uando coloquei A Fraude (1999) na minha lista de filmes a assistir, pensei que seria um desses dramas financeiros secos que dependem exclusivamente de números e gráficos para emocionar. Mas, na verdade, é um filme que oscila entre ambição legítima e fragilidade narrativa, mesmo que ainda revele lampejos interessantes, sobretudo pela atuação de Ewan McGregor e pela própria tensão do ambiente financeiro da década de 1990.
Logo no início, somos apresentados a Nick Leeson (McGregor) como um jovem ambicioso que, alçado de funcionário secundário para operar no mercado asiático, acredita estar diante da oportunidade de sua vida. A proposta do filme é atraente: mostrar como um homem, dotado de certa ousadia, pode trazer à ruína um banco com mais de 200 anos de história. Esse é o ponto de partida dramático que deveria dar asas à narrativa. Porém, quase desde o primeiro momento, A Fraude revela sua hesitação. Hesita entre o thriller financeiro, o drama pessoal e a crônica de falência institucional, e acaba por não abraçar nenhuma dessas camadas com plena consistência.
A atuação de McGregor é justamente o que salva muitas cenas da monotonia. Ele imprime humanidade em pequenos gestos, desde o olhar inseguro diante de resultados negativos até o aceno forçado de confiança a Lisa (Anna Friel), e consegue manter uma empatia tênue com o espectador mesmo quando suas decisões o arrastam ao abismo. Não é um personagem de vilania ou glamour: ele é, em grande medida, um operador que se deixa arrastar por seu próprio excesso. Aliás, McGregor e Friel mereciam uma história mais ousada.
O roteiro de James Dearden apresenta os eventos em ordem lógica: ascendência, ocultação de perdas, crescimento das apostas, fuga e queda. Mas há pouco espaço para reviravoltas internas ou grandes rupturas emocionais. Há uma certa banalidade narrativa, não porque os eventos sejam triviais, mas porque seu peso dramático é subaproveitado. Falta ao filme um momento central em que Nick se confronte consigo mesmo, onde ele se olhe no espelho e rejeite o próprio espelho. Isso nunca acontece. Assistimos, quase que mecanicamente, às camadas financeiras se sobreporem às relações pessoais, e ao final somos levados a uma inevitabilidade que, embora verídica, soa previsível dentro da lógica do filme.
Um momento que poderia ter sido emblemático é quando Lisa perde o bebê. Um episódio dramático que, no filme, deveria funcionar como catalisador emocional, intensificando o dilema de Nick entre família e risco. No entanto, o filme não aproveita plenamente a carga simbólica da cena: ela está lá, existe, mas não reverbera o bastante para alterar verdadeiramente o curso narrativo. Essa é uma das falhas mais dolorosas: quando um acontecimento doloroso não modifica o protagonista, sentimos falta da metade do drama.
Em termos de fidelidade ao caso real, A Fraude peca por omissões estratégicas. O filme retrata Nick como alguém capaz de cobrir perdas ganhando, uma versão suavizada da realidade, em que o protagonista parece saber o que faz em vez de agir por desespero. Isso suaviza o alto risco moral da história. Também falta na narrativa do filme uma crítica mais incisiva à estrutura do banco, à complacência institucional e às falhas internas de supervisão: elementos que, no mundo real, foram tão decisivos para o colapso do Barings. O filme concentra a tensão no indivíduo, e pouco investe no ambiente sistêmico que permitiu aqueles erros.
Ainda assim, há mérito nos momentos de tensão financeira: as cenas de mercado, com telas e operações, trazem certa vibração e ajudam o espectador a reconhecer, mesmo que de forma simplificada, o peso abstrato dos números. A encenação desses momentos é clara, sem se perder em jargões, o que é positivo. O filme evita excesso de tecnicismos, o que torna acessível ao público não familiarizado com finanças. Mas esse mesmo recuo narrativo acaba fragilizando o conflito ético profundo que se esperava.
Diria que o ponto alto do filme é a ambiguidade que ele cria entre culpado e vítima. Nick não é totalmente heróico nem vilanesco: é alguém que assume erros e, até certo ponto, paga por eles. Essa ambiguidade poderia ter sido mais explorada, mas falta o desenho de uma trajetória interior verdadeira. Essa metade invisível do protagonista é o que mais pesa como ausência. E ainda assim, por estar presente embora contida, dá ao espectador algo para refletir sobre culpa, poder e responsabilidade.
Já os pontos mais negativos que tenho que ressaltar são: a previsibilidade narrativa, a falta de tensão emocional forte que rompa o conforto do espectador e a ausência de confronto moral mais radical. Em um filme cuja matéria-prima é o colapso de um banco, esperava-se que o drama interno se equiparasse à falência externa, mas o roteiro prefere manter-se contido e cauteloso demais.
Para quem revisita A Fraude hoje, o filme ainda funciona como uma introdução dramática ao escândalo de Nick Leeson, mas não como um mergulho profundo no abismo ético do mundo financeiro. Comparado a obras posteriores que exploraram escândalos econômicos com mais agressividade, ele parece leve, quase tímido. Mas sua ambição de revelar um rosto humano por trás da crise vale mais do que muitos dramas puramente técnicos. E McGregor, com sua presença leve, mas firme, oferece ao filme uma coluna vertebral emocional digna. Se o filme tivesse ousado mais, poderia ter sido uma obra-prima do gênero. Mas mesmo como ele é A Fraude merece reavaliação, não como filme perfeito, mas como porta de entrada para discussões maiores sobre responsabilidade, risco e falhas humanas.
A Fraude (Rogue Trader, 1999 / Reino Unido)
Direção: James Dearden
Roteiro: James Dearden
Com: Ewan McGregor, Anna Friel, Tom Wu, Nigel Lindsay, Lee Ross
Duração: 101 min.




