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Bacurau
Bacurau
Filme de gênero, filme brasileiro, filme de resistência. Não dá para colocar Bacurau em uma única caixinha. Explicar o cinema de Kleber Mendonça Filho com predefinições é ir de encontro a tudo que o cineasta sempre buscou. Em seu quarto longa-metragem, agora junto com Juliano Dornelles, ele constrói uma das obras mais criativas e intensas dos últimos tempos.
Bacurau começa ambientando seu universo fílmico. Uma cidadezinha no sertão nordestino, uma comunidade com poucos recursos, de gente simples que está sofrendo com a falta de água após o fechamento de uma barragem, que tem que lidar com um político inescrupuloso e tem seus moradores os mais diversos tipos possíveis. Poderia ser um filme qualquer sobre o Nordeste e as dificuldades de seu povo, mas coisas estranhas começam a acontecer.
Desde O Som Ao Redor, Kleber Mendonça Filho gosta de trabalhar com metáforas e com camadas em seus roteiros. Nada é apenas o que parece na superfície. Em Bacurau isso não é diferente, mesmo os estereótipos são quebrados com personagens que demonstram profundidade, não podendo ser encaixados tipos ou mesmo em funções dramáticas. Ao mesmo tempo não há um protagonista, e sim, uma comunidade que converge em objetivos que também vão além de simplesmente sobreviver.
Assim, um drone transvestido de OVNI de seriado dos anos 60, cavalos disparados na madrugada, um caminhão pipa cravado de balas, um estranho casal de motoqueiros são apenas indícios de que algo não vai bem ali. Bacurau não aparece mais no mapa e parece isolado do resto do mundo, a ponto do sinal dos celulares não funcionarem. É também uma metáfora do que já estava exposto ao nos apresentar aquela inóspita região que já começa com um caminhão “atropelando” caixões na estrada e celebrando o velório de sua moradora mais antiga.
Identificada como anos à frente do nosso tempo, a obra flerta com a ficção científica, construindo com liberdade uma direção de arte muito própria e sequências de grande impacto, como a já citada corrida dos cavalos pela madrugada. Ou a própria procissão do velório inicial, com uma cantoria pulsante que se constitui em uma estética de realismo fantástico e nos faz embarcar em efeitos de imagens e sons com muita intensidade. Somos transportados para aquela cidadezinha e, em pouco tempo, nos sentimos também gente, nascidos ali.
No ponto de virada da trama, Geraldo Vandré ecoa em nossos ouvidos com seu “Requiém para Matraga”, música que retorna no final na força de seus versos em especial o “Se alguém tem que morrer, que seja para melhorar”. A violência, o instinto de vingança e mesmo a vida dura do sertão presente na obra de Guimarães Rosa é aqui ressignificada. Parte do óbvio e nos dá outras camadas, inclusive da própria história do Brasil, podendo fazer ainda um paralelo com o contexto político atual. Um faroeste muito particular, por isso muitos acabam comparando com a obra de Glauber Rocha.
Ainda que conte com dois grandes nomes no elenco, é importante ressaltar a harmonia de todos em tela, não sendo possível um único destaque, ainda que Sônia Braga e Udo Kier estejam completamente entregues às suas personagens, contracenando, inclusive, em uma intensa cena. Há uma força naquela comunidade que passa uma verdade impressionante pulsando na tela, junto com uma mise en scène muito bem arquitetada.
Bacurau merece ser digerido aos poucos, com a mesma paciência com que foi produzido. Respeitando o tempo dramatúrgico e todas as reviravoltas e segredos que o roteiro vai nos revelando aos poucos. Ao final, os diretores ainda colocaram nos créditos sua defesa ao cinema nacional com os dizeres de que “este projeto gerou mais de 800 empregos, movendo a indústria nacional”.
Bacurau (Bacurau, 2019 / Brasil)
Direção: Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho
Com: Udo Kier, Sônia Braga, Karine Teles, Bárbara Colen, Thomas Aquino, Antonio Saboia, Luciana Souza
Duração: 131 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Bacurau
2019-08-31T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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