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Desobediência
Desobediência
Após o sucesso e Oscar de Uma Mulher Fantástica, Sebastián Lelio lança o seu primeiro longa-metragem em língua inglesa confirmando marcas autorais muito próprias. Desobediência é uma obra sensível sobre a busca pela liberdade de ser quem é, independente das regras sociais em que se vive.
Ronit, interpretada por Rachel Weisz, é uma mulher independente, fotógrafa de sucesso nos Estados Unidos, aparentemente bem resolvida. Com a notícia da morte de seu pai, um rabino de uma comunidade judaica ortodoxa no norte da Inglaterra, ela precisa encarar o seu passado e tudo que isso representa, inclusive os motivos que a fizeram sair de lá e nunca mais ter contato com a família.
Baseado no livro de Naomi Alderman, uma das melhores coisas do roteiro, também assinado pelo diretor Sebastián Lelio e Rebecca Lenkiewicz, é a maneira como ele não tem pressa em explicar os acontecimentos. E como vai trabalhando signos diversos para ir nos introduzindo naquele universo fílmico. A começar pela cena inicial da fala do rabino, que traz uma boa pista do que se trata a obra, ou pela conversa de Ronit com o senhor fotografado por ela sobre a tatuagem de Jesus em seu peito.
Em uma obra onde os acontecimentos passados são fundamentais para a compreensão da curva dramática que se desenvolve durante a projeção, não utilizar muletas como flashbacks ou recursos como a função do novato é sempre uma estratégia arriscada, mas, quando bem sucedida, traz a satisfação de ir descobrindo essa história e personagens de uma maneira fluida e criativa, exigindo também atenção do espectador desde o princípio.
O trio principal é cativante e o elenco ajuda na construção da intimidade perdida, do desconforto da situação e da contenção do desejo. Alessandro Nivola consegue construir muito bem esse jovem rabino que tenta seguir com a tradição de sua comunidade, são nuanças, pequenos gestos que vão denunciando o que passa internamente com sua personagem, como o passo atrás quando Ronit vai abraçá-lo no primeiro reencontro, ou o desconforto da conversa na cozinha.
A cena da cozinha, por sinal, é chave para a relação desse trio, o desconforto de todos, as informações nas entrelinhas, o subtexto. Isso enriquece a experiência. Rachel Weisz e Rachel McAdams são extremamente felizes na condução do turbilhão de emoções que vive suas personagens desde essa a primeira cena. A troca de olhares em cenas como a conversa no jantar ou no cortejo após a cerimônia. Há verdade na relação das duas que nos faz crer naquele amor reprimido.
Muito dessa emoção transmitida e das informações que são passadas nas entrelinhas está também nas escolhas de direção. Na delicadeza com que a câmera de Lelio encontra as personagens e flagra as situações familiares e sociais daquela comunidade que parece viver em um mundo à parte. Uma decupagem clássica, é verdade, mas que casa com a própria atmosfera local que parece ter parado no tempo. A fotografia sempre escura, os ambientes fechados, que passam uma certa claustrofobia, as roupas fechadas, as perucas das mulheres, as vestimentas dos homens, tudo colabora para o tom proposto. Só vemos respiro quando as personagens vão para uma outra parte de Londres e podemos ver o brilho do sol e até sentir a brisa de espaço aberto.
Ainda assim, há algumas escolhas finais que parecem desdizer muito do que foi construído por toda a projeção, o que não inviabiliza a boa experiência. Questões que podem ser debatidas e melhor compreendidas com uma discussão minuciosa sobre os acontecimentos da trama, mas que não cabem em uma primeira análise sem spoilers.
De qualquer maneira, Desobediência é um belo filme que envolve e nos encanta em seus diversos aspectos técnicos e estéticos.
P.S. O trailer revela muito da trama, podendo enfraquecer muito do efeito do roteiro.
Desobediência (Disobedience, 2018 / Reino Unido)
Direção: Sebastián Lelio
Roteiro: Sebastián Lelio, Rebecca Lenkiewicz
Com: Rachel Weisz, Rachel McAdams, Alessandro Nivola
Duração: 114 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Desobediência
2018-06-25T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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