Shame
Provocante, polêmico, Shame. Essas são as palavras que vendem o novo filme de Steve McQueen que tem causado furor no meio cinematográfico. Mas, talvez a maior provocação de Shame, seja nos mostrar uma rotina sexual doentia e explícita, sem sensualidade, sem vida, quase na corrente oposta do que espera-se do sexo. É mesmo a vergonha (tradução do título) da válvula de escape do protagonista.
Michael Fassbender, mais conhecido do grande público como o jovem Magneto, e em cartaz atualmente também como o Dr. Jung, interpreta o protagonista perturbado. Brandon Sullivan é um executivo bem sucedido, mas que é viciado em sexo. Sua rotina é dividida entre sexos casuais, masturbações sozinhas no banheiro ou na frente de um computador, além da dificuldade de relacionamentos diversos, vide a insistência em ignorar as tentativas de telefonema de sua irmã. Mas, aparentemente, Brandon não parece se preocupar com nada disso. Sua fisionomia é sempre centrada, tranquila, no máximo um homem tímido. Tudo muda quando sua irmã Sissy resolve se mudar para sua casa criando um desconforto em sua vida.
O filme começa muito bem, apresentando esse personagem e sua rotina estranha. O sexo é construído de uma maneira casual, naturalista, como o nu frontal sem pudores, mas também sem sensualidades provocantes. Um corpo, sem rosto a maioria das vezes, construído em uma rotina circular que passa pelo telefone com uma gravação insistente de uma moça que não é atendida. Brandon segue sempre alheio a tudo e a todos, como um ermitão moderno, isolado em sua fuga excessiva. Porque o sexo em que é viciado não é nada mais do que isso: fuga, isolamento, escape para sua dificuldade de relacionamentos.
E ao mesmo tempo em que se isola, Brandon parece ser sempre um ímã para atenções diversas. Quase sem querer ele consegue mulheres em boates, a sensação é sempre de que não precisa fazer muito esforço. Consegue seduzir e chamar a atenção para um jogo entre sexos mesmo em uma simples viagem de metrô. E se torna alvo de atenções de colegas de trabalho. Além de charmoso e tímido, Brandon se destaca por ser um bom observador, parece conhecer os desejos das mulheres e as conduz de uma maneira tranquila. Mas, tudo com a única finalidade de escape, de sexo casual mesmo. Relacionamentos, não, ele não consegue ser tão profundo.
Com um personagem tão instigante, Steve McQueen é feliz ao construir seu filme colado em seu protagonista. A câmera não desgruda de Brandon em nenhum momento, nem mesmo quando o foco está em sua irmã Sissy cantando New York, New York. Ele é nossos olhos, nosso recorte daquela realidade. Essa escolha nos dá momentos ímpares no filme como quando ele roda, desesperado, na sala, enquanto sua irmã faz sexo com seu chefe no quarto. Temos a noção exata do quanto aquela situação é desesperadora para Brandon, e o quão frágil ele se torna ao ver sua doença na forma de sua irmã. Sissy, muito bem interpretada por Carey Mulligan, não tem sua personalidade tão bem desenvolvida, mas também é uma pessoa carente, doente, que não consegue se manter em uma relação estável. E ela se torna uma espécie de espelho doente para o próprio irmão, que se desespera a cada segundo de convivência.
Outro ponto extremamente positivo na condução de imagens de Steve McQueen e da direção de arte de Charles Kulsziski são os detalhes construídos como pistas e complementos de cada cena em diversos objetos visuais. Temos a dica da música que Sissy vai cantar ainda na cena anterior, quando Brandon tenta arrumar a bagunça na sala. Ao fundo, na estante, vemos o livro New York, New York na prateleira. Na cena do metrô, a moça seduzida por Brandon tem um cartaz à sua direita escrito: "Como isso é possível?" Assim como na outra cena, ainda no metrô, Brandon está ao lado de um cartaz escrito: "Melhore, não pare!". Isso sem falar na cena do muro em que ele faz sexo com uma moça e que está pichado a palavra "Fuck". São detalhes que enriquecem a construção da mensagem e dão um prazer especial ao espectador. Há de ser tão observador quanto Brandon.
Com um roteiro pontual e um ritmo lento, Shame nos conduz em uma rotina de pequenos detalhes que constroem um cenário forte, impregnado por essa doentia relação de seu protagonista com o mundo. Um sexo que não é sujo, não se torna pecado, não é nem mesmo condenado (com exceção dos excessos no computador), mas é quase frívolo. Por que Brandon só não consegue se relacionar bem com o sexo quando sua verdadeira função está em jogo: o prazer puro e simples com uma mulher que realmente deseja. Para ele, só funciona quando é uma fricção pura e simples de descarga energética. E por isso se torna tão frustrante, não conseguindo saciar o personagem que busca cada vez mais aquela rotina.
Por essa visão honesta e forte de um personagem sem máscaras, Shame se torna um filme marcante. Algo que chama a atenção em um cenário cada vez mais polido e sem emoções autênticas. Um filme que tem mesmo grandes chances de se tornar eterno.
Shame (Shame, 2011 / EUA)
Direção: Steve McQueen
Roteiro: Abi Morgan e Steve McQueen
Com: Michael Fassbender, Carey Mulligan e James Badge Dale
Duração: 101 min.
Michael Fassbender, mais conhecido do grande público como o jovem Magneto, e em cartaz atualmente também como o Dr. Jung, interpreta o protagonista perturbado. Brandon Sullivan é um executivo bem sucedido, mas que é viciado em sexo. Sua rotina é dividida entre sexos casuais, masturbações sozinhas no banheiro ou na frente de um computador, além da dificuldade de relacionamentos diversos, vide a insistência em ignorar as tentativas de telefonema de sua irmã. Mas, aparentemente, Brandon não parece se preocupar com nada disso. Sua fisionomia é sempre centrada, tranquila, no máximo um homem tímido. Tudo muda quando sua irmã Sissy resolve se mudar para sua casa criando um desconforto em sua vida.
O filme começa muito bem, apresentando esse personagem e sua rotina estranha. O sexo é construído de uma maneira casual, naturalista, como o nu frontal sem pudores, mas também sem sensualidades provocantes. Um corpo, sem rosto a maioria das vezes, construído em uma rotina circular que passa pelo telefone com uma gravação insistente de uma moça que não é atendida. Brandon segue sempre alheio a tudo e a todos, como um ermitão moderno, isolado em sua fuga excessiva. Porque o sexo em que é viciado não é nada mais do que isso: fuga, isolamento, escape para sua dificuldade de relacionamentos.
E ao mesmo tempo em que se isola, Brandon parece ser sempre um ímã para atenções diversas. Quase sem querer ele consegue mulheres em boates, a sensação é sempre de que não precisa fazer muito esforço. Consegue seduzir e chamar a atenção para um jogo entre sexos mesmo em uma simples viagem de metrô. E se torna alvo de atenções de colegas de trabalho. Além de charmoso e tímido, Brandon se destaca por ser um bom observador, parece conhecer os desejos das mulheres e as conduz de uma maneira tranquila. Mas, tudo com a única finalidade de escape, de sexo casual mesmo. Relacionamentos, não, ele não consegue ser tão profundo.
Com um personagem tão instigante, Steve McQueen é feliz ao construir seu filme colado em seu protagonista. A câmera não desgruda de Brandon em nenhum momento, nem mesmo quando o foco está em sua irmã Sissy cantando New York, New York. Ele é nossos olhos, nosso recorte daquela realidade. Essa escolha nos dá momentos ímpares no filme como quando ele roda, desesperado, na sala, enquanto sua irmã faz sexo com seu chefe no quarto. Temos a noção exata do quanto aquela situação é desesperadora para Brandon, e o quão frágil ele se torna ao ver sua doença na forma de sua irmã. Sissy, muito bem interpretada por Carey Mulligan, não tem sua personalidade tão bem desenvolvida, mas também é uma pessoa carente, doente, que não consegue se manter em uma relação estável. E ela se torna uma espécie de espelho doente para o próprio irmão, que se desespera a cada segundo de convivência.
Outro ponto extremamente positivo na condução de imagens de Steve McQueen e da direção de arte de Charles Kulsziski são os detalhes construídos como pistas e complementos de cada cena em diversos objetos visuais. Temos a dica da música que Sissy vai cantar ainda na cena anterior, quando Brandon tenta arrumar a bagunça na sala. Ao fundo, na estante, vemos o livro New York, New York na prateleira. Na cena do metrô, a moça seduzida por Brandon tem um cartaz à sua direita escrito: "Como isso é possível?" Assim como na outra cena, ainda no metrô, Brandon está ao lado de um cartaz escrito: "Melhore, não pare!". Isso sem falar na cena do muro em que ele faz sexo com uma moça e que está pichado a palavra "Fuck". São detalhes que enriquecem a construção da mensagem e dão um prazer especial ao espectador. Há de ser tão observador quanto Brandon.
Com um roteiro pontual e um ritmo lento, Shame nos conduz em uma rotina de pequenos detalhes que constroem um cenário forte, impregnado por essa doentia relação de seu protagonista com o mundo. Um sexo que não é sujo, não se torna pecado, não é nem mesmo condenado (com exceção dos excessos no computador), mas é quase frívolo. Por que Brandon só não consegue se relacionar bem com o sexo quando sua verdadeira função está em jogo: o prazer puro e simples com uma mulher que realmente deseja. Para ele, só funciona quando é uma fricção pura e simples de descarga energética. E por isso se torna tão frustrante, não conseguindo saciar o personagem que busca cada vez mais aquela rotina.
Por essa visão honesta e forte de um personagem sem máscaras, Shame se torna um filme marcante. Algo que chama a atenção em um cenário cada vez mais polido e sem emoções autênticas. Um filme que tem mesmo grandes chances de se tornar eterno.
Shame (Shame, 2011 / EUA)
Direção: Steve McQueen
Roteiro: Abi Morgan e Steve McQueen
Com: Michael Fassbender, Carey Mulligan e James Badge Dale
Duração: 101 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Shame
2012-04-03T08:15:00-03:00
Amanda Aouad
Carey Mulligan|critica|drama|Michael Fassbender|Steve McQueen|
Assinar:
Postar comentários (Atom)
cadastre-se
Inscreva seu email aqui e acompanhe
os filmes do cinema com a gente:
os filmes do cinema com a gente:
No Cinema podcast
anteriores deste site
mais populares do site
-
A cena que vamos detalhar, do filme Tubarão (1975), é um dos momentos mais emblemáticos do filme dirigido por Steven Spielberg. Nessa se...
-
A Princesa Prometida , dirigido por Rob Reiner e lançado em 1987 , é um conto de fadas moderno que encanta o público com sua mistura perfei...
-
Oldboy , dirigido por Park Chan-wook , é um filme sul-coreano que se destaca como um dos grandes tesouros do cinema contemporâneo. Com uma ...
-
Ridley Scott , o visionário por trás de clássicos como Alien e Blade Runner , nos trouxe A Lenda (1985), uma fantasia que se destaca pela ...
-
Cinema Sherlock Homes O filme de destaque atualmente é esta releitura do clássico do mistério pelas mãos de Guy Ritchie. O ex de Madonna p...
-
Eletrizante é a melhor palavra para definir esse filme de Tony Scott . Que o diretor sabe fazer filmes de ação não é novidade, mas uma tra...
-
Venom: Tempo de Carnificina é um daqueles filmes que só faz sentido quando encarado como uma peça de entretenimento ultrajante e autossufi...
-
O Soterópolis programa cultural da TVE Bahia, fez uma matéria muito interessante sobre blogs baianos. Esta que vos fala deu uma pequena con...
-
Clint Eastwood me conquistou aos poucos. Ele sabe como construir um filme que emociona e, agora, parece ter escolhido Matt Damon como seu ...