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Festa de Família

Festa de FamíliaÉ até um contra-senso falar de Festa de Família como um filme de Thomas Vinterberg, já que pelo manifesto assinado por ele e Lars Von Trier, os filmes do documento Dogma 95 não deveriam ter a direção assinada. Mas, muita coisa do movimento era um contra-senso, até por isso ele não teve vida longa. Porém, neste que é o primeiro do manifesto, Thomas Vinterberg conseguiu seguir a risca escolhas como a de só utilizar luz natural, som apenas inter-diegéticos, câmera na mão, sem filtros e com uma narrativa linear sem elipses.

Festa de Família é um filme todo centrado em uma mansão onde está se comemorando os sessenta anos do patriarca. Além dele e esposa, seus três filhos Christian, Michael e Helene recepcionam os parentes de diversos graus que irão se reunir em um fim de semana festivo. Pelo menos essa é intenção inicial. Mas, já na apresentação dos personagens vemos a indicação de que nada será tão simples.

Festa de FamíliaO roteiro de Thomas Vinterberg e Mogens Rukov é hábil em focar as atenções no filho mais novo, Michael. Aparentemente, ele é o problemático da família. Já chega brigando com a esposa, coloca ela e as filhas pra fora do carro, não tem seu nome na lista dos convidados, tem que implorar por um quarto na mansão. Enquanto isso, o filho mais velho, Christian parece bastante centrado. É bem recebido por todos, têm demonstrações de carinho diversos. Tudo parece extremamente tranquilo.

Ainda na apresentação, vem outra informação importante: a quarta irmã Linda que morreu naquela mansão. Helene fica no mesmo quarto em que ocorreu a tragédia e tem uma sequência longa demonstrando sua tensão de estar ali, de que aquele fato ainda é nefasto na vida da família e dá uma indicação de assombração até. É quando ela encontra um bilhete, nos dando outra pista de que há mais coisas por debaixo daquela família do que aparenta.

Festa de FamíliaA cena do bilhete é o primeiro ponto de virada do filme, apesar de efetivamente ainda não mudar nada. É uma pista essencial, no entanto, para que o espectador fique do lado de Christian nos acontecimentos que se seguem. Não por acaso Thomas Vinterberg faz tanta questão de marcar a cena com uma montagem que envolve os três irmãos. Ao mesmo tempo em que vemos Helene lendo a carta, temos a garçonete no quarto de Christian tomando banho e a queda de Michael no outro banheiro. É uma ligação quase sutil, mas que nos deixa atentos: vem coisa ruim por aí.

O clima festivo, no entanto, permanece. Toda a família se reúne na sala de jantar, semblantes felizes, amenos. Apenas Christian está sério. É a preparação para a verdadeira virada da história que acontece com o seu discurso sobre o passado e as atitudes do pai. Começa, então, a curva dramática de transformação de uma festa feliz para uma tragédia familiar. É incrível como os acontecimentos vão em uma cadência irônica que demonstra uma incredulidade com a própria instituição familiar.

Festa de FamíliaA construção de Christian é essencial para essas nuanças nas reações das pessoas. Ele que nos foi apresentado a princípio como um homem sério, digno de todas as confianças, vai sendo desmistificado por problemas em seu passado. Há uma incredulidade, uma injustiça, uma desqualificação ao que está acontecendo ali que vai envolvendo o espectador de uma maneira muito hábil. E a forma como é resolvido é ainda mais admirável, pois não há Deus Ex-Machina, ou seja, solução mirabolante. E sim, pista e recompensa que nos faz compreender porque ele deu tanto importância a um determinado fato antes.

Tudo se encaixa de uma maneira muito bem pensada. As revelações, as consequências, o desenrolar da trama, até as inserções no meio como o racismo em relação ao namorado de Helene, funcionam bem. E tudo seguindo à risca as regras do Dogma 95. Era um início promissor para o movimento. Mas, cinema não poderia mesmo ser feito apenas assim. E os próprios realizadores perceberam isso. Ainda assim, Festa de Família é um dos melhores representantes do cinema dinamarquês até hoje.


Festa de Família (Festen, 1998 / Dinamarca)
Direção: (não creditado)
Roteiro: Thomas Vinterberg e Mogens Rukov
Com: Ulrich Thomsen, Henning Moritzen e Thomas Bo Larsen
Duração: 105 min.

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