A Hora do Espanto
Charley Brewster: Você anda lendo muito "Crepúsculo".
Ed Thompson: Aquilo é ficção, isso é real. Ele é um monstro de verdade. Não gentil, apaixonado ou nobre.
Este diálogo da refilmagem de A Hora do Espanto demonstra bem porque o filme de Tom Holland ganhou nova roupagem. Uma espécie de lembrança do que seriam os vampiros que não podem sair ao sol, temem água benta, cruz e estaca. E claro, não têm o menor pudor em se alimentar de sangue humano. A desconstrução dos vampiros na saga Crepúsculo é alvo de polêmica dos fãs dos sanguessugas, tanto que o próprio Ed diz ainda no diálogo citado que está furioso por Charley achar que ele lê a série. Nos anos oitenta, havia o medo dos vampiros serem esquecidos pela nova moda de Slasher Movies, ou seja, aqueles filmes de terror com monstros mascarados. Tanto que o caçador Peter Vincent, vivido por Roddy McDowall, chega a dizer que não há mais espaço para os vampiros. Essas mudanças de época são interessantes de analisar, por isso, no dia em que se comemora o Halloween, resolvi fazer uma comparação entre o filme de 1985 e 2011, em vez de uma crítica deste segundo.
Ao seu modo, em sua época, ambos funcionam muito bem. O filme de Tom Holland possui um tom oitocentista que brinca com a linguagem cinematográfica em si, construindo uma espécie de mito da época. É um filme divertido, funcional, que nos envolve em seu tom quase trash. Enquanto que o filme de Craig Gillespie tenta atualizar a linguagem para época atual, sem perder essa essência de terror B, onde o medo é o que menos conta. Há um ar quase jocoso nos recursos e na figura do grande vilão, o vampiro Jerry Dandrige, vivido por Colin Farrell que parece estar brincando em cena. De fato, são dois filmes que possuem o seu valor próprio, sendo quase um alívio para as atuais "homenagens" a clássicos dos anos 80.
O começo já marca uma diferença fundamental de época e público. O filme dos anos oitenta começa com o conforto do lar de Charley, A Hora do Espanto passa na televisão, e ele tenta avançar nas carícias em sua namorada Amy, vivida por Amanda Bearse. A chegada do caixão à casa vizinha desvia seu olhar e o personagem de William Ragsdale se torna um obcecado desde o princípio, sendo desacreditado por amigos e familiares. Já em 2011, a história muda sensivelmente. O público atual parece querer ser arrebatado por inícios impactantes e não consegue se identificar por um protagonista tão crente e desacreditado. É preciso uma trajetória mais complexa.
O filme começa com uma cena de perseguição, não sabemos exatamente quem é o protagonista da cena, mas um garoto se esconde debaixo de uma cama onde uma carnificina parece ter acontecido. Há tensão, há medo, há urgência. Só depois vamos encontrar Anton Yelchin, o novo intérprete de Charley. E agora ele não é um simples garoto querendo se dar bem com a namorada, mas que fica paranóico com um vizinho vampiro. Ele é um ex-nerd em busca de aceitação, andando com os garotos populares da escola e desprezando seu antigo melhor amigo Ed, esse sim, o investigador dos casos. A mudança traz dinâmica para a construção do personagem e da trama que não é mais tão linear, e sim, cheia de nuanças. Principalmente pela personalidade mais firme da namorada Amy e da mãe, bem mais resolvida que a tola de 85.
Outra mudança significativa é a idade e estilo do caçador de vampiros Peter Vincent. Roddy McDowall era aquele senhor experiente, em uma fase da vida onde já viveu de tudo e passa por uma rejeição. Sente-se ultrapassado, apesar de não admitir tal situação. Quer provar que ainda é capaz de pertencer ao show business, mas prova não ser mais do que um covarde. Mas, em tempos onde até o velho Sherlock Holmes se tornou Robert Downey Jr., parece que não existe mais a paciência por um herói assim. Não falo nem no filme em si, mas no show de televisão da trama: A Hora do Espanto. Assim, surge um David Tennant que é uma mistura de rock star com ser gótico, arrogante ao extremo e com um detalhe quase lamentável em seu passado. Uma espécie de apelação aos novos valores da cultura pop que tiram um pouco do charme dos velhos caçadores de vampiros com estaca na mão.
Por fim, temos o vampiro. E é interessante perceber que tanto Colin Farrell em 2011, quanto Chris Sarandon em 1985 constróem um Jerry Dandrige sem nenhum escrúpulo, sedutor e cretino ao extremo, onde a única coisa que importa é mesmo sugar o sangue de suas vítimas. Enigmáticos, traiçoeiros, verdadeiros predadores eles escolhem suas vítimas e observam Charley com grande competência. Há, claro, algumas mudanças sutis, como por exemplo, a presença de um carniçal na mansão de Chris Sarandon, enquanto Colin Farrell parece ser mais auto-suficiente. Só não explicam bem como ele consegue comprar uma casa e manter sua segurança sem sair durante o dia. Mas, em tempos de internet, tudo é possível.
O vampiro de Chris Sarandon parece também ter um ponto fraco, um retrato antigo de uma garota especial que se parece muito com Amy, uma espécie de referência talvez a Drácula e Mina. Tanto que o encontro dos dois na boate é repleto de jogo de sedução, com uma dança sensual, quase um flerte romântico. Já o vampiro de Colin Farrell pouco se importa com Amy ou qualquer outra mulher. Não há um retrato especial e, na boate, ele a coloca nas costas quase como um homem das cavernas. Talvez aqui haja uma necessidade maior de diferenciar do vampiro romântico de Crepúsculo. Necessidade essa que não havia em 1985, já que Drácula era mesmo um sanguessuga a ser temido e, nem por isso, incapaz de amar. Mas, claro que isso é apenas uma suposição.
Com adaptações e atualizações, no entanto, A Hora do Espanto de 1985 e 2011 possuem a mesma essência ao contar a história de um garoto ameaçado pela presença de um vampiro como seu vizinho e que terá que contar com a ajuda de uma estrela da televisão para salvá-lo do sanguinário sanguessuga. Há, em 2011, mais nuanças de suspense, efeitos especiais mais elaborados e um tom mais sombrio. Ainda assim são dois filmes de terror que flertam bastante com o humor negro. E ainda trazem a questão básica da fé, como única forma de vencer o mal. Não deixa de ser divertido acompanhar essas duas versões para a mesma história.
A Hora do Espanto (Fright Night: 1985 / EUA)
Direção: Tom Holland
Roteiro: Tom Holland
Com: Chris Sarandon, William Ragsdale, Amanda Bearse, Roddy McDowall.
Duração: 102 min.
A Hora do Espanto (Fright Night: 2011 / Estados Unidos)
Direção: Craig Gillespie
Roteiro: Marti Noxon
Com: Colin Farrell, Anton Yelchin, Toni Collette, Christopher Mintz-Plasse.
Duração: 120 min.
Ed Thompson: Aquilo é ficção, isso é real. Ele é um monstro de verdade. Não gentil, apaixonado ou nobre.
Este diálogo da refilmagem de A Hora do Espanto demonstra bem porque o filme de Tom Holland ganhou nova roupagem. Uma espécie de lembrança do que seriam os vampiros que não podem sair ao sol, temem água benta, cruz e estaca. E claro, não têm o menor pudor em se alimentar de sangue humano. A desconstrução dos vampiros na saga Crepúsculo é alvo de polêmica dos fãs dos sanguessugas, tanto que o próprio Ed diz ainda no diálogo citado que está furioso por Charley achar que ele lê a série. Nos anos oitenta, havia o medo dos vampiros serem esquecidos pela nova moda de Slasher Movies, ou seja, aqueles filmes de terror com monstros mascarados. Tanto que o caçador Peter Vincent, vivido por Roddy McDowall, chega a dizer que não há mais espaço para os vampiros. Essas mudanças de época são interessantes de analisar, por isso, no dia em que se comemora o Halloween, resolvi fazer uma comparação entre o filme de 1985 e 2011, em vez de uma crítica deste segundo.
Ao seu modo, em sua época, ambos funcionam muito bem. O filme de Tom Holland possui um tom oitocentista que brinca com a linguagem cinematográfica em si, construindo uma espécie de mito da época. É um filme divertido, funcional, que nos envolve em seu tom quase trash. Enquanto que o filme de Craig Gillespie tenta atualizar a linguagem para época atual, sem perder essa essência de terror B, onde o medo é o que menos conta. Há um ar quase jocoso nos recursos e na figura do grande vilão, o vampiro Jerry Dandrige, vivido por Colin Farrell que parece estar brincando em cena. De fato, são dois filmes que possuem o seu valor próprio, sendo quase um alívio para as atuais "homenagens" a clássicos dos anos 80.
O começo já marca uma diferença fundamental de época e público. O filme dos anos oitenta começa com o conforto do lar de Charley, A Hora do Espanto passa na televisão, e ele tenta avançar nas carícias em sua namorada Amy, vivida por Amanda Bearse. A chegada do caixão à casa vizinha desvia seu olhar e o personagem de William Ragsdale se torna um obcecado desde o princípio, sendo desacreditado por amigos e familiares. Já em 2011, a história muda sensivelmente. O público atual parece querer ser arrebatado por inícios impactantes e não consegue se identificar por um protagonista tão crente e desacreditado. É preciso uma trajetória mais complexa.
O filme começa com uma cena de perseguição, não sabemos exatamente quem é o protagonista da cena, mas um garoto se esconde debaixo de uma cama onde uma carnificina parece ter acontecido. Há tensão, há medo, há urgência. Só depois vamos encontrar Anton Yelchin, o novo intérprete de Charley. E agora ele não é um simples garoto querendo se dar bem com a namorada, mas que fica paranóico com um vizinho vampiro. Ele é um ex-nerd em busca de aceitação, andando com os garotos populares da escola e desprezando seu antigo melhor amigo Ed, esse sim, o investigador dos casos. A mudança traz dinâmica para a construção do personagem e da trama que não é mais tão linear, e sim, cheia de nuanças. Principalmente pela personalidade mais firme da namorada Amy e da mãe, bem mais resolvida que a tola de 85.
Outra mudança significativa é a idade e estilo do caçador de vampiros Peter Vincent. Roddy McDowall era aquele senhor experiente, em uma fase da vida onde já viveu de tudo e passa por uma rejeição. Sente-se ultrapassado, apesar de não admitir tal situação. Quer provar que ainda é capaz de pertencer ao show business, mas prova não ser mais do que um covarde. Mas, em tempos onde até o velho Sherlock Holmes se tornou Robert Downey Jr., parece que não existe mais a paciência por um herói assim. Não falo nem no filme em si, mas no show de televisão da trama: A Hora do Espanto. Assim, surge um David Tennant que é uma mistura de rock star com ser gótico, arrogante ao extremo e com um detalhe quase lamentável em seu passado. Uma espécie de apelação aos novos valores da cultura pop que tiram um pouco do charme dos velhos caçadores de vampiros com estaca na mão.
Por fim, temos o vampiro. E é interessante perceber que tanto Colin Farrell em 2011, quanto Chris Sarandon em 1985 constróem um Jerry Dandrige sem nenhum escrúpulo, sedutor e cretino ao extremo, onde a única coisa que importa é mesmo sugar o sangue de suas vítimas. Enigmáticos, traiçoeiros, verdadeiros predadores eles escolhem suas vítimas e observam Charley com grande competência. Há, claro, algumas mudanças sutis, como por exemplo, a presença de um carniçal na mansão de Chris Sarandon, enquanto Colin Farrell parece ser mais auto-suficiente. Só não explicam bem como ele consegue comprar uma casa e manter sua segurança sem sair durante o dia. Mas, em tempos de internet, tudo é possível.
O vampiro de Chris Sarandon parece também ter um ponto fraco, um retrato antigo de uma garota especial que se parece muito com Amy, uma espécie de referência talvez a Drácula e Mina. Tanto que o encontro dos dois na boate é repleto de jogo de sedução, com uma dança sensual, quase um flerte romântico. Já o vampiro de Colin Farrell pouco se importa com Amy ou qualquer outra mulher. Não há um retrato especial e, na boate, ele a coloca nas costas quase como um homem das cavernas. Talvez aqui haja uma necessidade maior de diferenciar do vampiro romântico de Crepúsculo. Necessidade essa que não havia em 1985, já que Drácula era mesmo um sanguessuga a ser temido e, nem por isso, incapaz de amar. Mas, claro que isso é apenas uma suposição.
Com adaptações e atualizações, no entanto, A Hora do Espanto de 1985 e 2011 possuem a mesma essência ao contar a história de um garoto ameaçado pela presença de um vampiro como seu vizinho e que terá que contar com a ajuda de uma estrela da televisão para salvá-lo do sanguinário sanguessuga. Há, em 2011, mais nuanças de suspense, efeitos especiais mais elaborados e um tom mais sombrio. Ainda assim são dois filmes de terror que flertam bastante com o humor negro. E ainda trazem a questão básica da fé, como única forma de vencer o mal. Não deixa de ser divertido acompanhar essas duas versões para a mesma história.
A Hora do Espanto (Fright Night: 1985 / EUA)
Direção: Tom Holland
Roteiro: Tom Holland
Com: Chris Sarandon, William Ragsdale, Amanda Bearse, Roddy McDowall.
Duração: 102 min.
A Hora do Espanto (Fright Night: 2011 / Estados Unidos)
Direção: Craig Gillespie
Roteiro: Marti Noxon
Com: Colin Farrell, Anton Yelchin, Toni Collette, Christopher Mintz-Plasse.
Duração: 120 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Hora do Espanto
2011-10-31T09:25:00-02:00
Amanda Aouad
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