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Não Pare na Pista - A Melhor História de Paulo Coelho
Não Pare na Pista - A Melhor História de Paulo Coelho
A Melhor História de Paulo Coelho, o subtítulo do filme de Daniel Augusto sobre um dos escritores brasileiros mais conhecidos do mundo parece uma grande ironia. Além de uma inverdade. Perdendo apenas para Shakespeare em número de traduções (como o letreiro do filme faz questão de reforçar), Paulo Coelho é um fenômeno e sua história poderia dar algo muito mais interessante que sua literatura, mas fica em um limbo de confusões.
Dois livros já contaram a trajetória do escritor, O Diário de um Mago, de sua própria autoria, e a excelente biografia O Mago, escrita por Fernando Morais. O primeiro foca na transformação do homem perdido no mago que iria ganhar o mundo com seus livros de auto-ajuda. O segundo tenta entender esse fenômeno tão aclamado lá fora e criticado em seu próprio país. O filme de Daniel Augusto com Carolina Kotscho prefere jogar na tela momentos diversos demonstrando uma raiva imensa contra tudo e todos, como se tentando provar que apesar de tudo, ele venceu.
O menino que sofreu com o pai que não o entendia. O homem que foi traído por seu amigo e parceiro. O ser que errou ao buscar o ocultismo, mas se reencontrou no caminho de Santiago. O escritor que teve as portas quase fechadas por um editor de pouca visão. Tudo no filme passa essa sensação de frustração e vingança. A forma como vai ridicularizando seus "inimigos" é sintomática, desde o mestre que os inicia na "lei" sendo interpretado por Zéu Britto, passando pelo editor com cara de bobo dizendo que ninguém vai querer ler O Alquimista. Ou quando xinga Raul Seixas em frente a televisão por ele dizer que é o autor de Gita.
Aliás, toda a construção do período Paulo e Raul é problemática, apesar de Lucci Ferreira estar excelente como o cantor "maluco beleza". Tudo soa meio irônico, desde as piadas sobre Raul chegar de terno e ser careta. Passando pelas composições, as reuniões da seita, a música Sociedade Alternativa no palco e seu discurso que o leva a ser preso. A conversa com o militar. O retorno para casa com Gita na televisão e o episódio que o fez largar tudo aquilo, que no filme fica bastante confuso.
Este ponto é essencial na mudança de posição de Paulo Coelho de jovem transgressor e compositor de rock para escritor guru. Está explicitada no seu livro As Valquírias e fala dos caminhos escolhidos enquanto seguia o satanismo. Segundo o escritor sua casa abriu-se em um grande buraco de fogo e tudo rodava. Só passou quando ele leu a Bíblia debaixo do chuveiro. No filme, a cena do chuveiro e a Bíblia estão lá, mas não sei até que ponto as pessoas compreendem isso.
Não seria um fato importante, se o filme não quisesse frisar essa virada em sua vida. O grande plot construído, em sua narrativa fragmentada entre as três épocas da vida, anos 60, anos 80 e atual, é o de não deixar de acreditar nos próprios sonhos e de que tomamos caminhos errados na vida. Paulo Coelho, gostando ou não, venceu. Se tornou escritor e vive disso, como muitos duvidavam e é isso que o filme quer mostrar. Mas, sem se preocupar em entender o porquê da idolatria e do desprezo serem tão equiparadamente fortes.
Li diversos livros do escritor, só gosto de fato de O Alquimista, mas não posso negar seu sucesso e prestígio internacional. É um fenômeno e, como tal, digno de interesse. O problema é que o filme não constrói isso a contento. O personagem não se torna simpático aos nossos olhos apesar do esforço do ator Júlio Andrade em sua composição. Ravel Andrade que faz Paulo jovem também está bem, mas assim como Júlio não consegue criar a empatia necessária com o público. Vemos em cena uma alegoria e não um personagem complexo que consigamos nos aproximar.
Falta a Não Pare na Pista, verdade. Não a verdade dos fatos, mas a verdade da história, do personagem, de uma construção que nos envolva e nos faça embarcar naquele sonho de infância. Que nos faça sentir que não podemos desistir deles. Essa é a essência de Paulo Coelho. Quando ele diz que "Quando seguimos o nosso sonho, todo o universo conspira para que dê certo", seus leitores acreditam e se motivam. É o segredo dos livros de auto-ajuda. Mesmo que em uma literatura rasa, ele consegue se comunicar. E isso se torna mais importante.
O filme ainda que com uma técnica correta, bons atores e até uma maquiagem interessante no ator para torná-lo próximo do escritor que conhecemos, não tem alma. Não dialoga conosco, se fragmentando em rancores e necessidades de provar que ele conseguiu vencer. Como se todos estivessem torcendo contra. Inclusive Raul Seixas, que o traiu quando ele mais precisava. Pelo menos, é isso que é passado na tela.
Não Pare na Pista, em uma pretensão de ser A Melhor História de Paulo Coelho, acaba se tornando sua pior história. Vazia e confusa que só não fica com um sentimento pior porque saímos da sessão ouvindo e cantando Tente Outra Vez.
Não Pare na Pista - A Melhor História de Paulo Coelho (2014, Brasil)
Direção: Daniel Augusto
Roteiro: Carolina Kotscho
Com: Júlio Andrade, Ravel Andrade, Fabiana Gugli, Fabiula Nascimento, Enrique Diaz, Lucci Ferreira
Duração: 112 min.
Dois livros já contaram a trajetória do escritor, O Diário de um Mago, de sua própria autoria, e a excelente biografia O Mago, escrita por Fernando Morais. O primeiro foca na transformação do homem perdido no mago que iria ganhar o mundo com seus livros de auto-ajuda. O segundo tenta entender esse fenômeno tão aclamado lá fora e criticado em seu próprio país. O filme de Daniel Augusto com Carolina Kotscho prefere jogar na tela momentos diversos demonstrando uma raiva imensa contra tudo e todos, como se tentando provar que apesar de tudo, ele venceu.
O menino que sofreu com o pai que não o entendia. O homem que foi traído por seu amigo e parceiro. O ser que errou ao buscar o ocultismo, mas se reencontrou no caminho de Santiago. O escritor que teve as portas quase fechadas por um editor de pouca visão. Tudo no filme passa essa sensação de frustração e vingança. A forma como vai ridicularizando seus "inimigos" é sintomática, desde o mestre que os inicia na "lei" sendo interpretado por Zéu Britto, passando pelo editor com cara de bobo dizendo que ninguém vai querer ler O Alquimista. Ou quando xinga Raul Seixas em frente a televisão por ele dizer que é o autor de Gita.
Aliás, toda a construção do período Paulo e Raul é problemática, apesar de Lucci Ferreira estar excelente como o cantor "maluco beleza". Tudo soa meio irônico, desde as piadas sobre Raul chegar de terno e ser careta. Passando pelas composições, as reuniões da seita, a música Sociedade Alternativa no palco e seu discurso que o leva a ser preso. A conversa com o militar. O retorno para casa com Gita na televisão e o episódio que o fez largar tudo aquilo, que no filme fica bastante confuso.
Este ponto é essencial na mudança de posição de Paulo Coelho de jovem transgressor e compositor de rock para escritor guru. Está explicitada no seu livro As Valquírias e fala dos caminhos escolhidos enquanto seguia o satanismo. Segundo o escritor sua casa abriu-se em um grande buraco de fogo e tudo rodava. Só passou quando ele leu a Bíblia debaixo do chuveiro. No filme, a cena do chuveiro e a Bíblia estão lá, mas não sei até que ponto as pessoas compreendem isso.
Não seria um fato importante, se o filme não quisesse frisar essa virada em sua vida. O grande plot construído, em sua narrativa fragmentada entre as três épocas da vida, anos 60, anos 80 e atual, é o de não deixar de acreditar nos próprios sonhos e de que tomamos caminhos errados na vida. Paulo Coelho, gostando ou não, venceu. Se tornou escritor e vive disso, como muitos duvidavam e é isso que o filme quer mostrar. Mas, sem se preocupar em entender o porquê da idolatria e do desprezo serem tão equiparadamente fortes.
Li diversos livros do escritor, só gosto de fato de O Alquimista, mas não posso negar seu sucesso e prestígio internacional. É um fenômeno e, como tal, digno de interesse. O problema é que o filme não constrói isso a contento. O personagem não se torna simpático aos nossos olhos apesar do esforço do ator Júlio Andrade em sua composição. Ravel Andrade que faz Paulo jovem também está bem, mas assim como Júlio não consegue criar a empatia necessária com o público. Vemos em cena uma alegoria e não um personagem complexo que consigamos nos aproximar.
Falta a Não Pare na Pista, verdade. Não a verdade dos fatos, mas a verdade da história, do personagem, de uma construção que nos envolva e nos faça embarcar naquele sonho de infância. Que nos faça sentir que não podemos desistir deles. Essa é a essência de Paulo Coelho. Quando ele diz que "Quando seguimos o nosso sonho, todo o universo conspira para que dê certo", seus leitores acreditam e se motivam. É o segredo dos livros de auto-ajuda. Mesmo que em uma literatura rasa, ele consegue se comunicar. E isso se torna mais importante.
O filme ainda que com uma técnica correta, bons atores e até uma maquiagem interessante no ator para torná-lo próximo do escritor que conhecemos, não tem alma. Não dialoga conosco, se fragmentando em rancores e necessidades de provar que ele conseguiu vencer. Como se todos estivessem torcendo contra. Inclusive Raul Seixas, que o traiu quando ele mais precisava. Pelo menos, é isso que é passado na tela.
Não Pare na Pista, em uma pretensão de ser A Melhor História de Paulo Coelho, acaba se tornando sua pior história. Vazia e confusa que só não fica com um sentimento pior porque saímos da sessão ouvindo e cantando Tente Outra Vez.
Não Pare na Pista - A Melhor História de Paulo Coelho (2014, Brasil)
Direção: Daniel Augusto
Roteiro: Carolina Kotscho
Com: Júlio Andrade, Ravel Andrade, Fabiana Gugli, Fabiula Nascimento, Enrique Diaz, Lucci Ferreira
Duração: 112 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Não Pare na Pista - A Melhor História de Paulo Coelho
2014-08-19T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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