
A análise hoje é sobre a cena final dessa obra dirigida por Anselmo Duarte, quando a polícia chega para prender Zé, após sua vigília nas escadarias da igreja de Santa Bárbara em Salvador. Mesmo sem ter acesso ao altar, ele continua ali, esperando de maneira teimosa, para cumprir sua promessa até o fim e isso já causou diversos problemas.
Zé ouve a voz de prisão e diz que não fez nada de errado para ser preso. Com a insistência do delegado, ele puxa uma faca e diz que só morto o levam dali. É aí que começa a confusão. O trecho da cena que encontrei para análise inicia com Zé já com a faca na mão, de costas para a igreja e Rosa correndo em sua direção.

Com a dor, Zé cai ao lado da cruz e inicia-se a confusão que vemos em um plongée para mostrar a roda ao redor de Zé e da cruz e depois, com uma câmera baixa, sempre mostrando a igreja de fundo. Uma forma de construir um significado a mais na imagem sempre com o símbolo religioso como pano de fundo da briga que, na verdade, é mais política e comercial.

Vemos, então, diversos planos próximos das pessoas ao redor com expressão perplexa tendo apenas o choro de Rosa ao fundo. Um plano inteiro do padre descendo a escadaria até o corpo, se benzendo. Sem cortar o plano, a câmera acompanha o movimento dele se abaixando, enquadrando ele, Rosa e Zé. Rosa manda que ele não chegue perto e ele diz que só quer encomendar a alma. Corta para um contra plano com uma câmera alta que mostra Rosa menor que o padre gritando "Pra que? Pro demônio?" demonstrando que ainda ali há o poder e a submissão diante da situação.

O andamento da música vai aumentando aos poucos e vemos um plano conjunto dos capoeiristas na escadaria se juntando, em tom ameaçador para os políticos e policiais ali presentes que sobem correndo. Novamente o plano plongée nos mostra os capoeiristas pegando o corpo de Zé, colocando em cima da cruz e carregando-a como um caixão. Aí, já é possível ver os berimbaus sendo tocados em um dos cantos da roda.
O cortejo vai subindo as escadas ao ritmo do berimbau. E vemos tudo isso de longe, com uma câmera alta que dá a dimensão da grandiosidade da escadaria e da quantidade de pessoas ali. Mais perto da Igreja, a câmera corta para um plano inteiro da cruz e vai se afastando aos poucos para mais uma vez fazer um plano geral da cena só que agora tendo a Igreja ao fundo como um alvo a ser atingido.

Um plongée do padre se afastando mostra ele diminuindo diante da força do que está acontecendo. E por baixo da câmera passa a cruz, nos mostrando o corpo de Zé em cima dela, agora mais próximo de nós, nos deixando cúmplices do momento. Sem cortar, vemos os capoeiristas à porta, batendo com a cruz para arrombá-la. Até que ela se abre e eles entram, tendo o cortejo todo atrás. Com excessão de Rosa que fica parada no meio das escadas.
O plano geral, do alto, vendo ela pequena ali, no meio da escadaria, com as últimas pessoas entrando e o sino da igreja tocando, é também um plano extremamente significativo, mostrando sua desolação diante da perda que foi tudo aquilo. Ela fica parada e aos poucos vai subindo sozinha. E quando ela passa pela porta vemos o letreiro de FIM.
Um belo momento do cinema brasileiro.