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Joaquim

Joaquim - filme

Mesmo falando de uma época ou imaginando um futuro distante, o cinema é um retrato do seu tempo. Joaquim é um exemplo claro disso. A nova obra de Marcelo Gomes se utiliza da vida de Joaquim José da Silva Xavier, antes de se tornar o mito Tiradentes, para criar uma crônica sobre o Brasil que nos ajuda a entender o atual estado político, social e cultural de nosso povo.

O filme começa com uma imagem forte, a cabeça de Tiradentes em uma estaca em frente a uma igreja e uma voz over apresentando o que a história conhece. Um homem, entre tantos revolucionários, único a "perder" a cabeça e se tornar mito. "Até feriado", ironiza a narração. Não por acaso esse feriado foi um dia após o lançamento da obra nacionalmente.

Joaquim - filmePorém, apresentado o mito que conhecemos nos livros de história, o filme volta um tempo para nos mostrar o Alferes Joaquim, antes da Inconfidência Mineira, quando seus únicos desejos eram virar tenente, comprar a escrava Preta e achar ouro para viver tranquilamente.

A trama acompanha essa personagem em sua rotina e faz uma reconstituição de época cuidadosa. Há uma busca realista até pela falta de higiene, com Joaquim sempre cheio de piolhos, com as roupas manchadas de terra e os dentes mal cuidados. O que é curioso, já que além de alferes, ele era protético, tarefa que acabou lhe dando o apelido famoso.

O filme, no entanto, não se furta a observar aquela época com os olhos de hoje. Tanto que constrói metáforas belas como a formação do nosso povo através da união entre negros e índios em uma das cenas mais bonitas da trama, quando dialogam através da música em uma junção de ritmos e línguas que simbolizam a própria miscigenação do nosso povo. E o mais curioso é que essa tentativa de comunicação e união ocorre enquanto os brancos dormem após uma noite de bebedeira.

Joaquim - filmeA questão da mulher também é vista em uma trajetória extremamente atual. Negra e escrava, Preta não deveria ter voz, porém, a jovem conduz a sua jornada de maneira decidida e forte. Desde sua relação com Joaquim, onde cuida dele, mas mantem suas regras, até os acontecimentos posteriores que simbolizam muito do que o diretor quer mostrar como caminho possível.

Valorização dos povos africanos e indígenas, em contrapartida da crítica aos portugueses, colonizadores ou colonizados, já que, como Joaquim gosta de lembrar durante toda a projeção, os brancos locais são filhos de portugueses. E é nessa "elite" brasileira, que gosta tanto de se sentir portuguesa, ainda que dite o desejo de liberdade, que está o cerne das nossas atuais questões políticas, como o filme quer demonstrar, principalmente, na simbólica cena final.

A "síndrome de vira-latas" do brasileiro, está exposta ainda na exaltação irônica aos povos dos Estados Unidos ou mesmo na figura de Joaquim e sua função de "boi de piranha" de uma revolução que não chegou, de fato, a mudar nada em um país construído em um sistema de colonização de exploração extrema.

Marcelo Gomes é hábil ao construir sua crônica, sempre com muita paciência, com cenas longas de observação, como quando o grupo sai em expedição pelo sertão proibido. A utilização excessiva de câmera na mão ajuda nesse tom quase documental. Constrói, assim, uma atmosfera própria para a sua fábula do jovem Joaquim, que simboliza um pouco do jovem Brasil, ainda aprendendo a lidar com as elites e suas incongruências.


Joaquim (Joaquim, 2017 / Brasil)
Direção: Marcelo Gomes
Roteiro: Marcelo Gomes
Com: Júlio Machado, Isabél Zuaa, Nuno Lopes, Rômulo Braga, Welket Bungué, Karai Rya Pua
Duração: 97 min.

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