Máquinas
A desigualdade no mundo é um tema recorrente em expressões artísticas e pode servir para resumir o que vemos em Máquinas, documentário indiano que retrata a realidade de fábricas de tecidos na Índia. Jovens e crianças, principalmente, exploradas das maneiras mais cruéis em contraste com a realidade dos seus patrões e produtos que fabricam.
Mesmo se não tivesse um único depoimento, o filme passaria seu recado. São imagens que impactam de diversas maneiras. Pessoas que se coisificam em meio a movimentos repetitivos cansativos. Em situações precárias, muitas vezes caindo de sono e cansaço. E das máquinas que eles operam saem os mais belos tecidos. Objetos caros e desejados que farão seus patrões enriquecerem.
Com os depoimentos, o sofrimento dos trabalhadores é apenas confirmado com falas como “precisamos dar as doze horas” ou “não podemos deixar as máquinas pararem”. E também a consciência, ainda que sem esperança, da exploração ao constatar que ali tem apenas mais uma pessoa observando os problemas sem ajudar de fato.
Por outro lado, as falas dos empresários conseguem deixar o quadro ainda mais tenebroso, ao nos fazer presenciar a ganância e desprezo por seus funcionários quase escravos. A maneira como coisificam aquelas pessoas ao colocar seus salários na equação dos preços dos tecidos e seu lucro, assusta.
Não há como não pensar após a sessão de Máquinas. Seja pela situação desumana daquelas pessoas, seja pelos pensamentos egoístas presenciados, seja pela humanidade desconstruída. A própria consciência de termos presenciado algo tão chocante e simplesmente continuar nossas vidas como se nada estivesse acontecendo, incomoda. E nos faz pensar no quanto coisas assim acontecem em tantos outros lugares.
Mais assustador ainda é constatar o quão belo o filme consegue ser esteticamente. Não são apenas os tecidos que saem daquelas máquinas que encantam aos olhos. A plasticidade das imagens nos pegam em composições delicadas que nos trazem prazer. É quase admirar a beleza do sofrimento, como um garoto caindo de sono em cima de uma máquina que segue o seu ritmo. É trágico e é lindo ao mesmo tempo.
A reflexão, ainda que rasa, trazida por algumas vozes, como o representante do sindicato, dá um tom a mais, a uma situação já tão delicada. Nos faz pensar sobre a própria função do filme e como este pode servir para demissões e até ameaças mais sérias diante de algumas situações retratadas. No debate, após a sessão, o cineasta disse, porém, que aquilo é tão comum na Índia que os donos das fábricas não veriam como uma denúncia problemática. Isso só choca ainda mais. Deixando mais questões para pensar sobre.
Trabalho de faculdade do diretor indiano Rahul Jain, Máquinas impressiona em diversos aspectos. Talvez falte maturidade ao cineasta para tocar em temas tão delicados, mas talvez, por isso mesmo, ele se torna um experimento tão impactante. É o olhar de um cineasta buscando compreender o mundo ao redor, seus contrastes, belezas e absurdos.
Filme visto no 6º Olhar de Cinema de Curitiba.
Máquinas (Índia, Alemanha, Finlândia, 2016)
Direção: Rahul Jain
Roteiro: Rahul Jain
Duração: 75 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Máquinas
2017-06-14T08:47:00-03:00
Amanda Aouad
cinema indiano|critica|documentario|Festival|OlhardeCinema2017|Rahul Jain|
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