
O
cinema nasceu mudo e preto & branco. A tecnologia avançou, veio o som, vieram as cores, chegaram as novas dimensões, equipamentos e até a velha película corre risco de se tornar obsoleta. Mas, não é que, em pleno século XXI, o diretor francês
Michel Hazanavicius volta as suas origens e encanta o mundo inteiro com
O Artista? Prova de que vale mesmo é uma boa história bem contada.
A trama gira em torno de George Valentin, vivido por
Jean Dujardin, e Peppy Miller, interpretada por
Bérénice Bejo, em duas jornadas opostas entre os anos de 1927 e 1932 quando o cinema começa a ser falado. Ele era um astro do
cinema mudo que não se conforma com a nova técnica, ela, uma aspirante a atriz que aproveita a oportunidade da novidade para ascender. O destino dos dois se cruza em vários momentos e com isso vamos acompanhando as mudanças no meio
cinematográfico, tudo isso sem uma única palavra. Toda a narrativa se vale apenas de gestos, expressões corporais e claro, algumas cartelas de texto.

O
filme já começa bem, com os créditos no mesmo estilo antigo e logo depois nos ambientando em uma sala de
cinema. O
filme na tela, a orquestra embaixo, a platéia rindo, o elenco e produção no
backstage, observando o espetáculo. Já nesse momento,
Michel Hazanavicius nos dá uma idéia de sua visão de enquadramento com ótimos planos do protagonista observando a tela.
O Artista está repleto de enquadramentos e planos metafóricos que nos encantam pelos detalhes. São situações que se complementam e acrescentam, como ela no camarim pegando o paletó ou a cena do restaurante onde os dois estão um de costas para o outro em um plano conjunto que demonstra bem os dois lados da situação. Ou ainda ele na vitrine olhando o
smoking que pelo reflexo parece vestido nele. Sem falar na cena em que a sombra da chuva parece uma lágrima em seus olhos.

Mas, a melhor metáfora é mesmo quando ele olha para a parede e se pergunta: "O que você se tornou?" E a sua sombra responde.
George Valentin é uma sombra de uma época, assim como diversos outros astros do
cinema mudo que simplesmente caíram no esquecimento,
Douglas Fairbanks,
Buster Keaton,
John Gilbert. Situação muito bem retratada em
Crepúsculo dos Deuses, quando Norma Desmond diz que os
filmes foi que ficaram pequenos na tentativa de encobrir o cruel processo de renovação. Sua recusa a aderir ao cinema falado lembra um pouco
Charles Chaplin que também não se adaptou a novidade, mas
Chaplin era um gênio e sua obra ficou imortal, ao contrário de
George Valentin que era apenas mais um astro. A cena final do seu último
filme é mais uma ótima metáfora, demonstrando o quão bem construído é o roteiro de
O Artista.

Não há como não lembrar também de
Cantando na Chuva, filme que retrata a mesma transformação de Hollywood com a chegada do som. Este porém, é uma ode a essa mudança, até por ser um musical e os protagonistas se aproveitarem bem do momento.
O Artista nos deixa mais nostálgicos, apesar da certeza de que tudo se transforma e o novo sempre vem. Até por sua linguagem muda, tão bem explorada. Mesmo no momento em que o
filme se utiliza do som ambiente, é de uma forma magistralmente bem arquitetada e condizente com toda a trama. E mesmo as dicas de dança para os futuros musicais são realizadas com a delicadeza que o
filme mudo precisa, como quando ele repete os passos dela através de um painel no estúdio quando ele ainda era um astro e ela uma aspirante.
As passagens de tempo também são bem realizadas, sem precisar de muitas palavras, desde ela crescendo em seus papéis, começando como
figurante assistindo na platéia até quando começa a ter espaço, para finalmente se tornar uma
estrela. Até as comparações com ele sentado na mesa de jantar com a esposa, lembrando a famosa passagem de
Cidadão Kane. Isso sem falar do momento em que ele está produzindo, dirigindo e atuando em seu próprio
filme quando fusões de claquetes, câmeras e cenas se sucedem em uma ótima construção imagética.

Nesse ponto, não posso deixar de elogiar o elenco, a começar por
Jean Dujardin, grande destaque que consegue dar força, emoção e vida ao protagonista com tanto frescor que cria empatia com a platéia no primeiro instante. Ele é o símbolo da nossa nostalgia pelo
cinema em sua forma mais pura. Mesmo que nunca tenhamos vivido essa época. Já
Bérénice Bejo nos encanta pela graça e vontade de Peppy Miller que sabe exatamente o que quer e se aproveita de todas as oportunidades que a vida lhe dá, apesar mesmo da quase perda de uma carteira. É difícil para atores atuais conseguir se expressar apenas por gestos, e eles são extremamente competentes nisso. Assim como todo o resto do elenco com destaque ainda para
James Cromwell como o fiel motorista Clifton. Isso sem falar, claro, na sensação do filme, o cachorrinho
Uggie, um cão da raça Jack Russell Terrier que acompanha
George Valentin em todos os momentos e tem expressões incríveis.
O Artista é um
filme encantador. Com uma técnica impressionante e uma precisão incrível, sua história nos envolve. Ainda mais a todos que amam de fato o
cinema em sua expressão maior. Mas, claro que em um mundo colorido, em 3D, digital e cheio de efeitos especiais, terão muitos que poderão estranhar a "novidade". Mas, mesmo em uma época de ritmos frenéticos,
O Artista não se torna em nenhum momento uma obra chata. É dinâmica, forte, envolvente e emocionante. Só é preciso dar uma chance para
George Valentin nos provar que não é o som o fundamental para uma boa história.
O Artista (The Artist: 2012 / França)
Direção: Michel Hazanavicius
Roteiro: Michel Hazanavicius
Com: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, Penelope Ann Miller, James Cromwell, John Goodman.
Duração: 100 min.