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A Luta pela Esperança
A Luta pela Esperança
Quando se pensa no cinema de superação, espera-se uma narrativa elástica, que aplique tensão, conquiste empatia e evite escorregar para o sentimentalismo fácil. A Luta pela Esperança (2005), dirigido por Ron Howard, é justamente esse caso: um filme que oscila entre o impulso genuíno e o risco da manipulação dramática, e que, em muitos momentos, paga o preço de suas próprias escolhas narrativas.
A trama central, a biografia do boxeador James J. Braddock, que perde tudo durante a Grande Depressão e depois retorna aos ringues para reconstruir sua vida, carrega ingredientes ideais para o drama: crise social, conflito familiar, esporte como metáfora de luta existencial. Howard e o roteiro de Akiva Goldsman e Cliff Hollingsworth sabem que o público tem certa familiaridade com histórias desse tipo, então não tentam reinventar a roda dramática: o arco de queda e ascensão já é dado de início, e o filme dedica energia a sustentar a credibilidade desse percurso.
O grande mérito de A Luta pela Esperança está no momento em que convertemos o ringue em arena simbólica da condição humana. Em particular, a sequência do combate final entre Braddock e Max Baer revela a tensão dramática mais concentrada: o público já está investido nos sacrifícios de Braddock e cada golpe parece carregar uma vida inteira de frustrações, o peso do fracasso, a urgência de sustentar sua família. É nesse momento que o filme mostra que sua força reside não só nos socos, mas no que esses golpes representam: o direito de resistir, de se reerguer.
Russell Crowe, no papel de Braddock, cumpre aquele delicado equilíbrio entre herói resiliente e protagonista vulnerável. Ele transpira cansaço, não apenas físico, mas moral. As dúvidas vislumbradas em seu olhar e o instante em que ele quase sucumbe revelam uma textura emocional que o roteiro nem sempre facilita. É como se Crowe seguisse por conta própria, tentando extrair humanidade de cenas que, em outras mãos, soariam mecânicas. Nesse sentido, seu desempenho costuma ser o ponto de ancoragem emocional do filme.
Em contraste, Renée Zellweger, que interpreta Mae, a esposa de Braddock, padece de uma sobrecarga emocional constante: muitas de suas cenas estão imersas em choro, tremores e variações abruptas de tom. Em algumas abordagens, isso funciona como sinal de desespero, mas em outras acaba sendo excessivo, como se o roteiro pedisse lágrimas em vez de permitir que o silêncio ou a dor contida falem por si. Esse tipo de oscilação é típico quando um drama insiste no apelo emocional como musculatura principal.
Quanto à narrativa, ela é eficaz, porém previsível. O filme não se preocupa em esconder seus rumos: os altos e baixos da vida de Braddock se sucedem em elipses e saltos cronológicos bem demarcados. Isso facilita o engajamento, mas ao mesmo tempo impede que percamos o chão narrativo. Os personagens tendem a se definir por suas virtudes ou falhas de modo quase programado: Braddock é o homem incorruptível, Mae a esposa sacrificial, Baer o antagonista quase caricatural. Nesse ponto, ao reduzir a complexidade humana a figuras quase simbólicas, o filme se aproxima do melodrama.
Visualmente, há bons momentos de respiro. A fotografia dessaturada, os enquadramentos que abrem espaço para a vastidão dos cenários de crise e as filmagens das lutas transportam o espectador para dentro da pele do lutador. O design de produção e o figurino ajudam a situar o ambiente da Grande Depressão com verossimilhança: os abrigos, o frio, a escassez, tudo isso não é apenas pano de fundo, mas parte da atmosfera de tensão diária. A trilha sonora, vigorosa quando exige e discreta quando necessário, cumpre seu papel narrativo, embora às vezes ouse intensificar o drama de modo excessivo.
Em termos de ritmo, o filme é mais consistente nos dois primeiros atos, quando constrói empatia com as dificuldades de Braddock e sua família. No terceiro ato, contudo, o roteiro se rende a fórmulas emocionais típicas: discursos mobilizadores, confrontos físicos dramáticos e reviravoltas esperadas acabam reduzindo os espaços de nuance. É como se o filme, ao aumentar o tom, sacrificasse a naturalidade que vinha mantendo. A transição entre a dor silenciosa e o clímax esportivo é abrupta.
O que mais incomoda é justamente esse hiato entre a promessa emocional e a execução calculada. Quando o espectador percebe que o filme está pedindo lágrimas e o corte dramático força o momento, em vez de deixar que ele surja organicamente. Isso rompe uma ingenuidade que poderia permanecer intacta. Nesses instantes, o cinema parece responder ao desejo do público por catarse em vez de confiar na inteligência emocional dos personagens.
Mesmo assim, A Luta pela Esperança não é um fracasso. Seu coração está no lugar certo. Em vários momentos, ele realmente comove, sobretudo quando Russell Crowe se abre ao cansaço, à dúvida, ao pesar. Quando um filme de superação não nos convence de que estamos testemunhando uma fábula, mas sim uma vida que precisou se reerguer, ele ganha estatura. E Cinderella Man consegue essa rara conexão em seus instantes mais bem dosados.
Minha avaliação final é de que A Luta pela Esperança é imperfeito, mas sincero. Ele nem sempre escapa das fórmulas de Hollywood, mas ainda assim entrega algo que muitos dramas de superação real não conseguem: a sensação de que a dor importa e que lutar por dignidade é legítimo. Se tivesse ousado mais em seus personagens ou desse mais espaço para o silêncio, talvez fosse memorável. Mesmo assim, permanece como um retrato competente e, em seus momentos de força, como uma celebração discreta da resistência humana.
A Luta pela Esperança (Cinderella Man, 2005 / EUA)
Direção: Ron Howard
Roteiro: Akiva Goldsman e Cliff Hollingsworth
Com: Russell Crowe, Renée Zellweger, Paul Giamatti, Craig Bierko, Paddy Considine
Duração: 144 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
A Luta pela Esperança
2025-12-05T08:30:00-03:00
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