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Luis Manuel Altamirano García
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Ricardo Darín
Relatos Selvagens
Relatos Selvagens
Filmes de recortes de histórias diversas costumam ser irregulares. Alguns conseguem a proeza de ter todos os segmentos ruins como o caso recente de Para Maiores. Mas, o filme Relatos Selvagens é daqueles raros exemplares onde todas as tramas são bem conduzidas trazendo uma unidade impressionante.
São seis histórias, todas dirigidas e roteirizadas por Damián Szifrón. E todas trazendo um mesmo mote: a vingança. A relação humana, a questão do colapso da sociedade atual, o jogo de poder, a ironia. Todos esses elementos estão presentes nessa tragicomédia que, não por acaso, tem Pedro Almodóvar como um dos produtores. O tom é farsesco em uma boa dose nonsense. Não deixa de ser impressionante a sensação de unidade e constância que o filme nos traz.
A primeira história acontece em um avião, e talvez seja a mais fraca de todas, apesar do excelente desfecho que nos dá um bom gancho para o início do filme. Toda a situação dentro do avião, no entanto, é over, não nos passa verdade, ainda que as coincidências se justifiquem. O estranhamento do texto é bem desenvolvido pelos atores, mas parece sempre faltar algo ao espectador.
Ainda assim, embarcamos e nos deparemos com "Las ratas", o segundo segmento que traz uma cozinheira e uma garçonete de um restaurante de beira de estrada que se vêem diante de um cliente desprezível. Parece que a ordem vai em um crescente, já que este é o segundo mais frágil, o que não quer dizer que não seja uma boa trama. O jogo ético, a consciência versus a raiva, todo o diálogo delas na cozinha com a gag da latinha, funciona bem. A construção do cliente, visto principalmente pelo ponto de vista da cozinha é outro trunfo. Nos sentimos próximos das duas e distante dele, torcendo por um dos lados.
Após dois episódios quase claustrofóbicos em apenas um ambiente, desembarcamos em uma estrada, em um plano que mais parece de propaganda de carro. Uma música agradável, curvas e o belo automóvel cruzando-a. Até que o motorista encontra um carro velho em sua frente que não quer lhe dar passagem, é o suficiente para uma inimizade levada às últimas consequências. Em "El más fuerte" o tom over funciona perfeitamente. Faz parte da situação e da construção dos personagens. O jogo de câmera também é muito bom, nos dando a visão dos motoristas, em diversos momentos e escalando, aos poucos, a loucura de cada um.
Já "Bombita" é o primeiro a trazer uma curva dramática melhor desenvolvida. Um engenheiro, responsável por demolições, se vê em meio a uma burocracia predatória do sistema de guincho de carros e multas. Irritado por ter seu carro apreendido e ainda ter que pagar um valor absurdo pelo rebote, fora a multa, o personagem de Ricardo Darín luta contra os abusos do sistema e por seus direitos. Mas, tudo vai colidindo em uma espécie de "dia de fúria" particular. Uma ironia crítica que nos dá um dos melhores momentos do filme.
Depois temos o episódio mais forte em diversos aspectos. Muitos dirão que "La propuesta" foge do mote de vingança, mas se observarmos pelo lado do viúvo e da multidão que cerca a casa, não deixa de ser. Mas, a história aqui se centra na fuga de responsabilidades e extorsão de todos os lados. Um garoto rico atropela uma mulher grávida, levando ela e o bebê à morte. Para não ver o filho na cadeia, o pai arma com o advogado da família e o investigador oficial para culpar o caseiro Santiago, que levará uma "indenização" pelo favor de assumir a culpa. Aqui, o ponto alto são os diálogos da negociação, a critica política e social é feita de maneira extremamente irônica.
Por fim, "Hasta que la muerte nos separe", o episódio mais nonsense e, talvez por isso, o melhor, que fecha com grande estilo a obra. Tudo gira em torno da reação da noiva ao descobrir algo entre os convidados que vai fazer seu conceito da festa mudar completamente. Tudo é muito bem construído, desde a cadência da celebração exagerada de amigos com noivo, amigas com noiva, passando pela cena do celular e a consequência na valsa. Depois, o terraço e o retorno ao salão. O roteiro e os atores vão escalando em uma construção envolvente e irônica, com diversas reviravoltas que nos levam a um final que não deixa de ser surpreendente.
O filme Relatos Selvagens acaba sendo essa bela mistura de situações cotidianas com pitadas nonsenses e exageros para retratar nossa sociedade, suas hipocrisias e disputas quase doentias. A forma como Damián Szifrón conduz cada um dos episódios só ajuda a manter a unidade e o bom nível da trama. Surpreendendo, principalmente por isso.
Relatos Selvagens (Relatos Salvajes, 2014 / Argentina)
Direção: Damián Szifrón
Roteiro: Damián Szifrón
Com: Ricardo Darín, Liliana Ackerman, Luis Manuel Altamirano García, Alejandro Angelini, Darío Grandinetti
Duração: 122 min.
São seis histórias, todas dirigidas e roteirizadas por Damián Szifrón. E todas trazendo um mesmo mote: a vingança. A relação humana, a questão do colapso da sociedade atual, o jogo de poder, a ironia. Todos esses elementos estão presentes nessa tragicomédia que, não por acaso, tem Pedro Almodóvar como um dos produtores. O tom é farsesco em uma boa dose nonsense. Não deixa de ser impressionante a sensação de unidade e constância que o filme nos traz.
A primeira história acontece em um avião, e talvez seja a mais fraca de todas, apesar do excelente desfecho que nos dá um bom gancho para o início do filme. Toda a situação dentro do avião, no entanto, é over, não nos passa verdade, ainda que as coincidências se justifiquem. O estranhamento do texto é bem desenvolvido pelos atores, mas parece sempre faltar algo ao espectador.
Ainda assim, embarcamos e nos deparemos com "Las ratas", o segundo segmento que traz uma cozinheira e uma garçonete de um restaurante de beira de estrada que se vêem diante de um cliente desprezível. Parece que a ordem vai em um crescente, já que este é o segundo mais frágil, o que não quer dizer que não seja uma boa trama. O jogo ético, a consciência versus a raiva, todo o diálogo delas na cozinha com a gag da latinha, funciona bem. A construção do cliente, visto principalmente pelo ponto de vista da cozinha é outro trunfo. Nos sentimos próximos das duas e distante dele, torcendo por um dos lados.
Após dois episódios quase claustrofóbicos em apenas um ambiente, desembarcamos em uma estrada, em um plano que mais parece de propaganda de carro. Uma música agradável, curvas e o belo automóvel cruzando-a. Até que o motorista encontra um carro velho em sua frente que não quer lhe dar passagem, é o suficiente para uma inimizade levada às últimas consequências. Em "El más fuerte" o tom over funciona perfeitamente. Faz parte da situação e da construção dos personagens. O jogo de câmera também é muito bom, nos dando a visão dos motoristas, em diversos momentos e escalando, aos poucos, a loucura de cada um.
Já "Bombita" é o primeiro a trazer uma curva dramática melhor desenvolvida. Um engenheiro, responsável por demolições, se vê em meio a uma burocracia predatória do sistema de guincho de carros e multas. Irritado por ter seu carro apreendido e ainda ter que pagar um valor absurdo pelo rebote, fora a multa, o personagem de Ricardo Darín luta contra os abusos do sistema e por seus direitos. Mas, tudo vai colidindo em uma espécie de "dia de fúria" particular. Uma ironia crítica que nos dá um dos melhores momentos do filme.
Depois temos o episódio mais forte em diversos aspectos. Muitos dirão que "La propuesta" foge do mote de vingança, mas se observarmos pelo lado do viúvo e da multidão que cerca a casa, não deixa de ser. Mas, a história aqui se centra na fuga de responsabilidades e extorsão de todos os lados. Um garoto rico atropela uma mulher grávida, levando ela e o bebê à morte. Para não ver o filho na cadeia, o pai arma com o advogado da família e o investigador oficial para culpar o caseiro Santiago, que levará uma "indenização" pelo favor de assumir a culpa. Aqui, o ponto alto são os diálogos da negociação, a critica política e social é feita de maneira extremamente irônica.
Por fim, "Hasta que la muerte nos separe", o episódio mais nonsense e, talvez por isso, o melhor, que fecha com grande estilo a obra. Tudo gira em torno da reação da noiva ao descobrir algo entre os convidados que vai fazer seu conceito da festa mudar completamente. Tudo é muito bem construído, desde a cadência da celebração exagerada de amigos com noivo, amigas com noiva, passando pela cena do celular e a consequência na valsa. Depois, o terraço e o retorno ao salão. O roteiro e os atores vão escalando em uma construção envolvente e irônica, com diversas reviravoltas que nos levam a um final que não deixa de ser surpreendente.
O filme Relatos Selvagens acaba sendo essa bela mistura de situações cotidianas com pitadas nonsenses e exageros para retratar nossa sociedade, suas hipocrisias e disputas quase doentias. A forma como Damián Szifrón conduz cada um dos episódios só ajuda a manter a unidade e o bom nível da trama. Surpreendendo, principalmente por isso.
Relatos Selvagens (Relatos Salvajes, 2014 / Argentina)
Direção: Damián Szifrón
Roteiro: Damián Szifrón
Com: Ricardo Darín, Liliana Ackerman, Luis Manuel Altamirano García, Alejandro Angelini, Darío Grandinetti
Duração: 122 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Relatos Selvagens
2014-10-22T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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