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Os Sem-Floresta
Os Sem-Floresta
Eu confesso: quando assisti Os Sem-Floresta pela primeira vez, saí com a sensação de que a DreamWorks havia voltado a apostar numa fórmula de sucesso que, embora segura, carecia de ambição narrativa. Revi o filme anos depois, agora com a distância que a maturidade crítica nos permite, e percebi que por trás do frenesi cartunesco e das gags exageradas, há uma leitura social mais ácida do que parece à primeira vista. Over the Hedge, no original, é uma sátira camuflada de animação infantil. E se não alcança plenamente o que se propõe, ao menos provoca ruído — e, curiosamente, o faz com guaxinins, tartarugas e esquilos hiperativos como porta-vozes.
Lançado em 2006, dirigido por Tim Johnson (Formiguinhaz, Como Treinar o Seu Dragão 3) e Karey Kirkpatrick (roteirista de A Fuga das Galinhas e codiretor aqui), Os Sem-Floresta surge no auge da guerra fria entre Pixar e DreamWorks. Com a Pixar dominando o campo da emoção refinada e dos roteiros calibrados como relógios suíços, a DreamWorks dobrou a aposta na comédia ligeira, repleta de intertextualidade, trocadilhos e referências pop. A fórmula funciona aqui, em partes, mas tropeça quando tenta conciliar a crítica ao consumismo com personagens que parecem existir apenas para a próxima piada visual.
A premissa é simples, quase banal: uma floresta é tomada por um condomínio suburbano, e um grupo de animais precisa aprender a conviver — ou resistir — ao novo ambiente urbano. Entra RJ, um guaxinim carismático com voz de Bruce Willis no original (Rodrigo Santoro na versão brasileira), que manipula os inocentes moradores da floresta para ajudá-lo a repor a comida que ele deve a um urso faminto. O tom moral é claro: RJ representa o oportunismo capitalista, enquanto a tartaruga Verne, dublada por Garry Shandling, encarna a sabedoria conservadora e desconfiada. Já Hammy, o esquilo acelerado, é a cereja da insanidade — dublado brilhantemente por Steve Carell, num desempenho que rouba todas as cenas em que aparece.
É justamente com Hammy que o filme tem seu momento mais memorável: a cena em que ele toma uma bebida energética e entra em um estado de velocidade tão alta que o tempo parece parar ao seu redor. É um uso engenhoso de tempo dilatado, quase uma paródia de Matrix, e mostra como a animação sabe usar o exagero para fins narrativos e humorísticos. É nesse tipo de recurso que Os Sem-Floresta brilha — quando não tenta competir com a profundidade emocional da Pixar, mas abraça seu DNA cartunesco com liberdade.
No entanto, essa liberdade cobra seu preço. O roteiro é funcional, mas previsível. O conflito entre RJ e Verne se resolve com a reconciliação de praxe, sem grandes riscos. A crítica ao consumismo — sim, ela está lá — é diluída em meio a piadas fáceis sobre humanos comedores compulsivos de salgadinhos, refrigerantes e burritos. A sátira ao estilo de vida suburbano americano, com seus muros, cercas elétricas e mania de organização, tem momentos inspirados, mas é subexplorada. Fica a sensação de que os diretores sabiam que estavam pisando num terreno interessante, mas preferiram não incomodar demais o espectador médio.
A direção de Johnson e Kirkpatrick é eficiente, ainda que pouco ousada. A escolha visual é vibrante, com cores saturadas e personagens desenhados para gerar empatia instantânea. Mas, comparado ao realismo estilizado da Pixar ou à ousadia visual de filmes europeus da época, como As Bicicletas de Belleville, o filme parece acomodado em um padrão seguro demais. Ainda assim, merece crédito por sua fluidez cômica e pela montagem ágil — em especial nas sequências de ação, que têm um ritmo quase musical.
O elenco original é outro trunfo: além de Willis e Carell, temos William Shatner como um gambá dramático e Wanda Sykes como sua filha cínica — a química entre os dois rende ótimos momentos. A dublagem brasileira, como é de costume em animações dos anos 2000, opta por versões domesticadas, mas mantém o ritmo cômico com eficiência.
Há um certo cinismo doce em Os Sem-Floresta. Ele faz troça da cultura do excesso enquanto a reproduz. Zomba dos seres humanos obcecados por comida processada e status social, mas também transforma isso em humor de massa, acessível a crianças e adultos. É como se dissesse: “Nós sabemos que isso é ridículo, mas você vai rir mesmo assim”. E rimos. Porque há charme na ingenuidade da tartaruga, na loucura do esquilo e na esperteza do guaxinim. Mas também há um certo vazio.
Não é um filme que muda o jogo, como Shrek fez. Tampouco é um desastre. É uma animação que oscila entre crítica social e pastelão, entre inteligência e repetição, entre coragem e covardia narrativa. E, mesmo assim, sobrevive no imaginário de quem cresceu com as animações da década de 2000. Talvez por isso, justamente por isso, mereça ser revisto — agora, com olhos menos ingênuos e mais atentos à cerca que separa o natural do domesticado.
Os Sem-Floresta é, no fim, um espelho do nosso mundo: cercado, higienizado, consumista — mas ainda cheio de vozes engraçadas tentando resistir. E há valor nisso. Mesmo que o guaxinim esteja mentindo para você.
Os Sem-Floresta (Over the Hedge, 2006 / Estados Unidos)
Direção: Tim Johnson, Karey Kirkpatrick
Roteiro: Len Blum, Lorne Cameron, David Hoselton, Karey Kirkpatrick
Com: Bruce Willis, Garry Shandling, Steve Carell, Wanda Sykes, William Shatner, Nick Nolte
Duração: 83 min.

Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Os Sem-Floresta
2025-07-16T08:30:00-03:00
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