Um Sonho Intenso
"A história é um mergulho no passado para entender o presente" sentencia o economista brasileiro Carlos Lessa. E é isso que o documentário de José Mariani, Um Sonho Intenso, busca, resgatar a história recente do país, para entender o presente e traçar prognósticos para o futuro. Mas, como o próprio Lessa completa, quando se fala em economia, já é difícil entender o presente, quanto mais prognosticar o futuro.
Um Sonho Intenso analisa o Brasil República. Literalmente, começa com a república do café com leite e vai até o governo Lula, passando por todos os presidentes, eleitos ou impostos, mas analisando pelo viés econômico e, não, político. Ainda que não se possa dissociar tão bem as duas coisas. O filme é composto por uma estrutura simples e padrão de depoimentos e imagens de preenchimento que ilustram a época analisada.
Ainda que padrão, estas imagens trazem alguns cuidados interessantes como iniciar e finalizar com o quadro de Tarsila do Amaral "Operários", ou nos dar imagens com uma câmera subjetiva nos fazendo ter a sensação de passear pelos cenários nos fazendo viajar por um porto no início do século passado ou nos campos na década de 50 do século XX.
O roteiro também é bem conduzido com os depoimentos seguindo a ordem cronológica do país e falando de maneira simples e fácil para que qualquer leigo entenda, mas com substância. Uma espécie de aula de História e Economia. Não por acaso, o filme fez um circuito por universidades antes de estrear comercialmente. Pode ser bastante útil para estudantes em geral que queiram entender um pouco mais sobre a história do país.
O único problema é que tanta sincronicidade nos dá uma visão unilateral dessa história. Não sou economista e não cabe a mim discutir política aqui. Mas, enquanto produto fílmico, acredito que o documentário precisa trazer visões discordantes para debater e dar subsídios ao espectador de refletir e tirar suas próprias conclusões. É através do embate de ideias que se forma o pensamento crítico. E o que vemos em tela são economistas, historiadores e outros pensadores com uma visão única dessa história. Parece até que foi ensaiado.
E é interessante que mesmo em questões polêmicas como Getúlio Vargas, o discurso é o mesmo. Um dos entrevistados, Francisco de Oliveira, até se desculpa, "é difícil falar do Getúlio porque ele foi um ditador, mas ele foi o grande criador do Estado Nacional". De maneira bem simplista, os pensamentos se unem para mostrar que Getúlio nos deu uma base social e Juscelino, os avanços econômicos, mas que a questão do campo ainda era o problema. E foi isso que Jango tentou resolver, quando os militares interviram com o golpe. Questão que foi retomado apenas no governo Lula, já que Sarney, Itamar e Fernando Henrique estavam tentando combater a inflação que herdamos da ditadura.
Não que eu discorde do dito, como falei, apenas senti falta de visões diferentes, principalmente quando chegamos nas épocas mais recentes analisando Fernando Henrique, na questão das privatizações e Lula na questão social. O resumo que fiz, por exemplo, qualquer estudante de história pode fazer. Agora ouvir que Lula é a concretização do que Vargas previu quando disse ao povo que "um dia vocês serão o governo", gostaria de ver melhor debatido. Assim como seria bom ouvir um contraponto à afirmação de o fato do Real custar menos de um Dólar por um bom tempo ter sido o responsável pela "destruição" da produção nacional e gerado desemprego desenfreado.
Contra fatos, não há argumentos, diriam alguns. Mas, será que não tem outra visão dessa mesma moeda? Apenas jogando questionamentos que o filme não fez, não é um crítica definitiva, até porque uma prova de que o filme tem um viés econômico e não político, é ver que Collor é mostrado apenas pelo confisco da poupança e a desvalorização da indústria automobilista ao dizer que os carros brasileiros eram "carroças". O impeachment e a corrupção nem entram em pauta. Assim como o golpe militar também não é analisando enquanto forma de governo, torturas ou algo parecido, ficando apenas nos investimentos feitos na época e consequências disso.
De qualquer maneira, o documentário ainda que não inove na linguagem e tenha uma visão unilateral, traz resgastes interessantes, visões importantes sobre a nossa história econômica e perguntas que ficam no ar, como maneira de pensar o que queremos enquanto sociedade. "Queremos virar uma caricatura dos Estados Unidos?" como pergunta João Manuel Cardoso de Melo. E se alguns quiserem, como fica?
Um Sonho Intenso (2015 / Brasil)
Direção: José Mariani
Roteiro: José Mariani
Consultor: Ricardo Bielschowsky
Duração: 101 min.
Um Sonho Intenso analisa o Brasil República. Literalmente, começa com a república do café com leite e vai até o governo Lula, passando por todos os presidentes, eleitos ou impostos, mas analisando pelo viés econômico e, não, político. Ainda que não se possa dissociar tão bem as duas coisas. O filme é composto por uma estrutura simples e padrão de depoimentos e imagens de preenchimento que ilustram a época analisada.
Ainda que padrão, estas imagens trazem alguns cuidados interessantes como iniciar e finalizar com o quadro de Tarsila do Amaral "Operários", ou nos dar imagens com uma câmera subjetiva nos fazendo ter a sensação de passear pelos cenários nos fazendo viajar por um porto no início do século passado ou nos campos na década de 50 do século XX.
O roteiro também é bem conduzido com os depoimentos seguindo a ordem cronológica do país e falando de maneira simples e fácil para que qualquer leigo entenda, mas com substância. Uma espécie de aula de História e Economia. Não por acaso, o filme fez um circuito por universidades antes de estrear comercialmente. Pode ser bastante útil para estudantes em geral que queiram entender um pouco mais sobre a história do país.
O único problema é que tanta sincronicidade nos dá uma visão unilateral dessa história. Não sou economista e não cabe a mim discutir política aqui. Mas, enquanto produto fílmico, acredito que o documentário precisa trazer visões discordantes para debater e dar subsídios ao espectador de refletir e tirar suas próprias conclusões. É através do embate de ideias que se forma o pensamento crítico. E o que vemos em tela são economistas, historiadores e outros pensadores com uma visão única dessa história. Parece até que foi ensaiado.
E é interessante que mesmo em questões polêmicas como Getúlio Vargas, o discurso é o mesmo. Um dos entrevistados, Francisco de Oliveira, até se desculpa, "é difícil falar do Getúlio porque ele foi um ditador, mas ele foi o grande criador do Estado Nacional". De maneira bem simplista, os pensamentos se unem para mostrar que Getúlio nos deu uma base social e Juscelino, os avanços econômicos, mas que a questão do campo ainda era o problema. E foi isso que Jango tentou resolver, quando os militares interviram com o golpe. Questão que foi retomado apenas no governo Lula, já que Sarney, Itamar e Fernando Henrique estavam tentando combater a inflação que herdamos da ditadura.
Não que eu discorde do dito, como falei, apenas senti falta de visões diferentes, principalmente quando chegamos nas épocas mais recentes analisando Fernando Henrique, na questão das privatizações e Lula na questão social. O resumo que fiz, por exemplo, qualquer estudante de história pode fazer. Agora ouvir que Lula é a concretização do que Vargas previu quando disse ao povo que "um dia vocês serão o governo", gostaria de ver melhor debatido. Assim como seria bom ouvir um contraponto à afirmação de o fato do Real custar menos de um Dólar por um bom tempo ter sido o responsável pela "destruição" da produção nacional e gerado desemprego desenfreado.
Contra fatos, não há argumentos, diriam alguns. Mas, será que não tem outra visão dessa mesma moeda? Apenas jogando questionamentos que o filme não fez, não é um crítica definitiva, até porque uma prova de que o filme tem um viés econômico e não político, é ver que Collor é mostrado apenas pelo confisco da poupança e a desvalorização da indústria automobilista ao dizer que os carros brasileiros eram "carroças". O impeachment e a corrupção nem entram em pauta. Assim como o golpe militar também não é analisando enquanto forma de governo, torturas ou algo parecido, ficando apenas nos investimentos feitos na época e consequências disso.
De qualquer maneira, o documentário ainda que não inove na linguagem e tenha uma visão unilateral, traz resgastes interessantes, visões importantes sobre a nossa história econômica e perguntas que ficam no ar, como maneira de pensar o que queremos enquanto sociedade. "Queremos virar uma caricatura dos Estados Unidos?" como pergunta João Manuel Cardoso de Melo. E se alguns quiserem, como fica?
Um Sonho Intenso (2015 / Brasil)
Direção: José Mariani
Roteiro: José Mariani
Consultor: Ricardo Bielschowsky
Duração: 101 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Um Sonho Intenso
2015-06-06T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
cinema brasileiro|critica|documentario|filme brasileiro|José Mariani|
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