Nenhum a menos
Ensinar já é uma arte difícil. Imagine ensinar a um grupo de crianças, tendo apenas 13 anos, nenhuma experiência e dinheiro. Ainda mais em uma pequena vila, onde nada parece próximo. Nenhum a menos, bela obra de Zhang Yimou, demonstra muito bem a preocupação e amor de um homem pela educação na China. Inspirada em fatos verídicos é comovente e bem realizada.
Tudo começa quando o professor da escola primária da pequena aldeia de Shuiquan tem de se ausentar durante um mês. O administrador local, então, Tian, coloca como substituta uma adolescente de 13 anos, Wei Minzhi, que só consegue copiar lições no quadro e ensinar algumas canções. Antes de ir, no entanto, o professor Gao diz que a menina não pode permitir que mais alunos abandonem a escola, garantindo-lhe o pagamento de 50 yuan e mais um pequeno extra se for bem sucedida. Minzhi, pouco mais velha que alguns dos seus alunos, que variam entre sete e onze anos, segue à risca as instruções, mas não consegue impedir que uma aluna aceite o convite para ingressar numa escola esportiva. Mas, quando o travesso Huike é obrigado a ir trabalhar na cidade, Minzhi recusa-se a perder outro aluno e fará de tudo para trazê-lo de volta.
A trajetória de Minzhi é comovente e progressiva, apesar de a princípio não ter motivações tão nobres. Ela é apena uma garota colocada em uma tarefa difícil, que não tem idéia de como fará isso. Seu desinteresse e apatia no início é visível. Sua motivação parece ser acabar logo o mês para receber seu pagamento prometido. Sua consciência parece ser despertada aos poucos, como quando a caixa de giz é jogada no chão e uma garotinha fala do amor do professor Gao pelo instrumento de trabalho e o quão difícil é conseguí-lo. Ainda assim, ensinar não parece sua vocação. Ela esconde a pequena atleta apenas para garantir o número exato quando o professor retornasse. Com essa única motivação também ela segue em busca de Huike. Mas, quando chega na cidade e vê que o garoto está sumido, começa a se preocupar de fato, e sua persistência é comovente.
Interessante observar que a primeira parte da jornada de Minzhi, conseguir dinheiro para passagem até a cidade, acaba sendo uma aula. Tentando resolver o problema financeiro junto aos alunos, eles vão treinando lógica, aritmética, interpretação de texto e escrita. Isso os aproxima e faz com que o tempo passe de uma maneira mais harmônica. Antes, o cenário consistia em ver Minzhi sentada no batente da porta e as crianças dentro brincando e gritando. A parte da cidade também é bem desenvolvida, com a má vontade em geral para ajudar, a persistência da garota em ficar dois dias em pé na frente da emissora de TV ou no paralelo dela e do garoto na rua, mendigando comida. Aliás, a gente fica pensando como um país com bases socialistas como a China não tem um sistema de atendimento ao público, denúncia ou algo parecido na televisão.
O filme é bem conduzido demonstrando as dificuldades da vida daquelas pessoas na pequena vila, a precariedade da escola, as várias situações financeiras na cidade. Tudo com uma direção e fotografia bastante demonstrativas, sem ser didática. Zhang Yimou arrisca até mesmo algumas poesias imagéticas como na fábrica de tijolos com um jogo de luz e sombras dos meninos passando para empilhar os objetos. Ou na cidade, quando Minzhi escreve os cartazes de "procura-se" e uma música emocional e elipses marcam a passagem de tempo, sendo bastante tocante. Em um merchandising bem aplicado, destaco ainda a cena em que os meninos dividem duas latas de Coca-Cola, apenas para provar o conteúdo que nunca tinham a oportunidade de apreciar.
Ainda que tenha algumas soluções pouco exploradas como a própria situação dos meninos quando Minzhi vai para a cidade, ou sua sobrevivência sem comer nada por dois dias, Nenhum a menos é um belo filme. As atuações estão todas convincentes, principalmente da garota Wei Minzhi, que comove em vários momentos. Daquelas histórias que ficam em nossa mente.
Nenhum a menos (Yi ge dou bu neng shao: 1999/ China)
Direção: Zhang Yimou
Roteiro: Xiangsheng Shi
Com: Wei Minzhi, Zhang Huike, Tian Zenda, Gao Emman, Sun Zhimel
Duração: 106 min.
Tudo começa quando o professor da escola primária da pequena aldeia de Shuiquan tem de se ausentar durante um mês. O administrador local, então, Tian, coloca como substituta uma adolescente de 13 anos, Wei Minzhi, que só consegue copiar lições no quadro e ensinar algumas canções. Antes de ir, no entanto, o professor Gao diz que a menina não pode permitir que mais alunos abandonem a escola, garantindo-lhe o pagamento de 50 yuan e mais um pequeno extra se for bem sucedida. Minzhi, pouco mais velha que alguns dos seus alunos, que variam entre sete e onze anos, segue à risca as instruções, mas não consegue impedir que uma aluna aceite o convite para ingressar numa escola esportiva. Mas, quando o travesso Huike é obrigado a ir trabalhar na cidade, Minzhi recusa-se a perder outro aluno e fará de tudo para trazê-lo de volta.
A trajetória de Minzhi é comovente e progressiva, apesar de a princípio não ter motivações tão nobres. Ela é apena uma garota colocada em uma tarefa difícil, que não tem idéia de como fará isso. Seu desinteresse e apatia no início é visível. Sua motivação parece ser acabar logo o mês para receber seu pagamento prometido. Sua consciência parece ser despertada aos poucos, como quando a caixa de giz é jogada no chão e uma garotinha fala do amor do professor Gao pelo instrumento de trabalho e o quão difícil é conseguí-lo. Ainda assim, ensinar não parece sua vocação. Ela esconde a pequena atleta apenas para garantir o número exato quando o professor retornasse. Com essa única motivação também ela segue em busca de Huike. Mas, quando chega na cidade e vê que o garoto está sumido, começa a se preocupar de fato, e sua persistência é comovente.
Interessante observar que a primeira parte da jornada de Minzhi, conseguir dinheiro para passagem até a cidade, acaba sendo uma aula. Tentando resolver o problema financeiro junto aos alunos, eles vão treinando lógica, aritmética, interpretação de texto e escrita. Isso os aproxima e faz com que o tempo passe de uma maneira mais harmônica. Antes, o cenário consistia em ver Minzhi sentada no batente da porta e as crianças dentro brincando e gritando. A parte da cidade também é bem desenvolvida, com a má vontade em geral para ajudar, a persistência da garota em ficar dois dias em pé na frente da emissora de TV ou no paralelo dela e do garoto na rua, mendigando comida. Aliás, a gente fica pensando como um país com bases socialistas como a China não tem um sistema de atendimento ao público, denúncia ou algo parecido na televisão.
O filme é bem conduzido demonstrando as dificuldades da vida daquelas pessoas na pequena vila, a precariedade da escola, as várias situações financeiras na cidade. Tudo com uma direção e fotografia bastante demonstrativas, sem ser didática. Zhang Yimou arrisca até mesmo algumas poesias imagéticas como na fábrica de tijolos com um jogo de luz e sombras dos meninos passando para empilhar os objetos. Ou na cidade, quando Minzhi escreve os cartazes de "procura-se" e uma música emocional e elipses marcam a passagem de tempo, sendo bastante tocante. Em um merchandising bem aplicado, destaco ainda a cena em que os meninos dividem duas latas de Coca-Cola, apenas para provar o conteúdo que nunca tinham a oportunidade de apreciar.
Ainda que tenha algumas soluções pouco exploradas como a própria situação dos meninos quando Minzhi vai para a cidade, ou sua sobrevivência sem comer nada por dois dias, Nenhum a menos é um belo filme. As atuações estão todas convincentes, principalmente da garota Wei Minzhi, que comove em vários momentos. Daquelas histórias que ficam em nossa mente.
Nenhum a menos (Yi ge dou bu neng shao: 1999/ China)
Direção: Zhang Yimou
Roteiro: Xiangsheng Shi
Com: Wei Minzhi, Zhang Huike, Tian Zenda, Gao Emman, Sun Zhimel
Duração: 106 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Nenhum a menos
2011-11-19T10:05:00-02:00
Amanda Aouad
cinema asiático|critica|cult|drama|
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