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Kung-Fu Futebol Clube
Kung-Fu Futebol Clube
É difícil explicar Kung-Fu Futebol Clube (Shaolin Soccer) para alguém que nunca viu. Dizer que se trata de uma mistura de futebol com artes marciais soa, à primeira vista, como uma piada pronta — e, em muitos aspectos, é. Mas também é muito mais. O filme dirigido, escrito, protagonizado e praticamente possuído por Stephen Chow é uma obra que se apoia na comédia escrachada e no absurdo visual para fazer um comentário sincero sobre superação, trabalho em equipe e a beleza do cinema exagerado quando feito com precisão cirúrgica.
Lançado originalmente em 2001, mas conhecido por muitos no Ocidente apenas após a estreia tardia nos cinemas americanos em 2004, Kung-Fu Futebol Clube é uma obra cinematográfica singular. Em um cenário repleto de comédias previsíveis e filmes esportivos que seguem fórmulas rígidas, Chow oferece um delírio pop recheado de acrobacias impossíveis, efeitos visuais kitsch, no melhor sentido, e uma galeria de personagens que, por mais caricatos que sejam, exalam carisma e autenticidade.
A trama gira em torno de Sing (Stephen Chow), um devoto do kung fu tradicional que acredita que as artes marciais chinesas ainda podem ser úteis no mundo moderno. Ridicularizado por isso, ele encontra no futebol uma forma inesperada de aplicar seus conhecimentos. Ao reunir um grupo de ex-companheiros de treinamento — cada um com suas próprias habilidades bizarras e problemas pessoais — ele monta um time que beira o sobrenatural. É o velho clichê do “grupo de desajustados em busca de redenção”, mas reinventado com chutes que causam crateras no gramado e jogadores que literalmente voam pelo campo.
Stephen Chow, cuja carreira já vinha sendo construída com comédias populares em Hong Kong, alcançou aqui uma maturidade autoral impressionante. Como diretor, ele demonstra domínio absoluto do ritmo cômico e da construção de grandes sequências que fazem um filme se gravar na memória. A cena da semifinal do campeonato, por exemplo, em que o time Shaolin enfrenta adversários que mais parecem vilões de Dragon Ball Z, é um exemplo de como o exagero bem dosado pode ser não apenas engraçado, mas também visualmente hipnotizante.
As atuações seguem o tom operístico da proposta. Chow, sempre carismático, dosa autoironia e idealismo com precisão. Mas quem brilha de forma surpreendente é Vicki Zhao, no papel de Mui, uma tímida cozinheira com rosto coberto de espinhas e um dom secreto no Tai Chi. Sua presença é quase silenciosa, mas absolutamente comovente. A maneira como sua história evolui, fugindo do estereótipo da “mocinha decorativa”, mostra que o filme, apesar do humor pastelão, tem um núcleo emocional sincero. Sua última cena, jogando futebol ao lado de Chow, é um pequeno triunfo narrativo e visual que merece ser revisto.
Tecnicamente, o filme desafia qualquer tentativa de categorização fácil. Os efeitos visuais, muitos dos quais envelheceram como leite fora da geladeira, funcionam paradoxalmente a favor da obra. A artificialidade dos chutes flamejantes, dos pulos que desafiam a gravidade e dos efeitos sonoros exagerados reforça o pacto com o espectador: aqui não estamos vendo uma tentativa de realismo, mas sim de espetáculo. E, como tal, Kung-Fu Futebol Clube entrega com louvor.
Claro que nem tudo são gols de placa. O humor físico — muitas vezes escatológico ou cartunesco — pode soar repetitivo para quem não está acostumado ao estilo de comédia de Hong Kong. A narrativa, apesar de eficiente, flerta com a previsibilidade, especialmente em seu arco principal de superação e confronto contra o “Time do Mal”. E o uso de personagens femininas, embora tenha em Mui uma exceção honrosa, ainda se apoia em clichês que poderiam ser evitados.
No entanto, seria injusto exigir de Kung-Fu Futebol Clube uma sobriedade que nunca se propôs a oferecer. O filme é, antes de tudo, uma celebração da liberdade criativa. Um chute acrobático no cinismo hollywoodiano. Um lembrete de que o cinema também pode ser um parque de diversões — desde que pilotado por alguém com visão, paixão e técnica. Stephen Chow prova, como poucos, que o riso pode ser tão poderoso quanto um chute no ângulo. E que, sim, é possível misturar kung fu e futebol sem perder o coração no caminho.
Hoje, mais de duas décadas após seu lançamento, Kung-Fu Futebol Clube continua sendo uma referência para quem busca narrativas improváveis contadas com convicção estética. É um filme que abraça o ridículo com tanto carinho que transforma cada exagero em poesia visual. Pode não ser para todos os gostos, mas certamente é uma experiência única — daquelas que nos lembram por que amamos cinema.
Se você ainda não viu, talvez esteja perdendo o único filme em que um chute ao gol pode provocar uma onda de choque capaz de varrer o goleiro e metade do estádio. E, estranhamente, isso faz todo o sentido.
Kung-Fu Futebol Clube (Siu lam juk kau, 2001 / Hong Kong)
Direção: Stephen Chow
Roteiro: Stephen Chow, Kan-Cheung Tsang, Wei Lu, Stephen Fung, Chi Keung Fung
Com: Stephen Chow, Wei Zhao, Karen Mok, Cecilia Cheung, Man Tat Ng
Duração: 113 min.

Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Kung-Fu Futebol Clube
2025-06-27T08:30:00-03:00
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