Cinema Novo
Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, Walter Lima Jr., Arnaldo Jabor, Paulo César Saraceni, Roberto Faris, Roberto Pires, Olney São Paulo, Fernando Coni Campos, Luís Sérgio Person e até Humberto Mauro assinam o filme de Eryk Rocha antes que os créditos reais do documentário surja. Mais do que justo, Cinema Novo é uma compilação poética de um movimento que mudou o cinema nacional com trechos de filmes e depoimentos de seus realizadores na época.
Isso não quer dizer que Eryk Rocha não imponha o seu estilo. Pelo contrário, há uma costura artística interessante que nos faz rever cenas clássicas com outros olhos. O diretor faz as obras conversarem entre si dando essa ideia de movimento conciso que acabou sendo dispersado após o golpe militar no país. Em um dos trechos, o próprio Glauber Rocha diz isso, que a vitória da ditadura sobre o movimento foi separá-los, fazendo com que cada um seguisse só o seu caminho.
O Cinema Novo foi um movimento cinematográfico e político de cineastas que entenderam que o cinema precisava ser algo mais que entretenimento. Como o filme demonstra, eles eram todos amigos "porque gostavam dos filmes uns dos outros". Falavam a mesma linguagem, criaram uma espécie de gueto que teve frutos positivos e também seus percalços, já que menosprezavam os filmes e cineastas que não pensavam como eles. Mas essa é uma questão que o filme não aborda.
É uma obra resgate de um movimento, uma homenagem de um filho a um pai e seus companheiros de ideias. Cinema Novo está aí para celebrar "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça". E tem mesmo muito para celebrar, para analisar e refletir, ainda mais em um momento político como o que vivemos, de intolerâncias e conservadorismo. Quando novamente ouvimos discursos anti-comunistas, como se disso dependesse a própria salvação da família brasileira.
O grande trunfo do filme de Eryk Rocha é não tornar o filme um resgate histórico distante. Não temos especialistas, críticos, historiadores, não temos nem mesmo vozes atuais falando do passado. Temos os filmes falando por si mesmos e os realizadores na época em entrevistas diversas. Tem até um encontro em Cannes da Nouvelle Vague com o Cinema Novo.
Isso cria um clima não de saudosismo, mas de presente. O Cinema Novo pulsa presente em tela de uma maneira instigante, envolvente e, por que não, inspiradora. Não que precisemos voltar a fazer filmes como eles, mas o quanto é importante criar estilos, falar do seu próprio povo, sua própria cultura, seu próprio país. Ter objetivos além do entretenimento fácil e volátil como a maioria dos filmes comerciais.
É interessante que o documentário toca também em outro ponto nodal do cinema brasileiro. O diálogo com o público. Em determinado momento, uma repórter entrevista pessoas na rua, perguntando o que acham dos filmes brasileiros, muitos dizem que gostam. Mas muitos dizem também que não gostam, que acham chato, que preferem os filmes americanos.
E até hoje temos essa divisão, os filmes que tentam imitar o padrão americano e constróem entretenimentos bobos e os filmes independentes que o grande público considera chato. Ainda precisamos encontrar o equilíbrio. Assim como ainda temos o problema de distribuição que o filme também mostra, inclusive com a criação de uma distribuidora própria por parte dos cineastas, liderada por Luiz Carlos Barreto. Talvez isso seja o mais interessante, ver que mais de cinquenta anos depois, o discurso do cineasta brasileiro continua o mesmo, as queixas são as mesmas, os desejos são os mesmos.
Por tudo isso, Cinema Novo é daqueles filmes que merece todo o reconhecimento que vem recebendo. Foi premiado com o título "Olho de Ouro" de Melhor Documentário do Festival de Cannes 2016 e tem recebido muitos elogios da crítica em geral. Vamos ver se o público também consegue dialogar com ele já que a Vitrine já assumiu a distribuição e estreia ele em diversas cidades.
Filme Visto no XII Panorama Internacional Coisa de Cinema.
Direção: Eryk Rocha
Roteiro: Eryk Rocha
Duração: 90 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Cinema Novo
2016-11-12T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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