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O Último Guerreiro das Estrelas

O Último Guerreiro das Estrelas - filme

filmes que desafiam o tempo por suas histórias universais. Outros, por sua ousadia tecnológica. Alguns, simplesmente, por despertarem uma memória afetiva que resiste aos anos. O Último Guerreiro das Estrelas (The Last Starfighter), lançado em 1984 e dirigido por Nick Castle, não se encaixa perfeitamente em nenhuma dessas categorias — e, ao mesmo tempo, habita todas elas. É um exemplar híbrido, meio adolescente demais para ser levado a sério, mas maduro o bastante para marcar uma geração com sua mistura peculiar de ficção científica, fantasia escapista e inovação digital. Hoje, revisto com distanciamento e sem os filtros da nostalgia, esse filme soa como um registro encantador de um momento de transição do cinema — e talvez, também, da nossa própria cultura.

Na superfície, a trama é simples, quase ingênua: Alex Rogan, vivido por Lance Guest com uma honestidade despretensiosa, é um jovem preso a uma rotina monótona em um parque de trailers. Seu maior feito é ser campeão em um fliperama chamado Starfighter. Até que, em uma reviravolta saindo direto de um conto de fadas digital, descobre que o jogo era, na verdade, um teste para recrutar pilotos para uma guerra intergaláctica real. A premissa é deliciosamente absurda e, ainda assim, eficaz — especialmente para um público dos anos 80, que via nos fliperamas uma válvula de escape para realidades frustrantes. O Último Guerreiro das Estrelas é, nesse sentido, uma metáfora literalizada: o adolescente que joga para escapar da vida medíocre e acaba sendo chamado a salvar o universo.

O Último Guerreiro das Estrelas - filme
Nick Castle
, o diretor — mais conhecido até então por interpretar o próprio Michael Myers no Halloween original de John Carpenter — traz ao filme um toque de sensibilidade que surpreende. Ele dirige com um pé na ingenuidade do cinema familiar e outro no espírito transgressor do sci-fi independente. Castle não tem a pretensão épica de um George Lucas, mas também não se acomoda na paródia ou no pastiche. Há um equilíbrio curioso entre o cômico e o cósmico, entre a vida terrena e a vastidão espacial, que dá ao filme um charme sincero. Esse charme, porém, não é isento de tropeços. A construção narrativa se apoia em arquétipos demais — o herói relutante, o mentor excêntrico, o alienígena bonachão — e o roteiro, escrito por Jonathan R. Betuel, carece de diálogos memoráveis ou personagens mais ambíguos. Ainda assim, há algo de profundamente encantador nessa simplicidade, que funciona como uma cápsula do tempo.

Do ponto de vista técnico, no entanto, The Last Starfighter foi, e ainda é, um marco. Foi o primeiro filme a usar extensivamente imagens geradas por computador (CGI) para criar todas as naves e batalhas espaciais. Em vez de maquetes ou miniaturas, a equipe da Digital Productions usou um supercomputador Cray X-MP — tecnologia de ponta na época — para modelar sequências inteiras em 3D. O resultado, hoje, é datado e até mesmo estranho ao olhar contemporâneo, mas é impossível não admirar a coragem da proposta. Sem O Último Guerreiro das Estrelas, não haveria Toy Story, Jurassic Park ou Avatar como os conhecemos. Este é o esqueleto digital da revolução gráfica que viria a seguir.

O Último Guerreiro das Estrelas - filme
As atuações seguem a mesma lógica do conjunto: funcionam dentro do contexto. Lance Guest entrega um Alex crível, um pouco travado, talvez, mas convincente no papel do garoto comum lançado ao extraordinário. Dan O’Herlihy, como Grig — o co-piloto alienígena — é provavelmente o mais marcante do elenco. Escondido sob quilos de maquiagem e próteses, ele injeta humor e humanidade ao filme, construindo uma relação com Alex que, se não chega a ser comovente, ao menos soa genuína. Já Robert Preston, como Centauri, o mentor e recrutador intergaláctico, entrega uma performance charmosa e anacrônica, quase como um vendedor de carros usados no espaço — e essa comparação, curiosamente, funciona perfeitamente para seu personagem.

Um dos momentos mais emblemáticos do filme é a sequência em que Alex, já no campo de batalha estelar, precisa usar “a manobra secreta”. Trata-se de uma espécie de ataque giratório descontrolado, quase suicida, que destrói toda a frota inimiga. A cena é absurdamente exagerada, mas serve como ápice emocional da jornada do herói. É ali que o garoto do trailer se torna o verdadeiro guerreiro das estrelas. É um momento que sintetiza toda a proposta do filme: entre o espetáculo e o videogame, entre o heroísmo e a infantilidade, entre a ficção científica e a fábula.

É claro que nem tudo sobreviveu ao tempo. A montagem parece apressada em certos momentos, como se o filme não tivesse orçamento (ou paciência) para cenas de transição mais cuidadosas. O design dos alienígenas é, no geral, genérico. E a trilha sonora de Craig Safan, ainda que eficiente, carece da grandiosidade que filmes desse tipo normalmente pedem. Mas talvez tudo isso seja parte do seu charme. Este não é um épico de Hollywood. É um filme B com ambição de blockbuster — e isso o torna ainda mais interessante.

O Último Guerreiro das Estrelas é, portanto, um filme de contrastes. Ao mesmo tempo em que parece ingênuo, foi tecnologicamente ousado. Mesmo que narrativamente simples, é emocionalmente acessível. É uma ficção científica sem pretensões filosóficas, mas com um coração grande o suficiente para continuar emocionando. Para quem cresceu sonhando com as estrelas, apertando botões em fliperamas e fantasiando com invasões alienígenas entre uma sessão da tarde e outra, este filme é uma cápsula encantada — imperfeita, sim, mas cheia de ecos do que já fomos. E de como o cinema, mesmo nos seus momentos mais improváveis, ainda pode nos levar para bem longe de casa.


O Último Guerreiro das Estrelas (The Last Starfighter, 1984 / Estados Unidos)
Direção: Nick Castle
Roteiro: Jonathan R. Betuel
Com: Lance Guest, Robert Preston, Catherine Mary Stewart, Dan O'Herlihy, Norman Snow
Duração: 101 min.

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