
Há um princípio que parece reger os
mocumentários (mockumentaries - falsos documentários), eles buscam parecer reais e economizam recursos de produção a partir de uma estética.
Poder Sem Limites foge à regra quando cria uma trama de
ficção científica pouco crível, mas verossímil, que utiliza câmeras caseiras como princípio, mas abusa nos efeitos especiais.
Você pode tentar refutar o parágrafo acima com o exemplo de
Cloverfield ou mesmo
Rec, mas há algo na premissa de
Poder sem Limites que vai além desses. A justificativa para ser tudo gravado com uma câmera na mão aqui é simples, Andrew comprou uma câmera e simplesmente resolveu gravar tudo que acontece em sua vida. É frágil, tão frágil que não funciona como um falso
documentário. Os próprios personagens questionam isso o tempo inteiro. "Pra que você está gravando?" ou "Por favor pare de nos gravar" são algumas das frases ouvidas por Andrew durante todo o
filme.

A grande questão é que não é isso que torna
Poder Sem Limites um filme especial. Apesar de uma câmera na mão trazer uma estética diferente e algumas dificuldades que precisam ser justificadas, ela não faz parte do roteiro. Poderia existir de qualquer outra forma. Não é uma equipe de televisão que vai fazer uma reportagem e fica presa em um prédio em
quarentena, nem uma festa de aniversário que será filmada e de repente vai acontecer algo estranho, nem três amigos que vão para floresta fazer um
documentário sobre uma bruxa, muito menos um homem preocupado que instala uma câmera para ver se há
fantasmas em sua casa.
Poder Sem Limites é um filme sobre três garotos que um dia entram em um buraco, descobrem uma esfera luminosa estranha e começam a desenvolver
poderes sobrenaturais. Mais do que isso é sobre um garoto que tem uma mãe doente, um pai bêbado e violento, é rejeitado na escola e que, de repente, se vê especial. Há algo na trajetória de Andrew que me lembrou muito
Akira, o famoso filme de
animação japonês. Ele é um sobrevivente que vê em seus
poderes uma forma de virar o jogo da vida.

E o roteiro é bastante feliz ao construir a escalada desse garoto problemático, tornando tudo mais verossímil. E apenas nesse ponto, o fato de ter uma câmera guiada por ele faz algum sentido, pois nos mostra sua obsessão por ser lembrado, analisado, registrado. O fato de ter
poderes também ajuda na estética do
filme que não fica necessariamente apenas nas mãos, podendo também voar em movimentos mais soltos. O uso do espelho (no carro, no quarto, no banheiro) também é outro recurso interessante que nos mostra bem a necessidade de Andrew de auto-afirmação.

A construção dos três garotos também é bastante instigante. Andrew é o complexado. Matt é o "normótico" que quase passa despercebido e Steve é o popular, candidato a líder estudantil, comunicativo. Mas, ao descer na estranha caverna e adquirir os
poderes, aparentemente os três se nivelam. São cúmplices de algo maior. Porém, logo as diferenças de personalidades começam a influenciar na forma como eles lidam com aquilo. Matt quer esconder, como um código secreto dos três. Andrew quer mostrar força. Enquanto que Steve quer expor de uma maneira mascarada como o show de mágica que organiza.
O que é certo é que, estranhamente,
Poder Sem Limites funciona de uma maneira bastante interessante, seja na estética escolhida, seja no roteiro justificado pelo trauma e necessidade de seu protagonista. Falo estranhamento porque, separados, estética e roteiro poderiam ser apenas mais do mesmo. Agora, juntos, ainda que um não justifique o outro, tornam-se uma experiência a mais. Um
filme que apesar de não ser dos melhores do ano, surpreende e se torna agradável na busca por inovar dentro de um subgênero que já demonstra desgaste.
Poder Sem Limites (Chronicle, 2012 / EUA)
Direção: Josh Trank
Roteiro: Max Landis
Com: Dane DeHaan, Michael B. Jordan, Michael Kelly
Duração: 83 min.