
Existem obras que viram verdadeiras lendas. O média-metragem Superoutro é uma dessas. Dirigido pelo controverso cineasta baiano Edgard Navarro, o filme marcou gerações e é lembrado até hoje por muitos como um dos grandes filmes brasileiros. Não por acaso, entrou na lista que compõe o livro 100 Melhores Filmes Brasileiros na 44ª posição.
Lançado em 1989, o filme é protagonizado por Bertrand Duarte que interpreta um mendigo que vaga pelas ruas de Salvador gritando verdades, quebrando padrões e sonhando com sua liberdade. Preso logo no início do filme em um manicômio, ele tenta retomar sua rotina após a saída, caminhando claudicante até o seu clímax, quando acredita ter encontrado o seu sentido de vida: voar.
Três frases criam uma espécie de ciclo da trama, a primeira gritada por ele "Acorda, humanidade", a segunda gritada por um manifestante que tenta impedir o seu suicídio "Abaixo a burguesia" e a terceira proferida pelo louco já transvestido de Super-Homem baiano: "Abaixo a gravidade". Que por sinal, será o nome no novo longa-metragem do diretor, mas isso é outra história.
Acredito que a cena final resuma um pouco a jornada do Superoutro, apresentando, inclusive esse outro do título que representar uma espécie de alma do louco que acompanhamos durante toda a projeção. Passando simbolicamente pela frente do Cine Glauber Rocha, na praça Castro Alves, onde está sendo exibido o filme Super-Homem com Christopher Reeve, o louco ganha sua vestimenta e decide voar do alto do Elevador Lacerda.

Montado em um cavalo, ele vai da praça Castro Alves até o Elevador Lacerda ao som do Hino da Independência. A câmera o pega de baixo para cima, aumentando sua imponência. Depois vemo-lo de frente, com a câmera acompanhando sua cavalgada. Atrás dele o dono do cavalo que ele pegou montado em outro animal. A cena tem um leve acelerar na imagem, dando um aspecto tragicômico.
Novamente com a câmera baixa, vemos ele chegando triunfante tendo o palácio do Rio Branco atrás e é nesse enquadramento que ele brada novamente o seu discurso, trazendo as falas atribuídas Dom Pedro I de "Independência ou Morte". Salta do cavalo e corre para dentro do elevador, enquanto temos tempo de ver o dono do cavalo chegando e pegando de volta seu animal, sem maiores problemas.

Cortes rápidos de um contra-plongée mostrando-o na beira do elevador, depois um plongée mostrando a rua e o mercado modelo. E um plano detalhe do símbolo na roupa que é um "S" ao contrário. A câmera parada, ele vai se afastando abrindo o plano e dando distância para o seu pulo. Grita "Abaixo a gravidade", mas é impedido pelos policiais que batem nele até que desmaie. Uma cena forte que mostra muito da opressão diária.
Porém, esse não era o fim. Em 28 de "nonlembro", como nos indica a legenda, o Superoutro acorda e se liberta do corpo do louco que habitava se jogando em seu vôo magistral pela cidade, enquanto o corpo do mendigo é preso e levado pelos policiais que o agrediram. A trilha é o tema de Super-Homem criada por John Williams.
A visão do louco vendo o seu "outro" super realizar o sonho de liberdade, cumprindo sua missão de voar é uma metáfora linda desse sonho e de tudo que o filme representa. Desse homem que quer exorcizar os seus fantasmas e ser pleno, transcendendo a morte. Uma cena impactante que nos faz sair da sessão pensativos e maravilhados.
P.S. Aos baianos que quiserem conferir essa obra na tela grande, ela será exibida no XII Panorama Internacional Coisa de Cinema na terça-feira, dia 15/11, às 18:05. Sessão especial Abraccine que inicia os festejos do lançamento do livro no Festival.