
Ginger e Fred foi seu penúltimo filme produzido, não é uma obra-prima, mas tem seus momentos. Inteligente e com boas sacadas nos mostra a saga de dois antigos parceiros que se reúnem trinta anos depois para uma exibição na televisão. Pippo Botticella e Amelia Bonetti, interpretados por Marcello Mastroianni e Giulietta Masina, eram dois bailarinos que passaram a juventude imitando Ginger Rogers e Fred Astaire, ícones do cinema musical de Hollywood. Bem mais velhos, cansados e sem se ver há anos, o reencontro mexe com as emoções de ambos, mas se transforma em uma missão quase ingrata pela companhia não muito agradável de criaturas estranhas que compartilharão com ele o mesmo programa.
Fellini é ferino em sua construção do mundo dos horrores que se tornou a década de 80. A começar pelos cenários que envolvem a cidade, com propagandas grotescas, exageradas, em tons berrantes e exagerando na exposição e visão capitalista. Desde uma ação na estação de trem onde Amélia / Ginger chega, passando por outdoors até os breaks da própria televisão. E o veículo é mesmo o maior alvo de sua crítica. Uma frase irônica perto do final define o programa que mata "a sede cultural do país".

O humor ácido de Fellini não perde oportunidade para piadas. A começar pelos funcionários do hotel que só querem assistir ao jogo de futebol na televisão e não dão atenção aos hóspedes. Quando um de má vontade, leva as malas de Amélia para o quarto, reclama dos jogadores dizendo que hoje em dia eles não são mais profissionais, só pensam na fama. Enquanto que ele próprio só está pensando no futebol e na gorjeta, não se preocupando com o seu próprio trabalho.

Mas, nada impede que Marcello Mastroianni brilhe, demonstrando todo o seu talento. Ele está à vontade no papel de Pippo e da sombra decadente de Fred Astaire. Sua expressão, seus movimentos corporais, até os passos de sapateado que arrisca, imitando o mestre da dança. Envelhecido para a época, inclusive com uma peruca, o ator nos passa muito do seu personagem. Ao contrário de Giulietta Masina que nos dá a impressão apenas de uma senhorinha simpática, há pouca expressões e até mesmo passos de dança. Tanto que Fellini usa muito recurso do plano fechado para não entregar sua dificuldade.
Ginger e Fred é um misto do medo do futuro e uma saudade do passado. Um desabafo de um diretor que amava a película, o circo, sua arte e que estava no ocaso da vida. É belo, exótico e emocionante em vários aspectos. Ainda que não seja genial, como sempre esperamos que o mestre o seja.
Ginger e Fred (Ginger & Fred, 1986 / Itália)
Direção: Federico Fellini
Roteiro: Federico Fellini e Tonino Guerra
Com: Marcello Mastroianni, Giulietta Masina e Franco Fabrizi
Duração: 125 min.