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A Hora da Estrela
A Hora da Estrela
Em um cenário rico de contrastes e nuances, A Hora da Estrela, dirigido por Suzana Amaral e baseado na obra de Clarice Lispector, é uma obra-prima da cinematografia brasileira. A película, meticulosamente adaptada, captura a essência melancólica e agridoce do livro, desdobrando-se em camadas narrativas que exploram a inocência, a desilusão e a busca por identidade.
No centro da trama, encontra-se Macabéa, a personificação da inocência em um mundo áspero e impiedoso. Marcelia Cartaxo, com uma atuação sublime, dá vida a essa jovem imigrante nordestina, semianalfabeta e desprovida de malícia. A atriz mergulha na simplicidade e na vulnerabilidade de Macabéa, desenhando uma personagem que transcende o papel para se tornar uma alegoria da condição humana.
A direção de Suzana Amaral é uma fusão de sensibilidade e coragem. Amaral, uma visionária no meio cinematográfico brasileiro, enfrentou o desafio de trazer Clarice Lispector para as telas com maestria. Sua abordagem poética, enraizada no Cinema Novo e no Neorrealismo Italiano, adiciona uma camada de profundidade à narrativa. A escolha de focar nas instâncias da subjetividade de Macabéa, como as cenas íntimas de seu quarto, é ressaltada como uma jogada magistral para destacar a complexidade interior da personagem.
Contudo, não podemos deixar de apontar algumas limitações na composição cinematográfica, particularmente na utilização da voz gravada sobre o plano da imagem. Esse recurso, embora talvez destinado a criar uma atmosfera nostálgica, é interpretado como um vestígio desnecessário nos avanços tecnológicos da época.
A adaptação de uma obra literária complexa como a de Lispector é um feito ambicioso. Suzana Amaral, no entanto, não se intimida e tece sua narrativa cinematográfica com maestria. A inserção de elementos do Neorrealismo Italiano no contexto brasileiro é uma escolha ousada e eficaz. É o toque de autoria refinado de Amaral, que, em vez de seguir a narrativa à risca, usa sua licença poética para moldar o enredo de acordo com sua visão única.
A cena inicial, uma única tomada que condensa a essência de Macabéa, é uma pérola cinematográfica. O olhar sonso, a cabeça baixa e a resposta de subserviência personificam a condição trágica da heroína. Além disso, a escolha da Rádio Relógio como trilha sonora, evocando uma nostalgia temporal, é um pequeno arranjo narrativo que reforça a excelência do filme.
A abordagem de Amaral em focar não na miséria material, mas no tema do desamparo, revela uma trama amorosa dolorosa, onde o amor é constantemente experimentado através da ruptura. A cartomante, interpretada por Fernanda Montenegro, emerge como um elemento que transforma os rumos da trama, proporcionando uma transição para uma edição mais arrojada e poética.
A Hora da Estrela não é apenas um filme; é uma experiência poética que transcende qualquer tela e se impregna na alma do espectador. Suzana Amaral, como uma artista experiente, nos conduz por uma jornada de descoberta e desilusão, desvendando os intrincados caminhos da condição humana. Este não é apenas um filme sobre Macabéa; é uma ode à nossa própria busca pela estrela que, em algum momento, brilha em meio à escuridão da existência.
A Hora da Estrela (1985 / Brasil)
Direção: Suzana Amaral
Roteiro: Suzana Amaral, Alfredo Oroz
Com: Marcélia Cartaxo, José Dumont, Tamara Taxman, Umberto Magnani, Dirce Militello, Fernanda Montenegro
Duração: 96 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
A Hora da Estrela
2024-01-01T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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