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Panorama 2017: Curtas

Panorama Internacional Coisa de Cinema: Curtas

Linguagem tão desvalorizada pelo público em geral, o curta-metragem é essencial para o cinema. Não apenas como uma ponte ou ensaio para um longa, mas como arte em si. Linguagem que comunica, denuncia, envolve e experimenta. A variedade de curtas em temática e linguagens em um festival é sempre extremamente rica, fica o lamento de não poder me debruçar sobre todos como se deve. Vai então, pequenos comentários críticos sobre os premiados do XIII Panorama Internacional Coisa de Cinema já que não foi possível acompanhar toda a competitiva baiana como de costume.

Além dos filmes analisados abaixo, dois atores foram destacados com menção honrosa. Khulani Maseko, do filme The Beast pelo júri jovem da competitiva nacional e Paula Lice, do filme Estela pelo júri oficial da competitiva baiana. Destaques merecidos e que trazem uma força ainda maior em um festival que não tem o costume de repartir seus prêmios em funções. Traz também a força da parceria filme, personagem, direção e ator, já que uma obra não se faz só. Muito do brilho dessas obras está no conjunto delas, ainda que salte aos olhos essas atuações.

Galeria F, quando a chuva passa

Galeria F, quando a chuva passaComo o próprio Henrique Dantas explica, Galeria F, quando a chuva passa é uma versão mais leve de A Noite Escura da Alma. Continua trazendo o tema da ditadura militar na Bahia, porém, aponta uma certa esperança, algo tão complicado nos dias de hoje. Henrique Dantas intercala depoimentos com imagens do ex complexo penitenciário Lemos Brito, agora vazio. A chuva cai como uma metáfora de limpeza, enquanto pombos estruturam suas casas ali, naquele espaço abandonado.

A leveza comentada pelo diretor é devido ao significado que tinha para um preso político ir para aquela prisão. Era como um atestado de segurança, ironicamente. Assim ele não seria mais torturado, nem corria o risco de sumir, como muitos presos políticos com status de desaparecidos até hoje. Os depoimentos trazem temas mais leves, como convivências com os presos comuns e o futebol, que sempre acontecia no pátio.
Ao contrário dos demais filmes de Dantas, Galeria F, quando a chuva passa tem pouca intervenção gráfica, a poesia vem mesmo da contemplação do que o próprio espaço oferece e significa. Um registro histórico, sempre necessário.


Galeria F, quando a chuva passa
Melhor curta nacional.
Direção: Henrique Dantas (BA)
Duração: 23 min.

Vando vulgo Vedita

Vando vulgo VeditaA sinopse nos diz: Vando (vulgo Vedita) não é visto faz um tempo nas ruas da Barra. E é isso, com uma mise-en-scène e fotografia que chama a atenção, Andréia Pires e Leonardo Mouramateus nos apresentam o protagonista ausente mais presente na tela do cinema. Vando não existe enquanto persona, mas está ali, personificado em todos aqueles jovens que se reúnem em uma casa, pintam os seus cabelos de louro e vagam pelas festas, pelas ruas, pela praia da cidade em uma dinâmica instigante como "os vagabundos", unindo artes e fazendo referências diversas à cultura pop. Até Titanic é evocado em determinado momento com sua cena de "I'm flying". O próprio codinome Vedita vem de “Dragon Ball Z” e o vilão Vegita, que em determinado momento está passando na televisão e dois jovens simulam a sua luta com Goku. Mas o ápice da trama vem quando a tela escurece e ouvimos os sons de uma simulação que grita em nossos ouvidos o verdadeiro significado de tudo aqui. E todo o resto cresce em impacto e nos faz ficar com eles ali, também refletindo sobre toda a força desse filme.

Vando vulgo Vedita
Prêmio especial do júri
Direção: Andréia Pires e Leonardo Mouramateus (CE)
Duração: 22 min.

Nada

NadaO que você quer ser quando crescer? Essa é a pergunta que todo mundo já ouviu pelo menos uma vez na vida. A protagonista desse instigante curta mineiro até tem suas opções e, como muitos apontam, talentos. Porém, ela não quer se encaixar em uma prateleira, nem definir o resto de sua vida simplesmente porque o sistema assim organizou. A resposta à pergunta da diretora sobre a opção no Enem está, então, na ponta da língua: Nada.

Isso não significa que Bia não queria fazer nada da vida. Ela só não quer fazer nada no Enem, não quer escolher uma faculdade, nem se trancar em uma escolha que a sufoca mais do que dá opção de futuro. A maneira como Gabriel Martins constrói esse universo é extremamente feliz. A exótica diretora que anda pela escola com um microfone ou mesmo os pais legais da garota ajudam a deixar o dilema ainda mais instigante. O filme ganhou melhor direção do júri oficial, sendo um filme bem executado, com um bom ritmo, planos e montagem. Mas acaba sendo no roteiro e maneira sutil de discutir temas tão fortes que encontra-se seu maior trunfo.


Nada
Melhor direção :
Direção: Gabriel Martins (MG)
Duração: 28 min.

Travessia

TravessiaPartindo da poesia de Conceição Evaristo, Vozes Mulheres, Safira Moreira experimenta a busca pela verdadeira representação negra que não é encontrada na mídia ou nas fotos antigas. Uma luta de gerações, como reforça o poema, mas que a cada passo vai ganhando força e esperança de um futuro verdadeiramente livre.

Em sua estrutura simples, porém repleta de significados, Safira Moreira ecoa a necessidade de ser ouvida. Com apenas cinco minutos e poucas cenas de fato, Travessia consegue chamar a atenção e nos sensibilizar para a urgência do seu tema. Um filme que ecoa na alma.

Travessia
Melhor curta nacional (júri jovem):
Direção: Safira Moreira (RJ)
Duração: 5 min.

O arco do medo

O arco do medo"Quem quer morrer pela arte?" Com essa pergunta incômoda, Juan Rodrigues traz a virada de seu filme que impacta, principalmente, pela coragem de expor medos tão reais em tela.

Na primeira parte, ele nos mostra a rotina de opressão e medo de homossexuais, cobrados para serem "machos" desde crianças, ameaçados de surras ou mesmo de morte, por não se encaixar no padrão heteronormativo. Com uma narração que brinca com a equalização da voz para produzir efeitos, vemos uma ilustração artística com imagens e efeitos em uma montagem ágil que nos ajuda a construir significados.

Na segunda parte, marcada pela frase dita e por uma angustiante performance com fita colante, temos uma narração em outro tom com a performance do artista se transvestindo. E é extremamente significativo a escolha de nesse momento se comparar com as mulheres de sua família. Ainda que a performance perca o ritmo do que foi construído em imagens na primeira parte, não deixa de ser um filme corajoso e impactante.

O arco do medo
Melhor curta baiano:
Direção: Juan Rodrigues
Duração: 10 min.

Latossolo

LatossoloPrêmio especial do júri, o filme de Michel Santos tem como principal trunfo a concepção de imagens. Uma fotografia que impacta ao construir a relação do homem com as paisagens naturais e sua maneira de interferir nela. O contraste do solo vermelho amarelo com as máquinas na rotina daquele homem constroem efeitos sensoriais que chamam a atenção, ainda que muito de cognitivo possa ser retirado dali.

Latossolo
Prêmio especial do júri:
Direção: Michel Santos
Duração: 18 min.


Não Falo Com Estranhos

Não Falo Com EstranhosDiante de temas tão pesados e urgentes, chama a atenção o oásis que se tornou Não Falo Com Estranhos nesse grupo de premiados. Não podemos deslegitimar os temas simples e crises existenciais que pareçam a alguns como tolas. Principalmente porque o filme de Klaus Hastenreiter tem um talento visível em trabalhar a linguagem e a costura de referências estéticas e temáticas de diversas obras cinematográficas. Tem qualidades técnicas, boas atuações, uma direção de arte que salta aos olhos. Mas, a maneira como mistura sonho e realidade, construindo jogos e diálogos criativos e divertidos é que nos envolve e conquista. Quando nos vemos já estamos imersos nos pensamentos do protagonista, que tenta criar coragem para falar com a moça que se sentou a seu lado na sala de espera do dentista. Acima de tudo, Não Falo Com Estranhos é um filme divertido.

Não Falo Com Estranhos
Melhor curta baiano (júri jovem):
Direção: Klaus Hastenreiter
Duração: 17 min.

Terça-feira de Nder

Terça-feira de NderEm 1820, as rainhas de Nder, região do Walo, no Senegal preferiram o suicídio coletivo a aceitar a escravidão. Resgatando essa história de maneira criativa e poética para refletir sobre o quão pouco a realidade das mulheres da região ou mesmo espalhadas pelo mundo a partir dali não mudou muito, o filme discute temas relevantes como resistência, liberdade, feminismo e organização social com uma linguagem cinematográfica que chama a atenção, fazendo passado e presente dialogarem de uma maneira extremamente curiosa e impactante.

Terça-feira de Nder
Melhor curta internacional:
Direção: Chantal Durpoix (Senegal)
Duração: 20 min.

Vovô Morsa

Vovô MorsaFalar de luto é sempre algo delicado. Vovô Morsa consegue explorar bem a linguagem da animação para construir de maneira lúdica, flertando com o realismo fantástico, uma família que tenta superar a morte do avô em uma praia onde ele costumava passar os dias. A relação difícil entre mãe e filha, a incompreensão dos pequenos, a disputa entre irmão, tudo isso vai sendo desenvolvido naquelas areias com metáforas inteligentes que ajudam na catarse coletiva e na lavagem da alma com a água salgada do mar para se transformar.


Vovô Morsa
Menção honrosa:
Direção: Lucrèce Andreae (França)
Duração: 15 min.

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