CineFuturo e o Cinema periférico
A política continuou ditando o ritmo no terceiro dia do CineFuturo 2011. A função social do cinema foi o foco da mesa da manhã e do diálogo à tarde, construindo um complemento interessante. A idelogia do Cinema Novo e de Gláuber Rocha estava viva no espaço do TCA, em busca de um cinema que faça o público pensar, não sendo apenas entretenimento voltado para o mercado. “Cinema tem que fazer pensar”, afirmou Gilberto Felisberto Vasconcelos.
Concordo, mas não deixo nunca de lembrar da frase de Jorge Alfredo em uma edição anterior do Seminário de Cinema. "Cinema também é pipoca". Ou seja, não sejamos hipócritas de condenar completamente a indústria norte-americana se nos envolvemos com muito de seu cinema. Basta ver as listas de melhores filmes de qualquer um de nós. Mas, como arte, o cinema é um processo pensante que precisa de todas as vertentes, isso é claro. E o cinema pensante brasileiro está mesmo morrendo a cada dia, em prol do cinema de entretenimento made in Globo Filmes. Nesse ponto, todas as manifestações vistas no teatro no dia de ontem fazem coro aqui.
Mediada pelo cineasta baiano Araripe, a mesa Periferias, política e estética contou com uma mistura interessante. A brasileira Ivana Bentes, pesquisadora do cinema brasileiro que critica o que ela chama de "cosmética da fome", defendendo a voz do excluído na tela. Bentes apresentou uma palestra com diversos exemplos do que ela considera um falso espaço para o morador da favela, como o clipe de Michael Jackson. E falou do que ela considera a cultura autêntica desse segmento cultural, como o funk, visto com tanto preconceito por não ser compreendido. Em uma declaração polêmica, Ivana Bentes chegou a comparar Tati Quebra-Barraco com Leila Diniz em sua postura vanguardista na posição da mulher e seu lugar na sociedade. São, segundo ela, formas de pensar o discurso político. Bentes citou ainda o que considera bons exemplos como O Nós no Morro, o Projeto Morrinho no Pereirão e docs e clipes de MVBill.
Após a fala da pesquisadora, o mediador Araripe fez um comentário interessante ao dizer que somos todos periferia, pois é assim que Hollywood trata o resto do mundo. Mas, ainda segundo o cineasta, a internet está aí como uma opção para mostrarmos que o mundo não tem centro nem periferia, afinal é uma esfera. Isso retoma a discussão de que há espaço para todos. Completando a mesa tínhamos dois documentaristas diferentes e próximos ao mesmo tempo, discutindo formas de mostrar essa periferia na tela. O francês François Rabaté e o holandês Leonard Retel Helmrich. O primeiro, um documentarista que acredita que a menssagem passada é o mais importante, não se incomodando, por exemplo, se tiver que reconstituir cenas ou interferir na ação. Enquanto que o segundo acredita na filosofia do cinema direto, morando junto com a comunidade a ser filmada para interferir o menos possível na rotina a ser retratada. Diferença também, encontram no material com que cada um trabalha, com equipes e câmeras grandes no caso de François Rabaté, enquanto que Helmrich trabalha sozinho com microcâmeras. Helmrich criou uma nova forma de filmagem, Single Shot Cinema, que foi tema de um workshop durante o seminário. Mas, o mais importante é que, independente das diferenças, ambos trazem a periferia para a tela.
Durante o bate-papo foram mostrados trechos de filmes de ambos, na Indonésia e na França, sendo Imigrante Trabalhador de François Rabaté um destaque interessante, mostrando histórias de vida de diversos imigrantes de nacionalidades distintas que vivem na França, fazendo o trabalho que “ninguém quer fazer”, segundo o próprio filme, e que ainda são condenados pelos franceses como invasores que estão se aproveitando de seus recursos. O filme Posição entre as estrelas, de Helmrich ainda será exibido hoje no TCA. Questionados pela platéia sobre a semelhança de filmes etnográficos com seus trabalhos, ambos negaram. O francês após explicação demonstrou mesmo não ter muito de etnográfico, mas a preocupação de Helmrich em documentar o real, pareceu mesmo próximo da idéia sociológica e antropológica. Ivana Bentes completou a conversa falando que, para ser etnográfico realmente, teria que haver uma inclusão visual, ou seja, o ser excluído fazer os seus próprios filmes, sem a interferência de terceiros.
Pela tarde, parte desse pensamento apresentado por Ivana Bentes foi desenvolvido com a apresentação do Kivideobiopsicomassafolk criado pelo professor Gilberto Felisberto Vasconcelos e seus alunos na Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Cinco filmes feitos pelo grupo foram apresentados, demonstrando um pouco a estética essencialmente marxista, com inspiração declarada no pensamento e obra de Gláuber Rocha. Os vídeos experimentais expõem os pensamentos de um cinema revolucionário, comunista, anti-imperialista e que escapa, segundo Gilberto, do inimigo egóico do diretor. O diálogo que se seguiu com o professor e o jornalista João Carlos Teixeira Gomes foi centrado na figura de Gláuber Rocha. O pensamento do cineasta baiano foi discutido, explicado e comtemplado de maneira apaixonada.
Como sempre, a noite se encerrou com exibição de curtas e longametragens. A poeira e o vento de Marcos Pimentel casa bem com as discussões do dia, captando de forma simbólica uma rotina do interior de Minas Gerais. A montagem em paralelo da vida do menino e do porco da fazenda é tocante, envolvente e bem realizada. Poético. Na segunda sessão veio Corte Seco do baiano Matheus Vianna mostrando o caminho do sisal, como diz a sinopse, da folha à fibra, das mãos às máquinas. As etapas de um ciclo. A montagem em paralelo do trabalho artesanal e industrial é bem feito. E a fotografia do filme é muito boa, com um tratamento de luz que deixa as cores vibrantes e enquadramentos diversificados, nos dando a sensação de estar lá, dentro do processo.
Depois veio Calma Monga, calma!, de Petrônio de Lorena com uma linguagem de realismo fantástico e muito humor, mostrando o caso de uma psicopata cabeluda, uma quimera. Destaque para as simulações de reportagens e programas de debate televisivo. O longametragem A ilha interior de Félix Sabroso e Dunia Ayaso trabalha um pouco a loucura em uma família com um tom melodramático exacerbado e boas interpretações. E, por fim, Os cavalos de Goethe de Arthur Omar, um documentário experimental mostrando combates entre cavaleiros no Afeganistão. Uma experimentação, realmente, onde pouco se conhece do evento e muito das possibilidades de linguagens.
Ainda no dia de hoje, a Retrospectiva Bertolucci continuou com exibição de O céu que nos protege, Beleza Roubada e La Luna. E a Mostra Amor à Francesa com Um dia no campo e Cais das sombras.
Fotos de divulgação do CineFuturo.
Concordo, mas não deixo nunca de lembrar da frase de Jorge Alfredo em uma edição anterior do Seminário de Cinema. "Cinema também é pipoca". Ou seja, não sejamos hipócritas de condenar completamente a indústria norte-americana se nos envolvemos com muito de seu cinema. Basta ver as listas de melhores filmes de qualquer um de nós. Mas, como arte, o cinema é um processo pensante que precisa de todas as vertentes, isso é claro. E o cinema pensante brasileiro está mesmo morrendo a cada dia, em prol do cinema de entretenimento made in Globo Filmes. Nesse ponto, todas as manifestações vistas no teatro no dia de ontem fazem coro aqui.
Mediada pelo cineasta baiano Araripe, a mesa Periferias, política e estética contou com uma mistura interessante. A brasileira Ivana Bentes, pesquisadora do cinema brasileiro que critica o que ela chama de "cosmética da fome", defendendo a voz do excluído na tela. Bentes apresentou uma palestra com diversos exemplos do que ela considera um falso espaço para o morador da favela, como o clipe de Michael Jackson. E falou do que ela considera a cultura autêntica desse segmento cultural, como o funk, visto com tanto preconceito por não ser compreendido. Em uma declaração polêmica, Ivana Bentes chegou a comparar Tati Quebra-Barraco com Leila Diniz em sua postura vanguardista na posição da mulher e seu lugar na sociedade. São, segundo ela, formas de pensar o discurso político. Bentes citou ainda o que considera bons exemplos como O Nós no Morro, o Projeto Morrinho no Pereirão e docs e clipes de MVBill.
Após a fala da pesquisadora, o mediador Araripe fez um comentário interessante ao dizer que somos todos periferia, pois é assim que Hollywood trata o resto do mundo. Mas, ainda segundo o cineasta, a internet está aí como uma opção para mostrarmos que o mundo não tem centro nem periferia, afinal é uma esfera. Isso retoma a discussão de que há espaço para todos. Completando a mesa tínhamos dois documentaristas diferentes e próximos ao mesmo tempo, discutindo formas de mostrar essa periferia na tela. O francês François Rabaté e o holandês Leonard Retel Helmrich. O primeiro, um documentarista que acredita que a menssagem passada é o mais importante, não se incomodando, por exemplo, se tiver que reconstituir cenas ou interferir na ação. Enquanto que o segundo acredita na filosofia do cinema direto, morando junto com a comunidade a ser filmada para interferir o menos possível na rotina a ser retratada. Diferença também, encontram no material com que cada um trabalha, com equipes e câmeras grandes no caso de François Rabaté, enquanto que Helmrich trabalha sozinho com microcâmeras. Helmrich criou uma nova forma de filmagem, Single Shot Cinema, que foi tema de um workshop durante o seminário. Mas, o mais importante é que, independente das diferenças, ambos trazem a periferia para a tela.
Durante o bate-papo foram mostrados trechos de filmes de ambos, na Indonésia e na França, sendo Imigrante Trabalhador de François Rabaté um destaque interessante, mostrando histórias de vida de diversos imigrantes de nacionalidades distintas que vivem na França, fazendo o trabalho que “ninguém quer fazer”, segundo o próprio filme, e que ainda são condenados pelos franceses como invasores que estão se aproveitando de seus recursos. O filme Posição entre as estrelas, de Helmrich ainda será exibido hoje no TCA. Questionados pela platéia sobre a semelhança de filmes etnográficos com seus trabalhos, ambos negaram. O francês após explicação demonstrou mesmo não ter muito de etnográfico, mas a preocupação de Helmrich em documentar o real, pareceu mesmo próximo da idéia sociológica e antropológica. Ivana Bentes completou a conversa falando que, para ser etnográfico realmente, teria que haver uma inclusão visual, ou seja, o ser excluído fazer os seus próprios filmes, sem a interferência de terceiros.
Pela tarde, parte desse pensamento apresentado por Ivana Bentes foi desenvolvido com a apresentação do Kivideobiopsicomassafolk criado pelo professor Gilberto Felisberto Vasconcelos e seus alunos na Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Cinco filmes feitos pelo grupo foram apresentados, demonstrando um pouco a estética essencialmente marxista, com inspiração declarada no pensamento e obra de Gláuber Rocha. Os vídeos experimentais expõem os pensamentos de um cinema revolucionário, comunista, anti-imperialista e que escapa, segundo Gilberto, do inimigo egóico do diretor. O diálogo que se seguiu com o professor e o jornalista João Carlos Teixeira Gomes foi centrado na figura de Gláuber Rocha. O pensamento do cineasta baiano foi discutido, explicado e comtemplado de maneira apaixonada.
Como sempre, a noite se encerrou com exibição de curtas e longametragens. A poeira e o vento de Marcos Pimentel casa bem com as discussões do dia, captando de forma simbólica uma rotina do interior de Minas Gerais. A montagem em paralelo da vida do menino e do porco da fazenda é tocante, envolvente e bem realizada. Poético. Na segunda sessão veio Corte Seco do baiano Matheus Vianna mostrando o caminho do sisal, como diz a sinopse, da folha à fibra, das mãos às máquinas. As etapas de um ciclo. A montagem em paralelo do trabalho artesanal e industrial é bem feito. E a fotografia do filme é muito boa, com um tratamento de luz que deixa as cores vibrantes e enquadramentos diversificados, nos dando a sensação de estar lá, dentro do processo.
Depois veio Calma Monga, calma!, de Petrônio de Lorena com uma linguagem de realismo fantástico e muito humor, mostrando o caso de uma psicopata cabeluda, uma quimera. Destaque para as simulações de reportagens e programas de debate televisivo. O longametragem A ilha interior de Félix Sabroso e Dunia Ayaso trabalha um pouco a loucura em uma família com um tom melodramático exacerbado e boas interpretações. E, por fim, Os cavalos de Goethe de Arthur Omar, um documentário experimental mostrando combates entre cavaleiros no Afeganistão. Uma experimentação, realmente, onde pouco se conhece do evento e muito das possibilidades de linguagens.
Ainda no dia de hoje, a Retrospectiva Bertolucci continuou com exibição de O céu que nos protege, Beleza Roubada e La Luna. E a Mostra Amor à Francesa com Um dia no campo e Cais das sombras.
Fotos de divulgação do CineFuturo.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
CineFuturo e o Cinema periférico
2011-07-28T08:11:00-03:00
Amanda Aouad
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