O Caçador de Pipas
"Há uma chance de ser bom de novo". Com essa frase, Amir é convidado a retornar ao seu país de origem, o Afeganistão. E é disso que fala o filme O Caçador de Pipas, de escolhas e novas chances de refazer o passado. Nesse ponto está sua maior força, ainda que tenha um cunho histórico importante.
Baseado no best seller de Khaled Hosseini, O Caçador de Pipas conta a trama de dois meninos no Afeganistão, Amir, filho de um homem de posses de raça superior e Hassan, um hazara (considerada uma casta inferior) empregado da família. Os dois sempre foram muito amigos, mas Amir não gostava da forma como seu pai tratava o menino, sentindo ciúmes e, de certa forma, inferiorizado. Tudo piora quando após um campeonato de pipas, Amir é incapaz de defender o amigo de outros rapazes da rua e a culpa acaba piorando a relação dos dois, fazendo querer vê-lo o mais longe possível. Com as mudanças políticas o Afeganistão, Amir e seu pai acabam fugindo para os Estados Unidos e apenas 20 anos depois, ele pode voltar ao país para desfazer a injustiça do passado.
O roteiro de David Benioff segue a mesma não linearidade do livro de Khaled Hosseini, começando com o plot da carta, retornando ao passado, até voltar ao ponto inicial. Isso é uma estratégia interessante porque nos deixa curiosos sobre o que aconteceu no passado que fez de Amir um homem mau e como ele pode corrigir isso. Enquanto isso, somos apresentados a Hassan e sua lealdade quase que canina. A forma como o garoto defendia o seu patrão e amigo era mesmo tocante. Mesmo tendo sua vida em risco ele não tinha a coragem de traí-lo, vide a escolha de não entregar a pipa azul.
A amizade é mesmo um sentimento forte e a construção do personagem Amir é instigante. Afinal, ele era amigo de Hassan, gostava do garoto, brincavam que era os sultões de Cabul. Mas, ele tinha um problema sério de aceitação com o pai. Se sentia inferior, achava que tinha matado sua mãe, que morreu no parto. E precisava desesperadamente de amor por parte deste. Mas, o pai só parecia admirar Hassan e isso o destruía. Por isso, acaba tendo atitudes tão condenáveis. Sua visão de mundo era egoísta, mas em uma tentativa de auto-preservação, vide a forma como pede ao pai que pare de defender a estranha no caminhão. Não é certo, mas também não é uma índole tão condenável, a maioria dos seres humanos são assim.
Outro ponto interessante de O Caçador de Pipas é conhecer um pouco mais de um país e uma cultura tão pouco familiares a nós. É fato que as mudanças com a chegada dos russos e depois a implantação do Talibã são melhor desenvolvidas no outro livro de Khaled Hosseini, A Cidade do Sol, mas aqui há uma construção curiosa do mundo aparentemente em paz, onde garotos só se preocupavam em empinar pipas. E o retorno, de Amir vinte anos depois, com o Talibã e sua ditadura demonstra a perda dessa inocência e pureza. As ruas não são mais seguras. Fica apenas uma dose da situação, já que quando tudo começou a mudar, o filme se muda junto com Amir e seu pai para os Estados Unidos.
A construção é muito mais do sentimento de exílio, da comunidade fora de seu país, mas mantendo as tradições, vide a forma como Amir corteja a filha do amigo de seu pai. E nesse período de exílio, o filme acaba perdendo um pouco o ritmo. O foco maior era mesmo a relação de Amir e Hassan. A quebra da cumplicidade da amizade, o destino do garoto, e claro, a instigante frase do início do filme que continua sem resposta. Já sabemos o que Amir fez, mas o que ele poderá fazer agora? Talvez se encurtasse um pouco essa parte, centrando mais na trama da amizade, traição e retorno seria mais interessante.
Até porque os melhores momentos do filme são no Afeganistão. As duas crianças que fazem Hassan e Amir pequenos são muito bons. A construção de imagens do país, a plasticidade do campeonato de pipas, tudo é muito bem feito e nos envolve. Assim como a tensão pós-Talibã, o discurso e apedrejamento no estádio, o embate de Amir com o adversário. A construção da liberdade em uma parte e da total falta dela na outra é bem significativa, não por acaso, o Talibã proibiu as pipas.
O Caçador de Pipas acaba sendo uma obra curiosa. Tem momentos de tensão, de emoção, de envolvimento, apesar de cansativo em alguns pontos, principalmente na parte dos Estados Unidos. Um filme sobre amizade, honra e possibilidades de corrigir erros. Afinal, é sempre tempo de repensar nossas atitudes.
O Caçador de Pipas (The Kite Runner, 2007 / EUA / China)
Direção: Marc Forster
Roteiro: David Benioff
Com: Khalid Abdalla, Ahmad Khan Mahmoodzada, Atossa Leoni
Duração: 128 min.
Baseado no best seller de Khaled Hosseini, O Caçador de Pipas conta a trama de dois meninos no Afeganistão, Amir, filho de um homem de posses de raça superior e Hassan, um hazara (considerada uma casta inferior) empregado da família. Os dois sempre foram muito amigos, mas Amir não gostava da forma como seu pai tratava o menino, sentindo ciúmes e, de certa forma, inferiorizado. Tudo piora quando após um campeonato de pipas, Amir é incapaz de defender o amigo de outros rapazes da rua e a culpa acaba piorando a relação dos dois, fazendo querer vê-lo o mais longe possível. Com as mudanças políticas o Afeganistão, Amir e seu pai acabam fugindo para os Estados Unidos e apenas 20 anos depois, ele pode voltar ao país para desfazer a injustiça do passado.
O roteiro de David Benioff segue a mesma não linearidade do livro de Khaled Hosseini, começando com o plot da carta, retornando ao passado, até voltar ao ponto inicial. Isso é uma estratégia interessante porque nos deixa curiosos sobre o que aconteceu no passado que fez de Amir um homem mau e como ele pode corrigir isso. Enquanto isso, somos apresentados a Hassan e sua lealdade quase que canina. A forma como o garoto defendia o seu patrão e amigo era mesmo tocante. Mesmo tendo sua vida em risco ele não tinha a coragem de traí-lo, vide a escolha de não entregar a pipa azul.
A amizade é mesmo um sentimento forte e a construção do personagem Amir é instigante. Afinal, ele era amigo de Hassan, gostava do garoto, brincavam que era os sultões de Cabul. Mas, ele tinha um problema sério de aceitação com o pai. Se sentia inferior, achava que tinha matado sua mãe, que morreu no parto. E precisava desesperadamente de amor por parte deste. Mas, o pai só parecia admirar Hassan e isso o destruía. Por isso, acaba tendo atitudes tão condenáveis. Sua visão de mundo era egoísta, mas em uma tentativa de auto-preservação, vide a forma como pede ao pai que pare de defender a estranha no caminhão. Não é certo, mas também não é uma índole tão condenável, a maioria dos seres humanos são assim.
Outro ponto interessante de O Caçador de Pipas é conhecer um pouco mais de um país e uma cultura tão pouco familiares a nós. É fato que as mudanças com a chegada dos russos e depois a implantação do Talibã são melhor desenvolvidas no outro livro de Khaled Hosseini, A Cidade do Sol, mas aqui há uma construção curiosa do mundo aparentemente em paz, onde garotos só se preocupavam em empinar pipas. E o retorno, de Amir vinte anos depois, com o Talibã e sua ditadura demonstra a perda dessa inocência e pureza. As ruas não são mais seguras. Fica apenas uma dose da situação, já que quando tudo começou a mudar, o filme se muda junto com Amir e seu pai para os Estados Unidos.
A construção é muito mais do sentimento de exílio, da comunidade fora de seu país, mas mantendo as tradições, vide a forma como Amir corteja a filha do amigo de seu pai. E nesse período de exílio, o filme acaba perdendo um pouco o ritmo. O foco maior era mesmo a relação de Amir e Hassan. A quebra da cumplicidade da amizade, o destino do garoto, e claro, a instigante frase do início do filme que continua sem resposta. Já sabemos o que Amir fez, mas o que ele poderá fazer agora? Talvez se encurtasse um pouco essa parte, centrando mais na trama da amizade, traição e retorno seria mais interessante.
Até porque os melhores momentos do filme são no Afeganistão. As duas crianças que fazem Hassan e Amir pequenos são muito bons. A construção de imagens do país, a plasticidade do campeonato de pipas, tudo é muito bem feito e nos envolve. Assim como a tensão pós-Talibã, o discurso e apedrejamento no estádio, o embate de Amir com o adversário. A construção da liberdade em uma parte e da total falta dela na outra é bem significativa, não por acaso, o Talibã proibiu as pipas.
O Caçador de Pipas acaba sendo uma obra curiosa. Tem momentos de tensão, de emoção, de envolvimento, apesar de cansativo em alguns pontos, principalmente na parte dos Estados Unidos. Um filme sobre amizade, honra e possibilidades de corrigir erros. Afinal, é sempre tempo de repensar nossas atitudes.
O Caçador de Pipas (The Kite Runner, 2007 / EUA / China)
Direção: Marc Forster
Roteiro: David Benioff
Com: Khalid Abdalla, Ahmad Khan Mahmoodzada, Atossa Leoni
Duração: 128 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O Caçador de Pipas
2013-03-05T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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