
Baseado na obra de Jose Mauro Vasconcelos,
Meu Pé de Laranja Lima já foi um
filme, uma novela e agora volta a ser
filme pelas mãos de
Marcos Bernstein. Mas, se tem uma coisa que continua a mesma é a força da história de Zezé, seu amigo Portuga e, claro, o
pé de laranja lima em seu quintal.
Zezé é um
garoto levado. Daqueles que não pára quieto e que sempre está aprontando alguma. Mas, ao contrário de tentar entender o garoto, sua
família parece seguir o viés fácil da briga. Seu pai, desempregado e
alcoolista, bate no garoto sistematicamente. Sua mãe passa a semana fora trabalhando, e os irmãos mais velhos também não tem muito paciência com ele. Apenas uma das irmãs parece se importar mais, além do pequeno Luis, que segue o irmão com fidelidade. Talvez, por isso, Zezé apele tanto para sua própria
imaginação, uma espécie de fuga de uma realidade tão dura. E assim, cria uma
amizade com um pequeno
pé de laranja lima em seu quintal, onde finge conversar com ele e este o leva para passear de cavalo.

É interessante que a escolha de
Marcos Bernstein seja pela visão garoto. Vemos muito das
fantasias dele, não apenas quando ele sobe em um belo cavalo branco, ou imagina cenas fantasiosas, mas até em pequenos detalhes, como a primeira vez em que o Portuga briga com ele e o rosto de
José de Abreu se desfigura. Mas, ao mesmo tempo, o
filme nos dá o exato limite entre
fantasia e
realidade. Vemos Zezé fazendo a voz de Minguinho (o pé de Laranja Lima), o vemos sentado no galho da árvore instantes antes ou depois de aparecer no cavalo, entre outros detalhes. A própria cena em que Zezé e Luis simulam um avião é demonstrado todos os detalhes do buraco na terra e as sucatas que simulam os controles da aeronave. Mesmo assim, a
imaginação dos pequenos nos leva em uma bela imagem.

É nisso que está a mágica principal do
filme. No viés da
fantasia. Afinal, que criança não brincou com sua própria
imaginação? E a vida difícil de Zezé, as dificuldades da
família, o pai violento, só ajudam a ampliar a experiência e necessidade de fuga. Nem é preciso ver a violência explícita para sentir a sua dor. O
filme procura sempre insinuar esse momentos, em vez de mostra-los. A irmã bate em Zezé, mas a câmera sobe para vermos apenas a sombra na parede. O pai bate em Zezé, ficamos apenas com o som e a câmera se afasta. O Portuga bate em Zezé, vemos apenas seu rosto deformado.
Outro ponto-chave para a trama é a
amizade que surge entre Zezé e o Portuga. Apesar do início turbulento, o velho português é o único que se aproxima do garoto sem segundas intenções, como faz o vendedor de CD. Aliás, a época em que se passa a história fica meio que suspensa com esse detalhe, pelo modelo do carro parece estarmos em um passado onde ainda não existia CD, mas, não é um problema que prejudique o todo. O que importa mesmo é como a relação entre esse homem e esse menino é construída. Um
amor paterno que surge espontaneamente. Um velho solitário e um garoto quase rejeitado. A cadência de ambos é preenchida de uma maneira bonita.
Zé de Abreu e o estreante
João Guilherme Ávila conseguem uma ótima química em tela. É possível crer em sua interação, na verdade daqueles sentimentos. O cuidado e a alegria com os quais o Portuga ensina a Zezé o seu mundo é envolvente. E a forma como ele passa a projetar a imagem de pai naquele
homem que antes era um simples desconhecido também é tocante. Tanto que há momentos extremamente fortes relacionados aos dois personagens. E há de se fazer um destaque para o pequeno
João Guilherme Ávila. O garoto consegue nos passar uma verdade tão inconteste que a gente até esquece que é uma criança que ainda não tem técnica de atuações. E tudo isso cria um eco também com a outra época do filme, quando Zezé já é interpretado por
Caco Ciocler e está lançando o seu primeiro
livro. Uma parte que pontua o
filme apenas, abre, surge em um momento e fecha a trama, sem interferir muito nela. No mais, o roteiro é bastante linear.
Meu Pé de Laranja Lima é uma boa adaptação da obra original. Tem um detalhe ou outro diferente, mas busca manter aquilo que é mais importante na trama, a capacidade da
imaginação humana e a força de uma verdadeira
amizade. Nisso, o
filme nos prende, nos emociona e nos faz esquecer qualquer outro problema que possa ter surgido no caminho como a fotografia e a montagem que escorregam em alguns momentos. Mas, ver Zezé das asas à sua imaginação nos faz querer ser criança novamente e poder fantasiar os nossos problemas de uma maneira mais leve. Ou pelo menos criativa. Quem dera todos pudessem ter um
Pé de Laranja Lima como aquele em seu quintal.
Meu Pé de Laranja Lima (idem, 2013 / Brasil)
Direção: Marcos Bernstein
Roteiro: Marcos Bernstein e Melanie Dimantas
Com: João Guilherme Ávila, José de Abreu, Caco Ciocler
Duração: 99 min.