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A Febre do Rato
A Febre do Rato
Em determinado momento de A Febre do Rato, Zizo, o personagem de Irandhir Santos, pergunta à Eneida, personagem de Nanda Costa, se ela está gostando do filme que estão vendo. Ela diz que o problema é que não tem história. Zizo retruca e diz que "essa é a minha história, quem cria é quem vê". Uma boa metáfora para explicar aquilo que estamos vendo até então, um filme sem uma história definida e com muitas histórias nas poesias de Zizo, na crítica à sociedade e na visão de cada um que está ali, assistindo aquilo.
O nome, Febre do Rato, já diz tudo. Expressão popular em Recife que simboliza algo que está fora de controle, danado. Febre do Rato também é o nome do tablóide publicado por Zizo com recursos próprios. Seu espírito anarquista quer sacudir a ordem estabelecida, ou melhor a desordem da cidade úmida e escaldante em que vive, no meio de mangues e favelas. Em um mundo próprio. Sua poesia e seus comentários cheios de sarcasmo, sua ironia ferina, sua sensibilidade ímpar.
E como um anarquista sensível, Zizo constrói o seu mundo, seus amigos, suas amantes em um túnel d´água. Quebrando barreiras, vivendo o instinto, sendo simplesmente, sem amarras e regras que o ser humano se impõe para viver em sociedade. “Gosto do Deus que fez o homem e não desse Deus que o homem fez”, diz uma pichação em um muro. Esse Deus vingativo, que amedronta mais que qualquer coisa, que faz as pessoas verem pecado no corpo, no sexo, na vida. A Febre do Rato vai de encontro a todas as amarras e constrói um filme contemplação. Um manifesto, que apesar de fechado em Recife, ou "Hell Cife", como brinca em determinado momento, fala de um todo. De qualquer metrópole habitada.
E para compor essa poesia panfletária, Cláudio Assis e Walter Carvalho, que assina a fotografia, optam por uma acertada estética subversiva. Uma fotografia em preto e branco, excessivamente granulada, com sujeiras. Uma estética que se mistura à própria construção cênica, dando um efeito ainda mais impactante a cada cena, ao mundo daqueles personagens. Nada no mundo de Zizo é asséptico, uma fotografia limpa soaria deveras estranha.
E a escolha dos planos também ajuda nessa sensação bela do caos. Eles abusam do plongée a cada mergulho de Zizo em seu tanque. Só ou acompanhado, sempre visto de cima, vulnerável, exposto, mas sem incômodos. Assim também é a cena no cemitério, onde Zizo e Pazinho (Matheus Nachtergaele), andam por entre os túmulos e vemos de fora, como uma sujeira, espiando distante. Ou ainda em uma conversa entre Pazinho e sua amada Vanessa, que é construída em três cenas diferentes, dando um efeito cíclico interessante naquela discussão.
As atuações também condizentes nos envolvem naquele mundo, principalmente Irandhir Santos que compõe um Zizo impressionantemente visceral, com uma expressão corporal própria, meio corcunda, sempre largado, com expressão cansada. Matheus Nachtergaele também está muito bem em sua composição do homem simples. E Nanda Costa funciona como a garota que mexe com a cabeça do poeta Zizo.
A Febre do Rato é mais do que um filme, é um manifesto. Uma construção poética, anárquica, panfletária para nos tirar da zona de conforto. Vai além do superficial, das cenas desnudas que não se tornam excesso pelo contexto em que se constróem. Não é chocar apenas por chocar. É o fluxo do sangue que corre como uma febre do rato. Pois, como Zizo mesmo diz, "com medo do tempo que passa, passa por mim o tempo do medo". A vida é muito curta para se prender a detalhes.
A Febre do Rato (A Febre do Rato, 2011 / Brasil)
Direção: Cláudio Assis
Roteiro: Hilton Lacerda
Com: Irandhir Santos, Matheus Nachtergaele, Nanda Costa, Juliano Cazarré, Maria Gladys, Ângela Leal, Conceição Camarotti, Mariana Nunes, Victor Araújo, Hugo Gila, Tânia Granussi
Duração: 110 min.
O nome, Febre do Rato, já diz tudo. Expressão popular em Recife que simboliza algo que está fora de controle, danado. Febre do Rato também é o nome do tablóide publicado por Zizo com recursos próprios. Seu espírito anarquista quer sacudir a ordem estabelecida, ou melhor a desordem da cidade úmida e escaldante em que vive, no meio de mangues e favelas. Em um mundo próprio. Sua poesia e seus comentários cheios de sarcasmo, sua ironia ferina, sua sensibilidade ímpar.
E como um anarquista sensível, Zizo constrói o seu mundo, seus amigos, suas amantes em um túnel d´água. Quebrando barreiras, vivendo o instinto, sendo simplesmente, sem amarras e regras que o ser humano se impõe para viver em sociedade. “Gosto do Deus que fez o homem e não desse Deus que o homem fez”, diz uma pichação em um muro. Esse Deus vingativo, que amedronta mais que qualquer coisa, que faz as pessoas verem pecado no corpo, no sexo, na vida. A Febre do Rato vai de encontro a todas as amarras e constrói um filme contemplação. Um manifesto, que apesar de fechado em Recife, ou "Hell Cife", como brinca em determinado momento, fala de um todo. De qualquer metrópole habitada.
E para compor essa poesia panfletária, Cláudio Assis e Walter Carvalho, que assina a fotografia, optam por uma acertada estética subversiva. Uma fotografia em preto e branco, excessivamente granulada, com sujeiras. Uma estética que se mistura à própria construção cênica, dando um efeito ainda mais impactante a cada cena, ao mundo daqueles personagens. Nada no mundo de Zizo é asséptico, uma fotografia limpa soaria deveras estranha.
E a escolha dos planos também ajuda nessa sensação bela do caos. Eles abusam do plongée a cada mergulho de Zizo em seu tanque. Só ou acompanhado, sempre visto de cima, vulnerável, exposto, mas sem incômodos. Assim também é a cena no cemitério, onde Zizo e Pazinho (Matheus Nachtergaele), andam por entre os túmulos e vemos de fora, como uma sujeira, espiando distante. Ou ainda em uma conversa entre Pazinho e sua amada Vanessa, que é construída em três cenas diferentes, dando um efeito cíclico interessante naquela discussão.
As atuações também condizentes nos envolvem naquele mundo, principalmente Irandhir Santos que compõe um Zizo impressionantemente visceral, com uma expressão corporal própria, meio corcunda, sempre largado, com expressão cansada. Matheus Nachtergaele também está muito bem em sua composição do homem simples. E Nanda Costa funciona como a garota que mexe com a cabeça do poeta Zizo.
A Febre do Rato é mais do que um filme, é um manifesto. Uma construção poética, anárquica, panfletária para nos tirar da zona de conforto. Vai além do superficial, das cenas desnudas que não se tornam excesso pelo contexto em que se constróem. Não é chocar apenas por chocar. É o fluxo do sangue que corre como uma febre do rato. Pois, como Zizo mesmo diz, "com medo do tempo que passa, passa por mim o tempo do medo". A vida é muito curta para se prender a detalhes.
A Febre do Rato (A Febre do Rato, 2011 / Brasil)
Direção: Cláudio Assis
Roteiro: Hilton Lacerda
Com: Irandhir Santos, Matheus Nachtergaele, Nanda Costa, Juliano Cazarré, Maria Gladys, Ângela Leal, Conceição Camarotti, Mariana Nunes, Victor Araújo, Hugo Gila, Tânia Granussi
Duração: 110 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Febre do Rato
2012-11-08T07:30:00-03:00
Amanda Aouad
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