A 13ª Emenda
"Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado". Esta é a 13ª Emenda da Constituição Norte-Americana que dá título ao documentário de Ava DuVernay. E o que a diretora de Selma quer demonstrar é que, na verdade, a escravidão não acabou nos Estados Unidos, apenas mudou de nome, diante do sistema carcerário do país e a maneira como a lei acaba condenando muito mais negros que brancos.
Como um dos primeiros entrevistados chama a atenção logo no início, os Estados Unidos representam 5% da população mundial, porém 25% dos prisioneiros de todo mundo. É muita gente presa. E, se olharmos para dentro das cadeias, a esmagadora maioria é de negros ou latinos, que são também os pobres, é verdade, mas o que parece fato mesmo é a maneira como sempre existiu uma construção no imaginário popular de medo constante em relação aos povos afro-descendentes, inclusive entre a população negra.
Tudo vem da escravidão, ou da inconformação dos brancos escravocratas da derrota na guerra civil. O roteiro escrito pela própria Ava DuVernay em parceria com Spencer Averick vai costurando os depoimentos, demonstrando o percurso histórico que construiu a realidade atual. A importância de um filme como O Nascimento de Uma Nação para a divulgação do grupo Ku Klux Klan. A lei de segregação que colocou os negros em locais separados dos brancos foi um começo.
Mas o filme quer demonstrar que todo o discurso anti-criminal iniciado com Nixon e intensificado com Ronald Reagan foi, na verdade, uma grande guerra racial. Ironicamente, o golpe de misericórdia acabou sendo no governo de Bill Clinton quando o democrata sentenciou a lei das três faltas e pena mínima. Com isso, ele praticamente aboliu a condicional, tornando os presidiários, de fato, escravos do governo.
O que é importante perceber no discurso do filme é que não há uma política de defesa de criminosos, mas de alerta de injustiças. Muitos desses prisioneiros estão lá sem um julgamento justo e muitas vezes são inocentes, como vários casos citados durante os depoimentos. Estavam lá por serem negros e a sociedade sempre desconfiar de negros. Isso é muito sério. E por mais que não possamos ser generalistas, os números demonstram que há uma desigualdade de raça.
O documentário é hábil em construir sua tese e nos fazer incomodar com a situação vigente. É tendencioso, talvez. Mas não busca mascarar a situação, apenas apresentar um ponto de vista e defendê-lo com fatos. E tem momentos inspirados como quando utiliza uma montagem paralela do passado e do presente, unidos por um discurso racista, mostrando pessoas negras sendo "expulsas" de lugares públicos. Uma composição tão impactante que poderia ser o final do filme.
Porém ao se alongar, o filme acaba se tornando repetitivo. Não menos impactante, mas não parece trazer tantas novidades que sustentem os cem minutos de projeção. Ainda assim, um documentário impactante para nos fazer refletir, e muito, sobre nossa própria realidade.
A 13ª Emenda (13th, 2016 / EUA)
Direção: Ava DuVernay
Roteiro: Spencer Averick, Ava DuVernay
Duração: 100 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A 13ª Emenda
2017-01-05T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
Ava DuVernay|critica|documentario|oscar 2017|
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