
Após de certa forma inovar no documentário
Coração Vagabundo, fugindo do formato básico de depoimentos recontando a vida do artista,
Fernando Grostein Andrade flerta com uma polêmica do gênero: até que ponto pode-se usar o cinema como defesa de uma tese. Em
Quebrando o Tabu não vemos um documentário isento, onde a intenção é discutir um tema. Andrade nos apresenta seu ponto de vista: é preciso descriminalizar a
maconha. Ponto. Todo o filme serve apenas para tentar nos provar o porquê.
Não que isso seja totalmente um problema.
Michael Moore sempre fez isso e já ganhou até Oscar. Mas, é preciso ter em mente a proposta do filme, para não exigir dele mais do que possa nos dar. Não se trata aqui também de ser a favor ou contra o ponto de vista exposto, mas de uma análise da forma como ele foi construído.
Quebrando o Tabu é, antes de tudo, corajoso ao trazer um tema verdadeiramente tabu no mundo, e mostrar através de exemplos que este não é o caminho. Por vezes de forma ingênua, é verdade, principalmente em sua conclusão quando diz que em 1971 os Estados Unidos declararam guerra à droga e agora era hora do mundo declarar paz. Ainda assim, é uma postura honesta deixar tão claro o seu posicionamento e buscar expor os fatos que considera importantes. O perigo é apenas na manipulação desses fatos e na possível confusão dos espectadores ao não ouvir o outro lado.

Tendo o ex-presidente e sociólogo
Fernando Henrique Cardoso como fio condutor do filme, Andrade vai buscar na história a certeza de que o homem sempre utilizou drogas, mais ou menos leves para se divertir, afirmar posições ou simplesmente se impor diante de um grupo. Simplesmente proibir e perseguir usuários não seria, então, a melhor solução para nada. E também na história tínhamos o exemplo da Lei Seca nos Estados Unidos que abriu espaço para o surgimento de figuras como Al Capone. Andrade usa de dados também para mostrar que a
maconha causa menos mal ao organismo humano que o
tabaco ou o
álcool que são
drogas lícitas.

Utilizando-se de depoimentos diversos de artistas como
Paulo Coelho, médicos como
Drauzio Varella, cientistas e assistentes sociais de várias partes do mundo e políticos como
Bill Clinton,
Quebrando o Tabu vai construindo sua tese a partir de exemplos em outros países como Holanda e Suíça, onde a
droga é parcialmente liberada e assim, melhor controlada, o que acaba resultando em uma diminuição de usuários em relação aos países onde há proibição. Andrade constura as imagens com gráficos e animações para representar situações simuladas tornando a narrativa dinâmica e de certa forma, mais leve. Mas, isso acaba tornando-a também, mais ingênua. O diretor parece tão convencido de que é preciso pelo menos descriminalizar a
maconha que esquece de construir as bases de argumentos que tornem essa afirmação irrefutável.

Não basta dizer que proibir a
droga alimenta o
tráfico e a
violência, nem que, ao legalizar, o interesse diminui por causa dos exemplos em alguns países. Perto do final do filme,
Fernando Andrade nos dá uma pequena amostra de opiniões contrárias ao seu argumento que quase fazem toda argumentação do filme cair por terra. Ao mostrar por exemplo um depoimento de que
violência e
marginalidade sempre existirão, se não for por causa de
drogas vão surgir outros motivos. Ou quando fala que ao legalizar a
maconha, o perigo é ela ser porta de entrada para outras
drogas, principalmente porque quem a vende tentará conseguir mais dinheiro do
usuário vendendo algo que vicie mais facilmente. Ou ainda, quando o próprio
Fernando Henrique diferencia descriminalizar de legalizar, deixando claro que não se pode legalizar algo que faz mal.

É fato que aqui a análise cinematográfica começa a se misturar com o tema em si, afinal, parece mesmo certo descriminalizar, ou seja, tratar o usuário como
dependente químico e não como marginal. E que essa é a principal defesa do filme. Mas a posição de
Fernando Grostein Andrade, e dos quatro roteiristas que o acompanharam nessa jornada, fica dúbia em boa parte da projeção, pois não se sabe até que ponto seria válido
legalizar, ou simplesmente discriminalizar. A própria distinção dos termos não é aprofundada, sendo diluída entre exemplos e depoimentos que hora falam da discriminalização e hora falam da legalização da droga. Interessante é perceber que no depoimento de
Paulo Coelho, um dos mais sensatos, há uma crítica ferrenha às propagandas anti-drogas que não surgem efeito por serem panfletárias. E no entanto, o documentário é panfletário em boa parte de sua projeção.
No entanto, é bom deixar claro que isso tudo não invalida a proposta. Apesar de ter uma visão unilateral do problema, e ser superficial e ingênuo em muitos dos argumentos,
Quebrando o Tabu serve em certa instância para levantar a questão e nos deixar com vontade de debater o tema. Porque o problema está aí e é impossível simplesmente fingir que não exista.
Maconha só não é mais fácil de encontrar por aí do que DVD Pirata que parece já ter feito um comércio paralelo quase legalizado nas sinaleiras e pontos de ônibus. E quando falaríamos disso aqui, se não fosse por esse filme? Só por levantar a discussão,
Quebrando o Tabu já é mais do que bem vindo.
O filme está disponível para exibição online gratuita no
Terra Video Store até o dia 02 de outubro.
Quebrando Tabu (Quebrando o Tabu: 2011 / Brasil, Argentina, França, Holanda, Portugal, Suíça, Estados Unidos)
Direção: Fernando Grostein Andrade
Roteiro: Fernando Grostein Andrade, Thomaz Souto Correa, Carolina Kotscho, Ricardo Setti e Ilona
Com: Fernando Henrique Cardoso, Jimmy Carter, Bill Clinton, Paulo Coelho.
Duração: 100 min