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Eduardo Coutinho: o homem que retratou o povo brasileiro
Eduardo Coutinho: o homem que retratou o povo brasileiro
Não gosto de fazer matérias que possam parecer oportunistas, daquelas "morreu fulano, vamos falar disso ou daquilo dele". Mas ontem o cinema recebeu duas tristes notícias que precisei me pronunciar. Começo com aquela que mais me afeta. A morte de Eduardo Coutinho, nosso maior documentarista.
Conheci o cinema de Coutinho na faculdade e o que mais me encantou foi a sua forma simples e verdadeira de chegar a pessoas também simples, tornando-as temas interessantes. Sua carreira poderia seguir pela ficção, tanto que o projeto de Cabra Marcado para Morrer já tinha roteiro e atores, mas acabou sendo arquivado, por causa da Ditadura Militar.
Coutinho foi para a televisão na década de 70 e montou a equipe do Globo Repórter. Na época, o formato era bem diferente, próximo do cinema documental, sem apresentador, com temas e matérias que eram construídas de maneira mais aprofundada. Lembro de uma que ficou famosa com as mulheres do cangaço. E com essa experiência, parece que encontrou seu caminho e nunca mais largou a forma documental de se expressar.
Em 1985, Cabra Marcado para Morrer foi lançado no formato de documentário e foi um sucesso. Parecia que Coutinho não queria mesmo o mais fácil. Estava sempre buscando desvendar o comum, o não visto, as histórias escondidas no dia a dia do brasileiro. Investindo em um formato que o censo comum costuma rejeitar. Há quem diga até absurdos como “documentário não é cinema”.
Entre seus filmes, Edifício Master é um dos mais citados. E realmente, em uma visita a um edifício, ele nos dá histórias incríveis, algumas bastante emocionantes, como do homem que ouve Frank Sinatra cantando My Way todos os dias chorando. Essa foi a cena que mais me marcou no filme. Mas, gosto muito também de uma do seu média-metragem Boca de Lixo, quando ele coloca uma menina cantando uma música de José Augusto.
O filme retrata as famílias que vivem de catar lixo em um aterro. Ele as entrevistava no lixão e depois acompanhava alguns personagens até suas casas, conhecendo melhor sua vida, seus sonhos, suas vontades. Em uma delas, conhecemos a filha de uma das catadoras que sonhava em ser cantora. Ele prontamente fez a cena da menina cantando. De certa forma, isso resume muito da cinematografia de Coutinho. O espontâneo, o ser humano comum, os sonhos, a simplicidade e a generosidade. Pelo menos por aqueles minutos, ela foi cantora.
Se alguns cineastas querem mostrar fatos marcantes do país e do mundo, ou trajetórias de famosos. Coutinho sempre se interessou pelo comum. Enquanto a campanha de Lula era mostrada em Entreatos, ele preferiu lançar Peões, a história dos metalúrgicos que não ficaram famosos com a política, mas estavam lá na famosa greve.
Se sempre buscamos um tema, Coutinho já saiu com sua equipe pelo Nordeste do país, filmando e buscando o tema de um filme que já estava sendo feito em O Fim e o Princípio. E quando tudo parecia estabelecido, ele começa a questionar os limites do documentário com Jogo de Cena e Moscou.
Seu último filme foi As Canções, de 2011, documentário sobre as músicas que marcaram a vida das pessoas. E dizem que estava trabalhando em um novo projeto que seria lançado em breve. Morreu em plena atividade, ainda cheio de possibilidades a explorar, de uma forma brutal, assassinado com facadas pelo próprio filho.
Dói naqueles que admiravam seu trabalho, naqueles que o conheciam, naqueles que foram ou seriam descobertos por sua lente. Mas, fica a certeza de um legado imenso, não apenas para o cinema nacional, mas para todo um país documentado e analisado por sua mente brilhante.
Vá em Paz, Coutinho, que sua obra possa permanecer para sempre em nossa cultura.
Filmografia:
2011 - As Canções
2010 - Um Dia na Vida
2009 - Moscou
2007 - Jogo de Cena
2006 - O Fim e o Princípio
2004 - Peões
2002 - Edifício Master
2000 - Porrada
1999 - Babilônia 2000
1999 - Santo Forte
1993 - Boca de Lixo (Média metragem)
1991 - O Fio da Memória
1987 - Santa Marta - Duas Semanas no Morro
1985 - Cabra Marcado Para Morrer
1979 - Exu, Uma Tragédia Sertaneja (Curta-metragem)
1978 - Teodorico, o Imperador do Sertão (Telefilme)
1976 - Seis Dias de Ouricuri (Televisão - Curta-metragemt)
1971 - Faustão (ficção)
1968 - O Homem Que Comprou o Mundo (ficção)
Conheci o cinema de Coutinho na faculdade e o que mais me encantou foi a sua forma simples e verdadeira de chegar a pessoas também simples, tornando-as temas interessantes. Sua carreira poderia seguir pela ficção, tanto que o projeto de Cabra Marcado para Morrer já tinha roteiro e atores, mas acabou sendo arquivado, por causa da Ditadura Militar.
Coutinho foi para a televisão na década de 70 e montou a equipe do Globo Repórter. Na época, o formato era bem diferente, próximo do cinema documental, sem apresentador, com temas e matérias que eram construídas de maneira mais aprofundada. Lembro de uma que ficou famosa com as mulheres do cangaço. E com essa experiência, parece que encontrou seu caminho e nunca mais largou a forma documental de se expressar.
Em 1985, Cabra Marcado para Morrer foi lançado no formato de documentário e foi um sucesso. Parecia que Coutinho não queria mesmo o mais fácil. Estava sempre buscando desvendar o comum, o não visto, as histórias escondidas no dia a dia do brasileiro. Investindo em um formato que o censo comum costuma rejeitar. Há quem diga até absurdos como “documentário não é cinema”.
Entre seus filmes, Edifício Master é um dos mais citados. E realmente, em uma visita a um edifício, ele nos dá histórias incríveis, algumas bastante emocionantes, como do homem que ouve Frank Sinatra cantando My Way todos os dias chorando. Essa foi a cena que mais me marcou no filme. Mas, gosto muito também de uma do seu média-metragem Boca de Lixo, quando ele coloca uma menina cantando uma música de José Augusto.
O filme retrata as famílias que vivem de catar lixo em um aterro. Ele as entrevistava no lixão e depois acompanhava alguns personagens até suas casas, conhecendo melhor sua vida, seus sonhos, suas vontades. Em uma delas, conhecemos a filha de uma das catadoras que sonhava em ser cantora. Ele prontamente fez a cena da menina cantando. De certa forma, isso resume muito da cinematografia de Coutinho. O espontâneo, o ser humano comum, os sonhos, a simplicidade e a generosidade. Pelo menos por aqueles minutos, ela foi cantora.
Se alguns cineastas querem mostrar fatos marcantes do país e do mundo, ou trajetórias de famosos. Coutinho sempre se interessou pelo comum. Enquanto a campanha de Lula era mostrada em Entreatos, ele preferiu lançar Peões, a história dos metalúrgicos que não ficaram famosos com a política, mas estavam lá na famosa greve.
Se sempre buscamos um tema, Coutinho já saiu com sua equipe pelo Nordeste do país, filmando e buscando o tema de um filme que já estava sendo feito em O Fim e o Princípio. E quando tudo parecia estabelecido, ele começa a questionar os limites do documentário com Jogo de Cena e Moscou.
Seu último filme foi As Canções, de 2011, documentário sobre as músicas que marcaram a vida das pessoas. E dizem que estava trabalhando em um novo projeto que seria lançado em breve. Morreu em plena atividade, ainda cheio de possibilidades a explorar, de uma forma brutal, assassinado com facadas pelo próprio filho.
Dói naqueles que admiravam seu trabalho, naqueles que o conheciam, naqueles que foram ou seriam descobertos por sua lente. Mas, fica a certeza de um legado imenso, não apenas para o cinema nacional, mas para todo um país documentado e analisado por sua mente brilhante.
Vá em Paz, Coutinho, que sua obra possa permanecer para sempre em nossa cultura.
Filmografia:
2011 - As Canções
2010 - Um Dia na Vida
2009 - Moscou
2007 - Jogo de Cena
2006 - O Fim e o Princípio
2004 - Peões
2002 - Edifício Master
2000 - Porrada
1999 - Babilônia 2000
1999 - Santo Forte
1993 - Boca de Lixo (Média metragem)
1991 - O Fio da Memória
1987 - Santa Marta - Duas Semanas no Morro
1985 - Cabra Marcado Para Morrer
1979 - Exu, Uma Tragédia Sertaneja (Curta-metragem)
1978 - Teodorico, o Imperador do Sertão (Telefilme)
1976 - Seis Dias de Ouricuri (Televisão - Curta-metragemt)
1971 - Faustão (ficção)
1968 - O Homem Que Comprou o Mundo (ficção)
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Eduardo Coutinho: o homem que retratou o povo brasileiro
2014-02-03T08:00:00-03:00
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