Premiada no Festival de Cannes pela atuação no filme Orfeu Negro, vencedora de dois Kikitos (Filhas do Vento e Acalanto) e intérprete dos mais diversos papéis no cinema, televisão e teatro, Léa Garcia é uma lenda viva da nossa dramaturgia. Não por acaso, foi escolhida como homenageada na 6ª Mostra Lugar de Mulher é no Cinema que acontece em Salvador entre os dias 05 e 09 de julho.
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Léa Garcia, patrimônio do nosso cinema
Léa Garcia, patrimônio do nosso cinema
Premiada no Festival de Cannes pela atuação no filme Orfeu Negro, vencedora de dois Kikitos (Filhas do Vento e Acalanto) e intérprete dos mais diversos papéis no cinema, televisão e teatro, Léa Garcia é uma lenda viva da nossa dramaturgia. Não por acaso, foi escolhida como homenageada na 6ª Mostra Lugar de Mulher é no Cinema que acontece em Salvador entre os dias 05 e 09 de julho.
A atriz emocionou a todos os presentes na Sala Walter da Silveira ao trazer detalhes dos bastidores da obra Orfeu Negro, filme dirigido pelo francês Marcel Camus, que abriu a Mostra. Dona de uma memória invejável, Léa lembrou da seleção do elenco, de participações especiais na obra e falou um pouco sobre as mudanças ocorridas no carnaval do Rio de Janeiro de lá para cá. “Não existia o sambódromo, a festa acontecia daquele jeito mesmo, na rua, com a platéia separada apenas pelas cordas”, explicou refletindo sobre questões sociais, inclusive a atuação policial e a dificuldade da população de retornar para a casa durante os festejos devido à distância “As pessoas dormiam na grama mesmo, durante todos os dias da festa”.
Refletir e relembrar são importantes ferramentas de Léa Garcia hoje, mas não as únicas, já que a atriz segue em plena atividade aos 90 anos de idade. A muleta que a acompanhou durante sua passagem em Salvador, por exemplo, é consequência de uma queda ocorrida durante a peça “A Vida não é Justa” inspirada no livro da juíza Andreia Pachá, na qual ela atua em três papéis.
No entanto, seu papel mais conhecido do grande público continua sendo Rosa, da telenovela Escrava Isaura (1976), que durante muito tempo foi a teledramaturgia brasileira recorde de exportação. Em diversos momentos, Léa Garcia falou da dor e da delícia de interpretar esse papel tão difícil que gerou a ira dos telespectadores que não se conformavam com as “maldades” que ela fazia com Isaura, personagem de Lucélia Santos. Tanto que a deputada Olívia Santana, que abriu a coletiva de imprensa da Mostra compondo uma mesa inicial, ressaltou a importância de refletir sobre essa personagem.
Rosa é mesmo uma personagem complexa, interpretada pelo público de maneira rasa devido ao produto em que se enquadrava. “Aquele trabalho era um novelão. E no novelão não existe espaços para nuanças, a personagem é boa ou é má. Então, aos olhos da população, a Rosa era a vilã. Mas para nós, mulheres negras, que temos consciência de toda essa mazela que atinge o povo negro, temos que ver que aquela mulher gritava contra uma situação que estava atingindo a todos os escravos”, falou a atriz que ainda completou “A Rosa se defendia com as armas que ela tinha. Se ela fosse viva hoje, ela seria uma ativista.”
Ainda sobre Rosa e a questão racial hoje em dia, Léa Garcia afirmou que para o ator, qualquer papel é importante, mesmo de uma pessoa escravizada ou uma empregada doméstica, mas o que o movimento negro luta é para modificar “essa condição eterna de nos olhar enquanto escravos e ter esse tratamento de uma forma estereotipada”. A atriz ainda provocou refletindo que faltam histórias sobe o ponto de vista dos escravizados.
Em outro momento da entrevista, Léa falou sobre a importância do filme Filhas do Vento (2005) de Joel Zito Araújo “Foi a primeira vez em que tivemos não apenas um elenco majoritariamente negro, como um diretor negro". Ela relembrou também os prêmios no Festival de Gramado e a repercussão da obra em diversos meios.
Léa Garcia falou ainda sobre o filme de Vivi Ferreira, “Um dia com Jerusa” e o curta que que deu origem. A obra, que traz o encontro de duas mulheres solitárias, é ampliada no longa dando mais importância ao resgate da ancestralidade e a presença do povo negro nos bairros, paulistas, em especial, do Bexiga. “O Bexiga originalmente foi um bairro negro e temos uma escola de samba, a Vai Vai, que resgata e mantém essa lembrança do que foi aquele bairro”, conta. A atriz ainda explica que com o progresso, “o negro vai perdendo as suas origens e o trabalho daquela mulher idosa é trazer para aquela jovem o resgate de sua ancestralidade”.
Jerusa, então, pode ser uma metáfora da própria Léa Garcia para as gerações atuais, em especial das mulheres negras que podem se inspirar em mulheres como ela, com sua história, sua luta e, acima de tudo, seu talento. Reforçando aquilo que a Mostra Lugar de Mulher é no Cinema quer demonstrar, que com oportunidade e respeito à diversidade, as mulheres podem e devem ocupar os diversos papéis no audiovisual. Afinal, o lugar da mulher é onde ela quiser.
Destaques no cinema:
Serafina - Orfeu Negro (1959)
Cipriana - Ganga Zumba (1963)
Zafa - Compasso de Espera (1975)
Maria da Ajuda - As Filhas do Vento (2002)
Jerusa - Um dia com Jerusa (2021)
Destaques na televisão:
Elza - Selva de Pedra (1972)
Rosa - Escrava Isaura (1976)
Leila - Marina (1980)
Sebastiana - Xica da Silva (1996)
Dona Laura - Arcanjo Renegado (2020)
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Léa Garcia, patrimônio do nosso cinema
2023-07-06T21:00:00-03:00
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