Como todos os filmes da produtora mineira Filmes de Plástico, não dá para resumir “No Coração do Mundo” a uma sinopse. Ainda que diferentes, os diretores André Novais, Gabriel Martins e Maurílio Martins tem em comum uma capacidade incrível de retratar o cotidiano do espaço onde vivem com uma naturalidade ímpar que é impressa na tela com delicadeza e força ao mesmo tempo.
Ainda que a estrutura do roteiro da obra de Gabriel Martins e Maurílio Martins gire em torno de um assalto, o filme é mais do que isso. É sobre o dia a dia daquelas pessoas no município de Contagem, em Minas Gerais, seus sonhos perdidos e a sensação de que a vida está passando sem que se possa esperar muito mais para fazer algo de novo.
Marcos, Selma e Ana não têm mais vinte e poucos anos. Estão naquela fase da vida que não aconteceu o que esperavam, mas também ainda é cedo para desistir totalmente. Há uma certa ingenuidade nas personagens, ainda que irônica, diante da maneira cretina com que encaram seus problemas. Há ironia em todos os detalhes, inclusive no fato de Marcos e Selma tirarem fotos de crianças em colégios ao mesmo tempo em que planejam assaltos ou mesmo lidam com assassinatos. Mesmo lidando com temas fortes, há simplicidade e afeto em tela. As personagens são complexas, não podendo se encaixar apenas em boas ou más, mocinhos ou vilões. Constroem suas atitudes a partir das circunstâncias da vida. E passam, em especial, esse sentimento de que é preciso dar um basta. Como na cena em que Ana tem que aturar a passageira mal-educada. Ou quando Selma se irrita com Marcos ao ouvir dele o porquê dela mesma não dirigir o carro.
Ainda que Temporada, filme de André Novais, tenha sido lançado antes, No Coração do Mundo foi produzido anteriormente, o que faz dele o primeiro longa-metragem de Grace Passô, reforçando o talento da atriz que consegue segurar cenas de intensa emoção como a do carro ou a já citada em que fala para Marcos o porquê dela não poder ser a personagem principal do plano. Kelly Crifer, que faz Ana, e Leo Pyrata, que faz Marcos, também dão conta do recado. Destaque ainda para Bárbara Colen. O ritmo da obra também é construído nesse compasso de espera. Mesmo nas cenas mais tensas no terceiro ato, há um espaço para a contemplação, para a emulação do real, como na conversa dos porteiros ou nas cenas dentro do carro. A ambientação de Contagem é outro ponto forte, ajudando na construção daquele universo fílmico que nos parece tão similar mesmo sem nunca termos ido a Minas Gerais.
São nos detalhes que a obra cresce em tela, na direção de arte, na organização das cenas, em como a câmera nos mostra seu ponto de vista, nas pequenas participações, na maneira como desenvolve tramas secundárias com o mesmo cuidado que a trama principal e traz na montagem essa sensação de vida real. No Coração do Mundo é um filme que impressiona, reforçando a importância da Filmes de Plástico para o cinema brasileiro atual.
No Coração do Mundo (No Coração do Mundo, 2019 / Brasil)
Direção: Gabriel Martins e Maurílio Martins.
Roteiro: Gabriel Martins e Maurílio Martins.
Com: Kelly Crifer, Leo Pyrata, Grace Passô, Bárbara Colen, Robert Frank, Rute Jeremias, Renato Novaes, Mc Carol de Niterói e Gláucia Vandeveld.
Duração: 120 min.
