando-o. É quando ele toma a decisão que considera mais acertada, retornar para o útero de sua mãe e se enforcar com o cordão umbilical. E o pior, ficamos sabendo que ele não é o primeiro bebê a fazer isso, já que a mãe havia sofrido nove abortos iguais. Vejam a cena:
Não é de se espantar que tenha gerado polêmica, acompanhamos Evan desde o início, nos afeiçoamos ao personagem e no final, a conclusão é de que era melhor que ele não tivesse nascido? Até onde pode ser culpado pelos maus tratos que sua amada e o irmão sofriam do pai Sr. Miller? Este sim, o verdadeiro pivô de problemas. Há um choque, uma sensação ruim com esse final. Ao mesmo tempo é o mais original de todos, foge completamente do clichê, da expectativa, é uma quebra proposital. E há quem prefira.
O final feliz é parecido com o que ficou, com uma diferença que remete diretamente ao clichê de comédias românticas: o mocinho e a mocinha têm que ficar juntos no final. Na verdade, são dois finais alternativos um implícito e outro explítico. Em ambos, assim como no final oficial, Evan retorna ao dia do churrasco e xinga Kayleigh para que ela não queira ficar com o pai e sim com a mãe no momento em que os dois se separam. Assim, nem ela, nem o irmão irão sofrer os abusos sexuais que geraram todos os problemas futuros. Anos depois, eles se cruzam em uma rua de Nova York e aqui temos as variações no mesmo tema. No final oficial, eles se cruzam, se olham por um instante, mas seguem seus caminhos, cada um para um lado. Deixando mais difícil o reencontro. Nos finais alternativos há duas gradações, após se cruzarem, Evan resolve mudar de rumo, retornando e seguindo Kayleigh dando a entender que ele a alcançará em algum momento para trocar idéias.
No segundo final alternativo, a junção fica ainda mais explítica. Ao se olharem, Evan puxa conversa com Kayleigh, iniciando ali uma relação casual. Totalmente explícito e feliz, esse último final alternativo é o cúmulo do clichê, uma ação do destino que reúne os dois predestinados em seu caminho de amor. Os problemas aparentemente acabaram, fica a sensação ilusória do "felizes para sempre" dos contos de fadas, mas quem disse que, com a convivência, os problemas não voltariam? É apenas o alívio desejado de que é possível ser feliz, ainda que no cinema. Meloso, esse final acabaria fazendo cair por terra o sacrifício de Evan que preferiu abdicar da própria felicidade em prol de sua amada. Tê-la, nesse caso, seria perdê-la. O final alternativo um, mais sutil acaba deixando isso em aberto. Ele poderia apenas seguí-la, sem nunca abordá-la, como uma sombra vigiando se ela estaria bem, como poderia também abordá-la e ser feliz, ou abordá-la e levar um fora, ou serem infelizes juntos novamente. Ou seja, fica em aberto, tudo é possível.
Agora, o final que ficou no filme, acaba sendo ainda mais sutil e aberto, pois todas essas possibilidades são possíveis. Ao cruzarem os olhares, mas não desviarem os caminhos, Evan e Kayleigh ficam mais distantes de um final feliz juntos. É como uma decisão de que "não era para ser", eles se amam, se sentem atraídos um pelo outro, mas não podem ficar juntos, têm que seguir os caminhos. É um final melancólico, mas sólido. Não deixa de impactar, e ao mesmo tempo cumprir o clichê de "todos estão bem". E, como disse, é aberto. Nada impede que, mais à frente, eles se encontrem novamente. Ou que Evan volte atrás em outro ponto e a siga. Tudo é possível, depende da interpretação e desejo do espectador. Por isso, considero que acabou sendo o melhor final de todos. Ele inova sem inovar, satisfaz sem satisfazer. É uma boa medida, abrangendo quase todas as opções possíveis.
Na indecisão dos realizadores sobre qual o melhor final para sua história, temos aqui um bom exemplo de possibilidades dentro de um filme.
Veja agora todos os finais completos em sequência.
Lançado em 2004 com direção de Eric Bress e J. Mackye Gruber, conta a história de Evan (Ashton Kutcher) um garoto que passou a sua infância e adolescência tendo apagões estranhos. Mais tarde, ele descobre seu estranho dom, poder fazer sua mente viajar no tempo retornando à infância para alterar pontos do passado que considera ruins. É então, que percebemos o que significam aqueles apagões. A forma como Eric Bress e J. Mackye Gruber que também assinam o roteiro constróem essa história, mostrando primeiro os apagões e depois as consequências das viagens de Evan, é muito bem feita. Cada coisa que o rapaz muda em seu passado acaba gerando um efeito ruim inesperado, em um ciclo vicioso que não parece acabar nunca. É quando ele tem a idéia salvadora e única solução para aquilo. E aqui, entra a polêmica.
Três possibilidades aqui são realizadas, o final totalmente feliz que é encontrado nos extras do DVD do filme. O final que foi ao ar, neutro e bem resolvido. E o final proibido, que é encontrado apenas nos extras da versão americana, totalmente trágico e inesperado. É possível encontrar público para cada um desses finais. Pessoalmente acredito que os produtores acertaram na escolha final, mas vamos analisar cada um deles.
Começando pelo polêmico final trágico. Para quebrar o ciclo vicioso, Evan chega a conclusão de que o problema de tudo aquilo é ele. Uma verdadeira aberração da natureza que herdou do pai o tal dom de passear pelo passado, alterando-o. É quando ele toma a decisão que considera mais acertada, retornar para o útero de sua mãe e se enforcar com o cordão umbilical. E o pior, ficamos sabendo que ele não é o primeiro bebê a fazer isso, já que a mãe havia sofrido nove abortos iguais. Vejam a cena:
Não é de se espantar que tenha gerado polêmica, acompanhamos Evan desde o início, nos afeiçoamos ao personagem e no final, a conclusão é de que era melhor que ele não tivesse nascido? Até onde pode ser culpado pelos maus tratos que sua amada e o irmão sofriam do pai Sr. Miller? Este sim, o verdadeiro pivô de problemas. Há um choque, uma sensação ruim com esse final. Ao mesmo tempo é o mais original de todos, foge completamente do clichê, da expectativa, é uma quebra proposital. E há quem prefira.
O final feliz é parecido com o que ficou, com uma diferença que remete diretamente ao clichê de comédias românticas: o mocinho e a mocinha têm que ficar juntos no final. Na verdade, são dois finais alternativos um implícito e outro explítico. Em ambos, assim como no final oficial, Evan retorna ao dia do churrasco e xinga Kayleigh para que ela não queira ficar com o pai e sim com a mãe no momento em que os dois se separam. Assim, nem ela, nem o irmão irão sofrer os abusos sexuais que geraram todos os problemas futuros. Anos depois, eles se cruzam em uma rua de Nova York e aqui temos as variações no mesmo tema. No final oficial, eles se cruzam, se olham por um instante, mas seguem seus caminhos, cada um para um lado. Deixando mais difícil o reencontro. Nos finais alternativos há duas gradações, após se cruzarem, Evan resolve mudar de rumo, retornando e seguindo Kayleigh dando a entender que ele a alcançará em algum momento para trocar idéias.
No segundo final alternativo, a junção fica ainda mais explítica. Ao se olharem, Evan puxa conversa com Kayleigh, iniciando ali uma relação casual. Totalmente explícito e feliz, esse último final alternativo é o cúmulo do clichê, uma ação do destino que reúne os dois predestinados em seu caminho de amor. Os problemas aparentemente acabaram, fica a sensação ilusória do "felizes para sempre" dos contos de fadas, mas quem disse que, com a convivência, os problemas não voltariam? É apenas o alívio desejado de que é possível ser feliz, ainda que no cinema. Meloso, esse final acabaria fazendo cair por terra o sacrifício de Evan que preferiu abdicar da própria felicidade em prol de sua amada. Tê-la, nesse caso, seria perdê-la. O final alternativo um, mais sutil acaba deixando isso em aberto. Ele poderia apenas seguí-la, sem nunca abordá-la, como uma sombra vigiando se ela estaria bem, como poderia também abordá-la e ser feliz, ou abordá-la e levar um fora, ou serem infelizes juntos novamente. Ou seja, fica em aberto, tudo é possível.
Agora, o final que ficou no filme, acaba sendo ainda mais sutil e aberto, pois todas essas possibilidades são possíveis. Ao cruzarem os olhares, mas não desviarem os caminhos, Evan e Kayleigh ficam mais distantes de um final feliz juntos. É como uma decisão de que "não era para ser", eles se amam, se sentem atraídos um pelo outro, mas não podem ficar juntos, têm que seguir os caminhos. É um final melancólico, mas sólido. Não deixa de impactar, e ao mesmo tempo cumprir o clichê de "todos estão bem". E, como disse, é aberto. Nada impede que, mais à frente, eles se encontrem novamente. Ou que Evan volte atrás em outro ponto e a siga. Tudo é possível, depende da interpretação e desejo do espectador. Por isso, considero que acabou sendo o melhor final de todos. Ele inova sem inovar, satisfaz sem satisfazer. É uma boa medida, abrangendo quase todas as opções possíveis.
Na indecisão dos realizadores sobre qual o melhor final para sua história, temos aqui um bom exemplo de possibilidades dentro de um filme.
Veja agora todos os finais completos em sequência.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Até aonde um filme pode ir?
2011-09-18T09:18:00-03:00
Amanda Aouad
Ashton Kutcher|drama|ficcao cientifica|materias|
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