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Reino Animal

Reino Animal - Jacki WeaverLançado diretamente no DVD aqui no Brasil, o filme de estreia de David Michôd na direção ficou mais conhecido pela indicação ao Oscar e Globo de Ouro da atriz Jacki Weaver. A atriz, que faz matriarca de uma família incomum, aparece pouco em cena, mas tem uma composição assustadora. Já a construção em si do filme australiano tem prós e contras, sendo um filme interessante que cresce muito no ato final.

A primeira cena de Reino Animal já demonstra muito bem não apenas o ótimo argumento como as escolhas simbólicas. Joshua "J" Cody está sentado no sofá de sua sala vendo televisão quando percebe que sua mãe morreu de overdose. Impassível, talvez pelo choque, ele liga para a avó e pede ajuda, pois não sabe o que fazer com os trâmites legais, já que é menor de idade. Detalhe para a televisão que fica dividindo nossa atenção durante a cena, em uma versão do show de perguntas ao estilo de Quem quer ser milionário local. A partir daí, J. vai morar com sua avó e tios, umas espécie de família de gangsters locais, liderados por Andrew "Pope" Cody, que está foragido da polícia por tráfico de drogas.

Reino AnimalA capa em DVD diz que é uma resposta para Os Bons Companheiros, mas algo na sua estrutura familiar lembra mais O Poderoso Chefão. Na verdade é uma história de bandidos, famílias desestruturadas e escolhas. J está nessa situação, precisa decidir de que lado vai estar, já que o detetive Nathan Leckie, interpretado por Guy Pearce, tenta convencê-lo a colaborar com a polícia em vários momentos. Nisso, o título do filme é bastante feliz, Reino Animal nos lembra a lei da selva, a luta por sobrevivência, a lei do mais forte. É instigante a forma como os personagens são construídos ressaltando essa disputa. E a personagem de Jacki Weaver é a mais assustadora nesse contexto por sua dissimulação. Apenas em um momento ela realmente baqueia e ainda comenta que não consegue encontrar o seu habitual otimismo. Além do mais, é também uma referência a como Janine Cody protege seus filhos, e os seus beijos lembram bem as lambidas de uma leoa em suas crias.

Reino AnimalA ironia e dissimulação da matriarca contrasta com a frieza de Pope, o filho mais velho, interpretado muito bem por Ben Mendelsohn. Ele conduz sua família nessa guerra de forma muito prática, causando medo mesmo nos entes mais próximos pela sua capacidade de matar com a mesma facilidade com que bebe água. Não por acaso uma das cenas mais fortes do filme é a discussão entre os dois, até por serem mãe e filho. Já Guy Pearce nos traz Nathan Leckie, esse detetive honesto, competente, mas um pouco atrapalhado ao ser passado para trás muitas vezes pela própria equipe. E o garoto James Frecheville consegue conduzir muito bem o drama de J. Sua situação complexa é defendida de uma forma instigante, pecando apenas em uma cena onde tem que chorar copiosamente.

Reino AnimalMas, se o roteiro é interessante, as interpretações são ótimas e algumas cenas possuem uma composição inspirada, o filme peca muito no quesito som. Há um abuso de um recurso utilizado para clímax que é aquela música tensa, abafada composta em cima de um efeito de câmera lenta que nos causa ansiedade. Isso funciona uma ou duas vezes, mas em Reino Animal se repete até tornar-se banal. Da mesma forma que é utilizado em excesso uma espécie de clipe como quando eles saem da lanchonete, ou quando assistem à televisão após o primeiro acontecimento trágico do filme. Isso quebra completamente o ritmo do filme que é bastante naturalista, deixando muitas passagens chatas.

Reino AnimalAinda assim o último ato consegue nos prender em uma eficiente construção de tensão e jogo dúbio. O espectador não se sente seguro quanto ao caminho que aquela história vai tomar. David Michôd é bastante feliz ao brincar com a expectativa, nos jogando em uma verdadeira montanha russa de emoções. Quando pensamos que já estamos em terreno seguro ele dá o golpe de misericórdia nos surpreendendo e deixando um bom tempo em choque após a conclusão da história. E tudo de uma forma inteligente, sem cair no piegas, banal ou mesmo clichê.

Reino Animal é um filme instigante, que nos pega por um argumento forte e por belas interpretações, não apenas da indicada Jacki Weaver. Porém, mesmo que tenha entrado na lista de Quentin Tarantino dos melhores filmes do ano, tem seus problemas. Não pode ser chamado de obra-prima, ainda bem, pois seria muito ruim para David Michôd já estrear com essa responsabilidade. Mas, aqui, ele já demonstrou que podemos esperar boas obras dele.


Reino Animal (Animal Kingdom: 2010 /Austrália)
Direção: David Michôd
Roteiro: David Michôd
Com: Ben Mendelsohn, Joel Edgerton, Guy Pearce, Luke Ford, Jacki Weaver.
Duração: 113 min

Comentários (10)

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Só lamento a distribuição direta em DVD. Tinha esperanças de uma distribuidora comprar os direitos do filme para exibí-lo no circuito, taí mais um filme que vai se empoeirar nas prateleiras e não terá o reconhecimento devido. Dito isso, achei "Reino Animal" uma fita sensacional. Mesmo! A mise-en-scene de Michôd é sensacional e a maneira que ele manipula a história, vai apresentando seus desdobramentos e não facilita para o espectador é de uma segurança, de um domínio impressionante para um novato no cargo. Acho que ele simplesmente arrebentou! O roteiro também é excelente e ganha vida por atores em estado de graça. E aqui, repito o que tu disse, Amanda: não apenas Jacki Weaver, principal fator que tornou o filme mais conhecido, mas todos estão excepcionais, desde o protagonista com aquela inexpressividade o filme inteiro, mas que desaba naquela emocionante cena do banheiro até seu tio, um dos melhores coadjuvantes do ano passado, interpretado por Ben Mendelsohn.

Eu não havia me atentado ao aspecto sonoro que tu comenta na crítica. Vou rever o filme ainda essa semana - assim espero, para cumprir uma pauta do blog - e prestarei mais atenção nesse detalhe ;)

bjs!
1 resposta · ativo menos de 1 minuto atrás
Pois é, Elton, uma pena não ter tido chance no cinema. Sim, o filme tem muito valor, mas a questão sonora me incomodou mesmo, todo o recurso de som e câmera lenta que acaba tornando parte da expectativa banal.

bjs
Se você cita Os Bons Companheiros e O Poderoso Chefão no texto (obras mágicas na minha visão) preciso assistir urgente. Mesmo não sendo tão genial quanto os filmes citados.
1 resposta · ativo 727 semanas atrás
São mesmo, Renato, há ecos deles sim. E é um filme interessante no geral.
Acho que " a resposta a Os bons companheiros" se deve a estética crua e a gangue das ruas. Na verdade, o filme australiano reúne elementos que o qualifica a figurar em comparações tanto com o filme de Scorsese como com o de Coppola, como vc alinhou.

Tenso, multifacetado e nervoso. Um filme impactante. Dessa safra do Oscar, se juntou a Inverno da alma no quesito. Nós sabemos endurecer...
bjs
1 resposta · ativo 727 semanas atrás
Entendo, Reinaldo, mas achei meio forçado, uma ação de marketing. Mas, tem ecos dos dois sim.

E é um filme bastante tenso, realmente.

bjs
Amanda, eu gostei do filme, apesar dele não entrar pra minha lista de filmes favoritos, entende isso? Gostei, foi intrigante mesmo, mexeu comigo em certas situações - não só a Jacki Weaver está bem, ótimo você ter reconhecido isso, mas o filme tem um bom elenco. A direção é cuidadosa. Pretendo revê-lo depois e observar essas questões que apontou.

beijo
1 resposta · ativo 726 semanas atrás
Entendo perfeitamente, Cris. Também sinto assim, um bom filme, mas não vai entrar na lista dos meus preferidos.

bjs
Gostei de sua cítica, em todos os sentidos. Reservo várias (2,3), para ler, a sua é 'definitiva', lerei as outras por curiosidade.
Valeu.
1 resposta · ativo 467 semanas atrás
Obrigada, Sylvio, volte sempre.

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