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Simplesmente Amor
Simplesmente Amor
Assistir hoje à Simplesmente Amor (2003) é experimentar uma espécie de encontro de cinefilia natalina com um retrato de amor em doses múltiplas e, ao mesmo tempo, perceber que esse encontro foi ambicioso e por vezes desajeitado. O diretor e roteirista Richard Curtis parte de uma premissa encantadora, com amor em vários formatos, Londres decorada e véspera de Natal, e entrega uma comédia romântica em mosaico, que no papel soa festiva, calorosa, capaz de abraçar o espectador. Porém, assim que a obra começa, fica claro que o desafio de dar voz a muitas subtramas simultâneas é ao mesmo tempo o seu trunfo e a sua armadilha.
O que o filme faz bem: o elenco é inacreditavelmente talentoso. Hugh Grant como primeiro-ministro que dança nos corredores do poder; Emma Thompson numa dupla rota com o saudoso Alan Rickman que carrega um desgaste doméstico sincero; Colin Firth e Lúcia Moniz provando que o amor pode romper as barreiras linguísticas; Liam Neeson como viúvo tentando reconectar com seu filho, e Keira Knightley deslumbrante em início de carreira. Em cada história há um lampejo de verdade: a cena em que Firth propõe casamento em português, com o mar ao fundo, é simbólica. Mistura insegurança, exotismo e a beleza bruta de um gesto aparentemente bobo, funcionando como momento-ícone do filme.
A fotografia aposta em luzes festivas, tons vermelhos e verdes exalta um cartão postal de Londres enfeitado, o que reforça o estado de encantamento que o roteiro quer provocar. A ideia de que o mundo, por alguns minutos, pode acreditar no amor. Mas há momentos onde o roteiro exige ser conduzido com menos ligadura emocional, e então vemos a limitação: personagens rasos apenas para a cena funcionar, mais do que sujeitos complexos. Isso não cancela o desempenho, apenas revela as fronteiras da proposta. Já o que talvez incomode mais é o humor que hoje soa ligeiramente datado, mesmo para um filme recente.
As sombras são evidentes. O formato de várias histórias entrelaçadas aqui sobra em quantidade e falta em profundidade. Em diversos momentos, sentimos que as personagens transitam pela tela sem uma pegada emocional real. A alternância entre tom leve e tom melancólico é abrupta: ora é riso fácil, ora a dor de uma viuvez aparece, mas sem real ponte entre elas. Em termos de construção de personagem, algumas relações fundamentais ficam por explorar: o tema da amizade versus amor, por exemplo, é sugerido mas não desenvolvido.
A direção de Curtis, por mais afável que seja, já que fica claro que ele conhece o gênero, domina diálogos britânicos rápidos e sabe operar o timing da comédia, esbarra numa certa complacência com os códigos da comédia romântica. O humor, muitas vezes eficiente, se apoia em convenções, e há passagens em que o filme parece mais confortável em ser festivo do que inquieto. Ou seja, cumpre o papel de levantar o astral, mas hesita em desafiá-lo. Isso não é necessariamente um defeito menor: há muitos filmes que só querem fazer você se sentir bem, e esse até faz. Mas se o espectador buscar algo mais estruturado, há a sensação de quase ali.
Dirigido para o período natalino, o filme abraça os símbolos: neve, luzes, guirlandas, música pop reformulada. Funciona nesse cenário e ele cria o estado de espírito. Mas essa dependência de ambientação festiva oferece dois riscos: que o enredo ganhe apoio demais do espírito natalino e que o clímax, seja ele dramático ou romântico, carregue mais melodrama do que substância. Por exemplo, o conflito entre Thompson e Rickman parece subaproveitado frente ao romantismo imediato da proposta. Ainda assim, há prazer em assistir esse tipo de filme: porque o cinema também pode ser reconfortante, pode abraçar clichês desde que os transforme em sutilezas. E Curtis, apesar das falhas, faz isso com boa vontade.
Apesar disso, um dos méritos mais claros do filme está em celebrar o amor em plural: o romântico, o fraternal, o platônico, o primeiro amor, o amor tardio, o amor silencioso. É audacioso imaginar tudo isso num único longa. E numa era em que a comédia romântica britânica parecia já saturada, o filme acerta ao evocar familiaridade e tornar aquilo próximo. Por outro lado, essa ambição duela com a coesão narrativa e, a meu ver, o filme escolhe abraçar o calor e o sorriso ao invés da articulação perfeita.
Em resumo, vejo Simplesmente Amor como um filme que tem coração, elenco, intenção e charme, mas que se permite ser indulgente. Ele nos faz sorrir, nos lembra do poder do amor e nos deixa, talvez, confortável demais. Quando isso acontece, parte do que poderia incomodar ou nos fazer refletir fica de fora. E isso não torna o filme menos válido, apenas menos desafiador. Se você entrar nessa, pronto para ser envolvido, vai sair com um sorriso e talvez com vontade de abraçar alguém. E só, mas está tudo bem.
Simplesmente Amor (Love Actually, 2003 / Reino Unido, EUA)
Direção: Richard Curtis
Roteiro: Richard Curtis
Com: Hugh Grant, Emma Thompson, Alan Rickman, Bill Nighy, Colin Firth, Laura Linney, Lúcia Moniz, Liam Neeson, Keira Knightley
Duração: 135 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Simplesmente Amor
2025-12-19T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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