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Retrato de uma Jovem em Chamas
Retrato de uma Jovem em Chamas
Retrato de uma jovem em chamas é o tipo de filme que te toca profundamente a alma ou lhe é indiferente. Independentemente de você ser homem ou mulher. É impressionante como a obra de Céline Sciamma é capaz de levantar tantas questões que traçam, de certa maneira, a invisibilidade da mulher, em especial em um relacionamento homoafetivo.
O curioso é que o filme não é exatamente sobre isso. É simplesmente uma trama sobre um amor impossível. Não por acaso usa de maneira acertada o mito de Orfeu. Representando em especial pelo fantasma de Eurídice se despedindo do seu amado em um mundo que não está preparado para aquele romance. Simples assim. Marianne e Heloise poderiam ser um homem e uma mulher, dois homens, ou duas mulheres, o sentimento e a curva dramática seriam parecidos, ainda que o fato de serem duas mulheres traz, claro, suas particularidades.
A delicadeza com que o roteiro é desenvolvido entre o explícito e as metáforas faz da obra uma experiência extremamente impactante. É feminina, mas não apenas por retratar mulheres e suas descobertas, inclusive o amor lésbico. Mas por tratar de sentimentos reprimidos, aqui expostos em uma sociedade do século XVIII, mas que ainda hoje nos sufocam.
“Você não me entende porque tem escolha”, diz Heloise em determinado momento à Marianne que rebate dizendo que a entende. Esse sentimento de representatividade, de reconhecimento, sororidade é forte em toda a projeção. Não precisamos ser aquilo para entender, porque de alguma maneira toda mulher já sentiu sua vida sendo comandada por outros.
Não por acaso a empregada Sophie acaba entrando nessa equação de maneira natural. O arco da garota com a gravidez indesejada ajuda a trazer mais das funções do feminino para a trama, inclusive a comunidade de mulheres que vive na ilha. O masculino aqui é apenas citado, colocado em segundo plano, apresentado em função delas. Sejam os homens do barco ou na galeria de arte, seja o noivo de Heloise, o marido da condessa ou o homem que engravidou Sophie. Não é que eles não existam, só não interessam à obra.
A aproximação das duas se dá pela óbvia necessidade da observação. Marianne precisa decorar os traços de Heloise para pintá-la sem que esta saiba. Isso desperta a curiosidade da moça, que também passa a observá-la. O jogo de aproximação cadenciado vai nos envolvendo.
Arrebatadora tal qual a paixão, a câmera de Céline Sciamma busca essas duas mulheres alternando momentos delicados e exacerbados, sutis e bregas com a força do fogo simbólico, mas que também tem o seu momento explícito à beira da fogueira.
Retrato de uma jovem em chamas é um filme que traz um novo olhar, utilizando os mesmo elementos de sempre. Sua força maior está no roteiro, que foi premiado no último festival de Cannes, mas todos os elementos contribuem para contar uma linda e trágica história de amor. Mesmo o exagero de uma cena no teatro nos arrebata com tal força que fica impossível de imaginar ser feita de outra maneira.
Retrato de uma Jovem em Chamas (Portrait de la jeune fille en feu, 2020 / França)
Direção: Céline Sciamma
Roteiro: Céline Sciamma
Com: Noémie Merlant, Adèle Haenel, Luàna Bajrami
Duração: 121 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Retrato de uma Jovem em Chamas
2020-02-03T22:12:00-03:00
Amanda Aouad
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