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Hiroshima Mon Amour

História, filosofia, técnicas cinematográficas e quebras de regras respaldadas nas questões humanas e capacidade de esquecimento de nossa traumatizada memória. Quando Alain Resnais apresentou ao mundo o seu primeiro longa-metragem solo, misturou um pouco de tudo isso em um legítimo representante do movimento conhecido como Nouvelle Vague. Falar deste longa é correr o risco de cair na repetição. Muita coisa já foi dita, muitas interpretações já existiram e continuam a surgir. O desafio é, então, observar o filme como se nunca se houvesse ouvido falar dele. Para compreender a profundidade de Hiroshima Mon Amour é preciso compreender o momento, fazendo um esforço de olhar a época vivida.

Aproveitando o clima do pós-guerra e os questionamentos humanitários sobre as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, Resnais fez um filme que questiona a própria essência humana e sua capacidade de lembrar e esquecer traumas e amores vividos. Uma aula filosófica com monólogos internos, momentos angustiantes de silêncio profundo e diálogos verdadeiros entre uma atriz francesa e um arquiteto japonês que misturam passado e presente em emoções dúbias.

Alain Resnais começou sua carreira dirigindo filmes independentes sobre estudos de artistas plásticos a exemplo de Van Gogh e Picasso. Ao entrar para o movimento da nouvelle vague, os documentários passam a ser de roteiros literários como Nuit et Brouillard, Toute la Memórie du Monde. Não é de se estranhar, então, que o seu primeiro longa de ficção tenha um pouco de documentário, uma estética plástica forte, além de muita poesia.

O filme começa com uma linguagem próxima a um documentário, intercalando o casal na cama trocando carícias com imagens de Hiroshima. A narração de Emanuele Riva expõe elucubrações sobre a cidade destruída dizendo “eu vi tudo em Hiroshima”, enquanto que Eiji Okada rebate dizendo que ela “não viu nada em Hiroshima”. As imagens dos braços entrelaçados e do dorso masculino nu acariciado pelas mãos femininas dão um contraste com as imagens de horror da guerra, criando uma expectativa inicial impressionante.

O roteiro de Marguerite Duras é preciso em criar a cadência, quase musical desse primeiro momento, em que a afirmação e a negação se intercalam com as imagens impactantes de corpos queimados, sobreviventes e construções precárias. São quinze minutos de projeção inicial que prendem o espectador, principalmente por ser totalmente diferente de tudo que já havia sido visto.

A partir de então, somos apresentados ao casal protagonista e ao seu drama de viver algo impossível, burlando a memória e querendo esquecer o passado. Ela, uma atriz francesa, casada, que está em Hiroshima para participar de um filme sobre a paz. Ele, um arquiteto japonês, também casado, com a mulher viajando, que se encanta pela possibilidade de viver momentos com aquela mulher diferente. Dois dias ela ficará na cidade e eles têm apenas esses momentos para viver intensamente o presente e esquecer o passado, porém ambos querem mais daquilo. Os diálogos se intercalam com o silêncio, forte elemento do filme, em uma linguagem contemplativa e intimista.


Com a insistência dele em querer compartilhar algo íntimo, ela acaba recordando o drama do seu primeiro amor, quando vivia em Nevers e se apaixonou por um oficial alemão. Nesse momento, o filme começa a intercalar imagens em flashback com momentos presentes, uma inovação para a época. Somos então apresentados a esse jogo temporal, resgatando o amor proibido, comparando-o ao horror da guerra e ao dilema vivido pelo casal atual. É um momento de catarse, em que as emoções estão à flor da pele e Emanuele Riva demonstra toda a sua capacidade emotiva, em olhares e gestos desesperados que evocam a escalada da loucura pelo sofrimento vivido.

É um momento único, mágico, entre duas pessoas que, como a maioria dos seres humanos, não tem a capacidade de controlar as próprias emoções, nem escolher o que suas mentes conseguem lembrar ou esquecer. Eiji Okada também surpreende em sua interpretação, principalmente se levarmos em conta que ele não sabia uma única palavra em francês e teve que decorar foneticamente cada palavra. Sua emoção é transmitida em olhares contidos.

O drama se passa em um nível emocional, está apenas na cabeça deles. A simbologia é tanta que eles não se chamam por nomes ou pronomes. Em um pacto silencioso, ele é para ela, Hiroshima. Ela é para ele, Nevers. As cidades que guardam seus maiores segredos, suas maiores dores, aquilo que eles querem esquecer, mas não conseguem.

A grande genialidade de Resnais nesse filme é montar a cadência de imagens intercalando silêncio e som, claro e escuro, beleza e destruição. Os opostos se completam em um jogo psicológico de reflexão sobre a verdadeira condição humana e os limites de sua mente. Uma inovação não apenas para época, mas que consegue ser atual mesmo nos dias de hoje, quando a linguagem cinematográfica parece ter esgotado sua capacidade de inovação.

Por tudo isso, Hiroshima Mon Amour é um clássico do cinema mundial, em que a capacidade criativa de Alain Resnais compôs um retrato preciso da fragilidade humana, dos traumas e horrores da guerra e da força controladora do amor. É uma obra que merece ser sempre revisitada.

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