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A Fotografia

A Fotografia - filme

No universo hoje tão saturado de romances que se pautam por grandes conflitos ou viradas dramáticas monumentais, o filme A Fotografia (2020) de Stella Meghie surge com uma proposta relativamente modesta, o que por si só deveria ser um mérito. A diretora assume não apenas a cadeira de direção, mas também o roteiro, e escolhe entrelaçar duas histórias de amor: uma no presente, outra no passado, conectadas por uma imagem, uma caixa de segurança e cartas que revelam segredos. Essa estrutura de duplo tempo é elemento central e, com razão, é o que dá ao filme sua ambição formal mais evidente.

Em termos de atuação, o filme aposta no protagonismo de Issa Rae e LaKeith Stanfield, dois nomes que não são meros rostos bonitos para o romance: Rae traz à Mae Morton uma vulnerabilidade elegante, um certo auto-questionamento contido, enquanto Stanfield como Michael Block transmite simpatia e charme imediatos. A química entre eles funciona razoavelmente bem. Talvez não em todos os momentos seja explosiva, mas é honesta, e isso já diferencia o filme de muitos romances. Já o roteiro, contudo, vacila: em várias passagens, o conflito parece sugerido mais por músicas de piano ou rastros visuais do que por decisões dos personagens e isso dilui um pouco o impacto emocional.

A direção de fotografia, assinada por Mark Schwartzbard, e o design de produção de Loren Weeks são elementos que elevam o filme. Há a presença da sofisticação urbana de Nova York e planos que oscilam entre caminhadas triviais e closes decisivos. Essa escolha estética não é gratuita: o visual clean, os tons quentes, a sensação de elegância urbana, tudo colabora para que o romance pareça aspiracional, mas sem perder sua intimidade. E nesse ponto, Meghie acerta ao mostrar que a fotografia, tanto enquanto objeto quanto como metáfora, está no centro desta narrativa.

A Fotografia - filme
Um momento que me parece emblemático do filme ocorre quando Mae abre a caixa de segurança deixada por sua mãe. Dentro dela, cartas de despedida, revelações e a fotografia que conecta tudo. Ali, a narrativa dá um salto simbólico: o passado se impõe sobre o presente, e vemos Mae confrontando não só o luto e a ausência da mãe, mas também a possibilidade de não repetir os mesmos erros. A câmera permanece fixa, permite o silêncio da personagem, e o jazz quase se torna batida de fundo nesse instante de reconhecimento. Uma cena bonita e bem executada.

Ainda assim, não posso deixar de apontar os principais problemas. Primeiro, o filme sofre nos obstáculos entre os protagonistas. Embora reais, raramente escapam do sugerido para o vivido. Isso gera certa sensação de filme bem-feito, mas levemente distante, onde nós assistimos mais do que sentimos profundamente. Em segundo lugar, a interligação entre passado e presente, que poderia funcionar como motor narrativo, às vezes se torna mecânica: as reviravoltas são previsíveis e o corte entre os dois tempos acaba não oferecendo tanta surpresa quanto se esperaria.

Mesmo com isso, há muito para elogiar. A singularidade de um elenco negro protagonizando um romance que não se foca apenas em questões de raça, mas sim em amor, perdão, memória e auto-conhecimento é relevante. Além disso, a trilha sonora de Robert Glasper funciona como uma terceira personagem, sussurrando entre os momentos de silêncio e aproximação, que é quando o filme mostra mais maturidade na construção do tom.

A Fotografia - filme
Dirigido por Stella Meghie, que amadurece seu estilo com este drama romântico, o filme evidencia seu compromisso em contar histórias afro-centradas com sensibilidade, sem estereótipos. E isso se vê tanto na ambientação, nas roupas, nos diálogos, quanto na forma de tratar o legado da mãe de Mae como algo complexo, ambíguo, humano. Mesmo que o filme não vá tão fundo quanto poderia em explorar esse legado, ele ao menos o aborda com elegância.

Para mim, A Fotografia funciona melhor quanto mais silencioso, quando os olhares entre Mae e Michael tomam lugar das palavras, e quando o passado de Christina espalha suas sombras no presente sem precisar de explicitação. Falha, em certa medida, quando tenta encaixar todos os contornos narrativos tradicionais. Nessas passagens, o filme parece atender ao manual do romance mais convencional. Mas no conjunto, é um filme que entrega mais do que muitas produções do gênero contemporâneo: bom visual, boas intenções, elenco engajado, e uma sensação de que o amor pode ser vivido de forma menos barulhenta, mais contemplativa.

Se você está aberto a um romance que não exige explosões dramáticas, mas convida à reflexão sobre memória, legado, desejo e rotinas de vida, então A Fotografia vale o seu tempo. Ele não é perfeito, tampouco carregado de tensão máxima ou viradas inesperadas, mas é sincero, bem-feito e visualmente generoso.


A Fotografia (The Photograph, 2020 / EUA)
Direção: Stella Meghie
Roteiro: Stella Meghie
Com: Issa Rae, LaKeith Stanfield, Chanté Adams, Y’lan Noel, Lil Rel Howery
Duração: 106 min.

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