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Marília e Cláudio, um casal que respira cinema

Cláudio Marques e Marília HughesSe você não mora em Salvador, ou frequenta o circuito de festivais, pode nunca ter ouvido falar deles, mas Cláudio Marques e Marília Hughes há muito vivem de cinema e para o cinema. Autores, roteiristas, diretores, com diversos curta-metragens no currículo, muitos premiados, coordenam juntos também um dos principais Festivais do Estado, o Panorama Coisa de Cinema, que há nove anos movimenta o cenário de Salvador e agora do interior. Isso sem falar que Cláudio foi o responsável pela revitalização do cinema de rua Gláuber Rocha, que já foi Cine Guarani e hoje é o Espaço Itaú Gláuber Rocha. Juntos também, estão finalizando o primeiro longa-metragem da dupla, Depois da Chuva, que antes de ficar pronto já está em processo de exibição para distribuidores e curadores em festivais importantes como Cannes, abrindo portas e aguçando a nossa curiosidade em relação ao filme.

O casal recebeu o CinePipocaCult no simpático café do cinema para um bate-papo bastante rico sobre o processo de criação, o Depois da Chuva, o Panorama Coisa de Cinema e o CineClube Glauber Rocha, que pretendem abrir em breve. E como hoje é o Dia do Cinema Nacional, nada melhor do que trazer a história dos dois aqui. Vejam como foi.

Entrevista:
Muita gente considera o curta-metragem uma etapa para chegar ao longa-metragem, mas vocês dois fizeram uma carreira sólida com os curtas, em festivais, com prêmios. O que foi que fez vocês partirem para um longa-metragem?

Marília – Eu acho que foi muito natural, não foi nada estratégico. As histórias que a gente quis contar no início se encaixavam em um formato de curta-metragem mesmo. Não sei se também porque a gente estava apenas começando, muita gente acredita que seja apenas um treino, mas é um espaço de aprendizado, principalmente eu que não fiz escola de cinema, nem Cláudio. Nossa escola foi fazendo filmes. E um longa precisa também de muitos recursos.

Cláudio – Você lembra que a gente falava muito claramente entre a gente, "nós não temos desejo hoje de fazer um longa"?

Cláudio Marques e Marília HughesMarília – Não tínhamos desejo. A gente queria mesmo experimentar o curta e as histórias que vinham, vinham também adequadas para curtas.

Cláudio – É um formato maravilhoso, ele não pode ser desrespeitado, eu morro de vontade de fazer curta, eu quero fazer curta-metragem. O que acontece é verdadeiramente é, como Marília estava falando, a história que a gente tem, que a gente quer falar, como a gente quer falar se encaixa em curta-metragem ou longa-metragem. Então, muito naturalmente, em princípio a gente só pensava em curta-metragem. Não tínhamos nem o desejo, nem a ansiedade de fazer um longa-metragem.

Marília - Porque o formato nunca foi um a priori ao projeto. Então, quando surgiu a ideia de Depois da Chuva, eu pensei que poderia ser o nosso primeiro longa, porque era uma história que precisava de um desenvolvimento, um desdobramento que precisava de tempo para tal.

Cláudio – Mas, eu tô morrendo de saudades de fazer curta-metragem. (risos)

Marília – Eu também, não é um caminho sem volta. (risos)

E como é o processo criativo de vocês? Um tem uma ideia, ou outro comenta?

Cláudio Marques e Marília HughesCláudio – Somos dois autores, dois diretores, a gente trabalha em parceria. Muitas vezes Marília tem uma ideia, traz pra mim, a gente discute e vê se a ideia fica, se a ideia permanece com a gente. E vice-versa, eu tenho a ideia, levo para Marília, as vezes ela diz, isso aqui tá legal, isso aqui não tá. Na verdade, a gente coloca a ideia e vai vendo qual vai permanecendo. Se a ideia ficou, a gente vê que tá na hora de desenvolver.


Mas, não tem uma divisão, tipo, Marília faz o argumento, você o roteiro, ela a decupagem?

Marília – Essas coisas tem acontecido até. O Depois da Chuva, por ser um longa-metragem de ficção que exigia um trabalho de roteiro muito grande, ficou bem evidente o trabalho de Cláudio como roteirista. A gente discutiu o argumento, a escaleta, os personagens. Muitas vezes mudamos muito a história juntos. Também como diretora, estava sempre muito perto deste processo. Mas o processo de escrita, que é árduo, Cláudio levou bastante.

Cláudio – Acho que é importante separar isso, porque a gente tecnicamente separa uma função. Mas, não que o outro como autor não esteja presente. Então, eu fui o roteirista técnico, sentei, escrevi, mas ela, como autora participou de todo o processo.

Marília – Fazendo o que mais gosto que é dá pitacos. (risos). Mas, assim, eu também participei muito da produção. Da decupagem, que eu gosto muito de fazer. Nos ensaios, por exemplo, Cláudio ficava mais perto dos atores, fazendo a preparação do elenco, e eu com a câmera, já decupando. Depois a gente discutia como filmar e o desempenho dos atores.
Cláudio – Eu tenho muito prazer de estar com os atores, Marília tem muito prazer com a fotografia, não que um não se preocupe com o outro setor, mas é isso, uma parceria.

E sobre o roteiro de Depois da Chuva, tem muito de sua experiência, da época que viveu, como foi que surgiu a ideia?
Cláudio Marques e Marília HughesCláudio – Tem bastante, eu falava muito sobre isso. Eu era um jovem em 84, de alguma maneira estava lá envolvido com aquelas transformações sociais e políticas do Brasil. Ao mesmo tempo em que eu passava pelas minhas próprias transformações. As vivências intensas de um adolescente. E eu conversava muito isso com Marília e ela foi a primeira que percebeu que ali poderia estar uma história de nosso primeiro longametragem.

Marília – Uma conversa muito mais de contar a vida, do que pensar filmes. Mas, eu fui seduzida pelas história, porque era um período que eu era muito jovem, não vivi ativamente. E eu percebi que o cinema brasileiro falou muito da ditadura, mas pouco desse processo final de reabertura política. Então achava interessante as vivências que Cláudio tinha tido nesse momento do Brasil.

Cláudio – Agora, é importante dizer que o Caio que está no filme, não sou eu. Tem muitos pontos de contato, coisas que eu me identifico, eu parti da minha história, mas ganhou uma trajetória própria, um rosto próprio. A entrada do Pedro Maia deu outra cara ao personagem, tem muito do Pedro no Caio. A gente trabalhou muito isso com ele e o resto do elenco. Acho que cada personagem tem um pouco de mim, da minha história, mas é um ponto de partida.

E Depois da Chuva não está nem pronto ainda e já tem uma carreira internacional. Como está sendo isso?
Cláudio Marques e Marília HughesCláudio – A gente está respeitando o tempo do filme. É como se o filme fosse dizendo pra gente o tempo dele surgir e ele tem sido muito generoso com a gente, pelo fato dele estar sendo respeitoso com ele. Então está muito perto de ficar pronto. A gente foi para o Festival de Buenos Ares que é um Festival de Work in Progress (WIP) e eles nos selecionaram para o Festival de Cannes. A gente foi e teve uma oportunidade de abrir boas portas.

Marília – Foi muito importante.

Cláudio – Então, nosso desejo é finalizar agora em junho, em julho vai fazer a pós-produção, para em agosto / setembro estar pronto. E aí começar a carreira de Festivais.

Marília – Tá bem perto.

Cláudio – A gente já teve conversas com distribuidores que se interessaram em distribuir o filme.

Marília – E a gente estava lá em Cannes, com pessoas muito respeitadas, então, a gente está garantindo que o filme seja visto. Não dá para garantir que as pessoas vão gostar, comprar e exibir, está além das nossas forças. Mas, a gente está garantindo que ele seja conhecido. E isso é um passo para que ele seja exibido. Vários festivais já se interessaram, mas a gente percebeu que tem muito hoje o interesse pelo ineditismo nos festivais. Então, se ele é exibido em um, o outro já perde o interesse. É preciso estudar bem a estratégia. Porque se você estreia uma vez, vai ser o seu festival.

Essa é a maior dificuldade de fazer um filme no Brasil? A distribuição?

Marília – É um problema mesmo, muitos filmes tem até estreado, mas ainda é um problema.

Cláudio Marques e Marília HughesCláudio – Um problema que eu tenho percebido é nos Festivais Internacionais. Pela tradição muito televisiva das nossas últimas produções, há pouquíssima participação de filmes brasileiros nesses festivais. Que é até uma questão injusta, já que temos muitos cineastas fazendo coisas interessantes. Então, temos que continuar com essa vontade de fazer filmes que tenham algo mais. E outro problema que tenho percebido é o público. O público brasileiro está muito conservador, só quer ver as mesmas coisas, o conhecido, com as mesmas franquias, os mesmos atores. Tá arriscando cada vez menos na ida ao cinema. Então, bons filmes entram e saem logo de cartaz.

Marília – Por isso, a gente está com todas as nossas forças tentando deixar o filme vivo desde antes do lançamento, trabalhando nas redes sociais. Trabalhando com todas as armas que o filme tem.

Uma coisa interessante são as manifestações recentes do país que, de certa maneira, dialoga com a história do filme.

Marília – Sim, eu estava falando isso esses dias, dialoga com essa insatisfação com os partidos, com a situação.

Cláudio – E a gente fala de uma maneira muito sutil sobre a refundação do Brasil que aconteceu em 1984 e 1985. E essa refundação aconteceu em meio a jogos políticos que nutre de alguma maneira tudo o que a gente está vivenciando hoje.

Marília – É a formação desse Brasil democrático que se dá pós-ditadura. Através de negociações.

Cláudio Marques e Marília HughesCláudio – Nosso protagonista vivencia de maneira muito crítica esse processo de democratização, e são coisas que ecoam a toda a nossa insatisfação. A gente conta a história de Caio, é nosso protagonista, mas tem esse pano de fundo.

Marília – Um paralelo, um espelho. A gente respeita os acontecimentos daquele ano, através da vivência de Caio.

Cláudio – Se você não se interessa por política, você pode acompanhar a história dele, se tiver uma visão crítica, uma leitura, você vai entender que a gente está falando do país.

Marília – O filme não é didático em relação ao país, são camadas que depende do interesse da pessoa. Do que ela acessa.

Cláudio – Só queria dizer mais duas coisas sobre o Depois da Chuva, que nessas exibições tanto em Buenos Ares quanto em Cannes, o que vem muito a tonta é a força do elenco. Todo mundo fica impressionado com o Pedro Maia que é um jovem em seu primeiro trabalho e segura o longametragem. Mas, não apenas ele, os atores em geral. E a fotografia de Ivo Lopes, que sempre falam. São duas coisas que tem nos deixado muito feliz que são coisas que as pessoas estão reparando em termos de qualidade.

E o Panorama Coisa de Cinema? Vocês acabaram de abrir inscrição, qual o critério da curadoria?

Cláudio Marques e Marília HughesMarília - O critério é filme bom. Não é só filme bom, bem feito tecnicamente, mas um filme que o diretor tem uma proposta, que ele quer construir, que tem uma certa originalidade em sua construção, esforço criativo. Pensando o realizador, também, não apenas o filme. E procuramos trazer também o bom cinema brasileiro, daqueles estão fazendo cinema pelo cinema. Além de filmes internacionais que tem dificuldade de entrar no Brasil. Coisas que vimos em nossas viagens.

E quais as novidades dessa nona edição?

Cláudio - A novidade até agora é a competitiva de curtas internacionais. Que tem sido uma experiência muito boa de curadoria. Um número muito grande de inscrições estão acontecendo, mais até do que dos filmes nacionais. Tem outras que ainda estão em negociação, mas não podemos divulgar ainda. Mas, vamos repetir a itinerância à Cachoeira, que começamos ano passado e foi uma experiência muito boa. E estamos fazendo uma parceria com CineClubes do interior para exibir a maior quantidade possível de curtas. Temos ido também às escolas, exibindo curtas das edições anteriores, para tentar atrair esse público para o Festival, que acontece esse ano de 31 de outubro a 07 de novembro.

Por falar em CineClubes, vocês já anunciaram o CineClube Glauber Rocha, já tem data?

Marília - Não, está dependendo ainda da liberação da verba do Fundo de Cultura, mas já estamos escolhendo os filmes, entrando em contato com distribuidoras. Mas, a ideia é trabalhar com filmes clássicos, diretores consagrados, só que em cópias restauradas, em 35mm ou DCP, com som 5.1, para que a gente possa ter a sensação de ver esses filmes no cinema pela primeira vez. Tanto que estamos negociando também cursos de História do Cinema para que os filmes possam ser apreciados de uma maneira mais completa. Uma redescoberta mesmo dos filmes.

Cláudio - Não vamos trabalhar com DVD. Queremos trabalhar o resgate dessa cinefilia que já foi tão forte em Salvador e que se perdeu. Fazer com que as pessoas se importem com o cinema, que curtam o cinema, que possam entender a diferença que é apreciar um filme em uma sala em condições especiais. Agora, só falta começar.

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