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Maníaco do Parque
Maníaco do Parque
O filme Maníaco do Parque, uma produção do Prime Video dirigida por Maurício Eça, propõe-se a revisitar um dos casos criminais mais assustadores da história brasileira. Nos anos 1990, Francisco de Assis Pereira, o infame Maníaco do Parque, foi condenado por uma série de crimes brutais contra mulheres, cujas mortes e agressões assombraram o país e revelaram profundas falhas sociais e institucionais. Ao adaptar essa história, o diretor, conhecido por seu trabalho em A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais, enfrenta o difícil desafio de transformar um caso verídico aterrador em um thriller ficcional, sem que o resultado caia no sensacionalismo fácil. No entanto, apesar das ambições do projeto, Maníaco do Parque falha em entregar um relato envolvente e complexo, resultando em uma obra que, embora contenha momentos de impacto, é incapaz de explorar todo o potencial de sua narrativa.
A atuação de Silvero Pereira, aclamado por seu trabalho em Bacurau, é um dos principais destaques do filme. No papel de Francisco de Assis Pereira, ele entrega uma performance marcada por intensidade e nuances sombrias, capturando a frieza e a violência psicológica que definiram o serial killer. No entanto, a interpretação de Pereira oscila em certos momentos, onde o ator, ao tentar transmitir a mente perturbada de Francisco, acaba exagerando em gestos e expressões que beiram o caricato. A ciência nos diz que psicopatas tendem a ser emocionalmente frios e calculistas, o que parece contradizer a abordagem mais explosiva adotada em algumas cenas. Essa escolha enfraquece o que poderia ser um retrato mais fiel e perturbador do assassino. Ainda assim, Pereira consegue momentos de grande impacto, principalmente nas sequências em que a calma inquietante de seu personagem predomina.
Já Giovanna Grigio, que interpreta Elena, uma jovem repórter fictícia, luta para encontrar seu lugar em um ambiente de trabalho dominado pelo machismo e pela condescendência masculina. Elena é uma invenção do roteirista L. G. Bayão para representar os muitos jornalistas que cobriram o caso do Maníaco do Parque nos anos 1990. Sua personagem, apesar de fictícia, serve como um ponto de vista fundamental para a narrativa, trazendo à tona as tensões de gênero e a misoginia institucional da época. A atuação de Grigio é sólida, especialmente nas cenas em que sua personagem confronta o desprezo de seus colegas e chefes. Em momentos cruciais, como quando ela transborda de emoção ao se deparar com a brutalidade dos crimes, Grigio consegue transmitir uma carga emocional palpável, que humaniza a narrativa e gera empatia no espectador. No entanto, a personagem de Elena, assim como o roteiro, carece de profundidade, o que a impede de se destacar como uma protagonista memorável.
A direção de Maurício Eça é correta, mas em grande parte limitada. Conhecido por dirigir as adaptações cinematográficas dos crimes cometidos por Suzane von Richthofen, Eça demonstra familiaridade com o gênero de true crime, mas aqui parece preso entre o desejo de produzir uma obra visualmente impactante e a responsabilidade de lidar com a delicadeza dos fatos reais. A escolha de não fazer uma adaptação fiel dos eventos, optando por uma abordagem mais ficcional, é compreensível dentro do contexto do gênero, mas acaba prejudicando o filme, pois enfraquece a sensação de urgência e relevância que permeava o caso original. Faltou ousadia no tratamento do material, e o resultado é um filme que, embora tecnicamente bem realizado, não consegue aprofundar-se nos aspectos psicológicos e sociais que tornaram o caso de Francisco de Assis Pereira tão perturbador.
O roteiro de L.G. Bayão tenta equilibrar duas histórias principais: a de Francisco, o assassino, e a de Elena, a jornalista determinada a desmascará-lo e fazer justiça pelas vítimas. Essa divisão de narrativas, que poderia ser um elemento dinâmico e complementar, acaba prejudicando a coesão do filme. Em vez de aprofundar-se na mente do serial killer ou construir um estudo psicológico detalhado, o roteiro opta por intercalar momentos de tensão com subtramas pessoais que pouco acrescentam ao enredo. A relação de Elena com seu falecido pai, por exemplo, parece um artifício para humanizá-la, mas é tratada de maneira superficial e nunca se conecta verdadeiramente com a história principal. Isso acaba diluindo a tensão e o foco, fazendo com que o filme pareça indeciso sobre qual história quer realmente contar.
Apesar dessas limitações, o filme tem alguns momentos que merecem destaque. A cena em que Elena confronta o delegado vivido por Augusto Madeira, que trivializa a morte de mulheres com a frase “mulher morta e marido corno acontece todos os dias”, é um exemplo poderoso de como o filme reflete o machismo estrutural que ainda permeia a sociedade brasileira. Esse tipo de comentário, por mais perturbador que seja, é tristemente realista e expõe a maneira como crimes contra mulheres foram, e continuam sendo, tratados com descaso e negligência pelas autoridades. Momentos como esse reforçam a importância de dar voz às vítimas e de expor as falhas institucionais que permitiram que Francisco de Assis Pereira operasse por tanto tempo sem ser pego.
A atmosfera do filme, especialmente nas cenas que se passam no Parque do Estado, é bem construída pela fotografia de Marcelo Trotta, que consegue capturar a sensação de isolamento e perigo que rondava o local. No entanto, apesar dessa competência técnica, a direção de arte e o design de produção não conseguem criar uma ambientação que seja memorável ou marcante. O filme parece se contentar em reproduzir o Brasil dos anos 1990 de forma genérica, sem grande atenção aos detalhes culturais ou sociais da época. Isso enfraquece o potencial de imersão, deixando o espectador pouco conectado com o contexto histórico.
No que diz respeito ao gênero true crime, Maníaco do Parque parece desperdiçar a oportunidade de se firmar como um marco no cinema brasileiro. Enquanto obras internacionais como Mindhunter ou Zodíaco conseguem mesclar investigação psicológica com tensão crescente, o filme de Eça não atinge esse nível de profundidade ou impacto. A decisão de transformar a história de Francisco em um thriller ficcional poderia ter sido ousada, mas a execução carece de originalidade e ousadia. O que resta é uma obra competente, mas esquecível, que não deixa um impacto duradouro no espectador.
Em suma, Maníaco do Parque é uma produção com potencial, mas que, no fim, falha em explorar todas as camadas que o caso original oferecia. Apesar das atuações fortes de Silvero Pereira e Giovanna Grigio, e de momentos pontuais de crítica social, o filme sofre com um roteiro indeciso e uma direção que não ousa o suficiente. Como relato ficcional inspirado em eventos reais, ele acaba sendo apenas uma representação mediana de um dos casos mais infames da história recente do Brasil. Se a intenção era deixar uma marca no gênero true crime nacional, o filme perde a chance de ser lembrado como um exemplo forte e provocativo.
Maníaco do Parque (2024 / Brasil)
Direção: Maurício Eça
Roteiro: L. G. Bayão
Com: Silvero Pereira, Giovanna Grigio, Marco Pigossi, Bruno Garcia, Xamã, Christian Malheiros, Bruna Mascarenhas, Augusto Madeira, Mel Lisboa
Duração: 103 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Maníaco do Parque
2024-10-24T09:53:00-03:00
Ari Cabral
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