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Rânia
Rânia
Primeiro longametragem de ficção da diretora Roberta Marques, Rânia é uma espécie de rito e passagem. E, como tal, tem seus prós, seus contras e seus entraves. Mas, traz uma beleza poética na tentativa eterna da busca por um sonho.
Rânia é uma garota simples que mora em Fortaleza. Filha de pais separados, ajuda sua mãe em casa, estuda, vai à praia com os amigos, começa a descobrir o mundo adulto. Mas, diferente da maioria das pessoas ali, ela tem um sonho: dançar. Ela chega a afirmar que o único momento em que se sente realmente plena é enquanto dança. Tanto que está sempre envolvida com festivais no colégio. Porém, com a transformação de menina em mulher, a dificuldade de tornar seu sonho em profissão a leva a dividir o tempo entre o cansativo mundo das boates masculinas e uma oportunidade única na companhia de uma coreógrafa que aparece por ali.
O argumento sugere uma estrutura de roteiro clássico, com um ponto de ataque a ser desenvolvido em um mundo de possibilidades. Mas, as escolhas de Luisa Marques e da própria Roberta Marques são mais poéticas. Não temos uma urgência por resolver um problema apresentado. Na verdade, estamos o tempo inteiro sendo apresentados a Rânia e seu cotidiano. Os momentos de contemplação são interessantes, a rotina é curiosa, mas nos dá a sensação de que ficam muitas pontas soltas a cada cena. Uma narrativa picotada demais, como se estivéssemos sempre olhando trechos aleatórios daquele mundo.
Mas, isso não nos impede de momentos sublimes como o primeiro encontro de fato entre Rânia e Estela, a dançarina e coreógrafa vivida por Mariana Lima. A montagem paralela de dois momentos distintos nos dá um efeito fantástico de comparação e nova união. Enquanto conversam, ambas estão pouco à vontade, as palavras quase não saem, os corpos estão encolhidos, o assunto demora a render. Mas, quando dançam alguns passos aleatórios, tudo flui de uma maneira única, como se ambas se complementassem. Cria-se uma intimidade única entre aqueles dois seres pelo amor em comum, a dança.
O filme tem vários desses momentos de pura expressão corporal. E a atriz iniciante Graziela Felix se sai muito bem. É uma menina que ama a dança ainda que não tenha postura tão rígida como a de uma bailarina clássica. É um estilo mais de balé contemporâneo, de expressão corporal com muito improviso e sentimento. Sempre desenvolta, é interessante ver que, na primeira vez em que sobe no palco da boate masculina, Rânia não está totalmente à vontade. Apenas alguns movimentos leves, ela parece tímida, não é sensual, não há brilho, não há graça, ainda que o personagem de Rob Das pareça maravilhado com ela. É instigante porque não parece que a cena quisesse exatamente mostrar algum desconforto, mas o corpo não nos engana. Tanto que, na segunda vez, ela está muito mais solta.
Esse paralelo entre dançarinas e prostitutas acaba sendo um dos pontos apresentados no filme. Principalmente, na figura da melhor amiga da protagonista, Zizi. A personagem interpretada por Nataly Rocha é uma dançarina de boate e tem problemas com o namorado por causa disso. Em diversos momentos, eles brigam e ele chega a flagrá-la fazendo um strip-tease. A própria Rânia quando fala sobre dançar na companhia de Estela diz: "é dança mesmo, não é putaria". E não deixa de ser interessante ver esse viés que a dança nos dá, onde artistas são mal interpretadas e, ao mesmo tempo, as que não conseguem atingir o sucesso podem mesmo acabar em processos fáceis de venda do corpo. Tanto que no filme Flashdance, o mesmo problema acontece com a melhor amiga da protagonista que vai parar em um clube de strippers.
Elucubrações à parte, Rânia é daqueles filmes em que a força está na personagem. A trama se desenrola de maneira anárquica e confusa muitas vezes, em um processo que ao mesmo tempo é de contemplação, mas que nos permite apenas amostras de uma rotina incompleta. Mas, onde tudo funciona como um rito de passagem da adolescência para a vida adulta. Para a afirmação profissional e quebra do elo com os pais. Para a busca do sonho ou a frustração com a dura realidade. E nisso está a poesia do filme, tendo o mar sempre ao fundo, como testemunha e motor para fazer essa roda do tempo girar.
Rânia (Rânia, 2013, Brasil)
Direção: Roberta Marques
Roteiro: Luisa Marques, Roberta Marques
Com: Rob Das, Graziela Felix, Mariana Lima
Duração: 85 min.
Rânia é uma garota simples que mora em Fortaleza. Filha de pais separados, ajuda sua mãe em casa, estuda, vai à praia com os amigos, começa a descobrir o mundo adulto. Mas, diferente da maioria das pessoas ali, ela tem um sonho: dançar. Ela chega a afirmar que o único momento em que se sente realmente plena é enquanto dança. Tanto que está sempre envolvida com festivais no colégio. Porém, com a transformação de menina em mulher, a dificuldade de tornar seu sonho em profissão a leva a dividir o tempo entre o cansativo mundo das boates masculinas e uma oportunidade única na companhia de uma coreógrafa que aparece por ali.
O argumento sugere uma estrutura de roteiro clássico, com um ponto de ataque a ser desenvolvido em um mundo de possibilidades. Mas, as escolhas de Luisa Marques e da própria Roberta Marques são mais poéticas. Não temos uma urgência por resolver um problema apresentado. Na verdade, estamos o tempo inteiro sendo apresentados a Rânia e seu cotidiano. Os momentos de contemplação são interessantes, a rotina é curiosa, mas nos dá a sensação de que ficam muitas pontas soltas a cada cena. Uma narrativa picotada demais, como se estivéssemos sempre olhando trechos aleatórios daquele mundo.
Mas, isso não nos impede de momentos sublimes como o primeiro encontro de fato entre Rânia e Estela, a dançarina e coreógrafa vivida por Mariana Lima. A montagem paralela de dois momentos distintos nos dá um efeito fantástico de comparação e nova união. Enquanto conversam, ambas estão pouco à vontade, as palavras quase não saem, os corpos estão encolhidos, o assunto demora a render. Mas, quando dançam alguns passos aleatórios, tudo flui de uma maneira única, como se ambas se complementassem. Cria-se uma intimidade única entre aqueles dois seres pelo amor em comum, a dança.
O filme tem vários desses momentos de pura expressão corporal. E a atriz iniciante Graziela Felix se sai muito bem. É uma menina que ama a dança ainda que não tenha postura tão rígida como a de uma bailarina clássica. É um estilo mais de balé contemporâneo, de expressão corporal com muito improviso e sentimento. Sempre desenvolta, é interessante ver que, na primeira vez em que sobe no palco da boate masculina, Rânia não está totalmente à vontade. Apenas alguns movimentos leves, ela parece tímida, não é sensual, não há brilho, não há graça, ainda que o personagem de Rob Das pareça maravilhado com ela. É instigante porque não parece que a cena quisesse exatamente mostrar algum desconforto, mas o corpo não nos engana. Tanto que, na segunda vez, ela está muito mais solta.
Esse paralelo entre dançarinas e prostitutas acaba sendo um dos pontos apresentados no filme. Principalmente, na figura da melhor amiga da protagonista, Zizi. A personagem interpretada por Nataly Rocha é uma dançarina de boate e tem problemas com o namorado por causa disso. Em diversos momentos, eles brigam e ele chega a flagrá-la fazendo um strip-tease. A própria Rânia quando fala sobre dançar na companhia de Estela diz: "é dança mesmo, não é putaria". E não deixa de ser interessante ver esse viés que a dança nos dá, onde artistas são mal interpretadas e, ao mesmo tempo, as que não conseguem atingir o sucesso podem mesmo acabar em processos fáceis de venda do corpo. Tanto que no filme Flashdance, o mesmo problema acontece com a melhor amiga da protagonista que vai parar em um clube de strippers.
Elucubrações à parte, Rânia é daqueles filmes em que a força está na personagem. A trama se desenrola de maneira anárquica e confusa muitas vezes, em um processo que ao mesmo tempo é de contemplação, mas que nos permite apenas amostras de uma rotina incompleta. Mas, onde tudo funciona como um rito de passagem da adolescência para a vida adulta. Para a afirmação profissional e quebra do elo com os pais. Para a busca do sonho ou a frustração com a dura realidade. E nisso está a poesia do filme, tendo o mar sempre ao fundo, como testemunha e motor para fazer essa roda do tempo girar.
Rânia (Rânia, 2013, Brasil)
Direção: Roberta Marques
Roteiro: Luisa Marques, Roberta Marques
Com: Rob Das, Graziela Felix, Mariana Lima
Duração: 85 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Rânia
2013-04-02T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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