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Dreamgirls: Em Busca de um Sonho
Dreamgirls: Em Busca de um Sonho
Assistir a Dreamgirls: Em Busca de um Sonho é embarcar numa montanha-russa emocional que mistura glamour de palco, tensões dos bastidores e o preço da fama. Embora o filme não seja impecável, contém momentos de vibração cinematográfica que o tornam digno de atenção para quem se interessa por musicais e pela indústria cultural dos anos 60. Dirigido por Bill Condon, o filme adapta o célebre musical da Broadway e transpõe para o cinema uma história que claramente se inspira no universo da gravadora Motown e no trio histórico The Supremes, embora com licença ficcional.
Desde os primeiros acordes, Dreamgirls anuncia que vai jogar pesado na produção: os figurinos são vistosos, os penteados lembram com precisão os anos 60, a ambientação evoca Detroit e Nova York, e a câmera de Tobias A. Schliessler não se envergonha de abraçar os números musicais como eventos em si, como se cada canção fosse um pequeno espetáculo dentro do espetáculo. Nesse sentido, o filme acerta em ter ambição técnica e sabe que o musical exige mais que mera narrativa linear; exige espetáculo, ritmo, escala, e aqui isso aparece. Mas, e talvez fosse inevitável, a ambição técnica não resolve todos os problemas: o roteiro se mostra por vezes previsível ou fragmentado, e há uma tensão permanente entre o desejo de ser grande e o risco de se tornar excessivamente comercial.
Nesse eixo duplo entre espetáculo visual e fragilidade narrativa está o cerne da minha impressão. Por um lado, o filme se firma como guia da indústria musical negra nos Estados Unidos: a ascensão de um trio feminino, com Effie White, Deena Jones e Lorrell Robinson, que começa como backing vocals e alcança o estrelato, enfrentando racismo, exploração, disputas internas e o desgaste da fama. Por outro, ele esbarra em limitações: a personagem de Deena (Beyoncé Knowles) aparece como mais marcante no cartaz do que no arco emocional, enquanto Effie (Jennifer Hudson) carrega o peso dramático, e com razão. Hudson, em cena, impõe presença de modo imediato: sua voz, seu porte, suas lágrimas e explosões vocais são o que move o filme. Ela não “apenas canta”, ela encarna a personagem e rouba a cena. Quando ela ergue “And I Am Telling You I’m Not Going”, é um furacão de som e dor e resistência. Um momento que, para mim, resume o melhor do filme: o musical como reivindicação, como ato político-emocional dentro de uma indústria opressora. Já não é mais apenas sobre sucesso, é sobre voz, poder, invisibilidade transformada em rugido. É um momento em que tudo — música, câmera, atuação, história de bastidor — se encaixa e transcende o entretenimento. E se o filme tivesse mais desses instantes, talvez fosse melhor do que mesmo sua produção sofisticada sugere.
E esse é um ponto que talvez não mereça ser reduzido a um filme bonito de ver. A ambição do longa passa também pela perspectiva racial e de gênero: Effie sofre por não ter o padrão de beleza exigido, por cantar como ela é e ser relegada ao fundo de cena. Deena, mais “aceitável” esteticamente, assume o protagonismo comercial. O filme sugere que, no show business dos anos 60, talento nem sempre bastava e um padrão “branqueado” com uma música mais limpa e uma imagem mais clara, importava. Aqui está a tensão dramatúrgica mais relevante: a voz que grita por liberdade (Effie) versus a voz domesticada para consumo (Deena). O empresário Curtis Taylor Jr. (Jamie Foxx) encarna essa engenharia da fama, amarrando imagem, mercado e talento.
Voltando ao cerne de cinema: a direção de Bill Condon dá sinais de controle, evitando que o filme se torne mera versão fotografada de musical de palco, e há consciência de movimento, montagem, mise-en-scène, algo que muitos musicais adaptados erram ao ignorar. A câmera se move, o palco se abre. Porém, o ritmo do roteiro vacila, há transições abruptas e o filme peca por não aprofundar demais alguns personagens secundários. Por exemplo, a trajetória de Lorrell (Anika Noni Rose) ou a decadência de Jimmy “Thunder” Early (Eddie Murphy) são menos exploradas do que poderiam, o que deixa o filme um pouco desequilibrado entre espetáculo e conteúdo.
Mas, me parece, que o filme sabia que seu público queria mais que história: queria a música, queria o brilho, queria a transformação. E nesses momentos de número musical o filme entrega. O costumeiro crescendo, o close no rosto suado, o microfone, o palco iluminado, a orquestrada explosão de canto: essas cenas funcionam porque o elenco entrega. Jennifer Hudson, Eddie Murphy e Beyoncé, todos compõem um conjunto que segura a estrutura. A direção de arte e figurino ajudam a imergir no ambiente dos anos 60 com certa fidelidade. Os vestidos, os penteados, o palco de clube, as capas de discos imaginárias. Isso dá credibilidade ao espectador que busca mais que simples nostalgia.
Contudo, não se trata de um filme sem problemas. O principal é a sensação de que a trama às vezes se submete ao espetáculo, em vez de ao contrário. O enredo dá saltos no tempo, e há momentos em que a montagem parece querer pular partes da história de modo que o espectador perceba que o tempo passou em vez de sentir a transição organicamente. Há, nitidamente, uma fragmentação entre atos e uma colagem de momentos que poderiam ter sido mais bem entrelaçados. Isso gera, para mim, uma leve frustração: quando o filme poderia aprofundar ainda mais a dor de Effie ou o dilema de Jimmy, escolhe recortar e avançar, talvez para manter pulso comercial.
Em resumo, Dreamgirls: Em Busca de um Sonho convence e diverte, emociona em partes, brilha tecnicamente, mas também deixa a impressão de poderia ter sido mais. Para o espectador que ama musicais, que acompanha a trajetória dos grandes grupos femininos do soul, e que valoriza atuações intensas, este filme é quase um deleite, embora com algumas ressalvas. Ele escolhe o brilho do palco em vez de algumas vezes o escuro por trás do palco. E talvez esse seja seu caráter: celebrar e entreter mais do que questionar. E, honestamente, há dignidade nisso. Mesmo com suas concessões, Dreamgirls permanece relevante por sua música, pela voz de Hudson, pela coreografia de fama e queda e também como retrato pop-cinemático de uma era e de uma indústria.
Dreamgirls: Em Busca de um Sonho (Dreamgirls, 2006 / EUA)
Direção: Bill Condon
Roteiro: Tom Eyen, Bill Condon
Com: Jennifer Hudson, Beyoncé Knowles, Jamie Foxx, Eddie Murphy, Anika Noni Rose
Duração: 130 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Dreamgirls: Em Busca de um Sonho
2025-11-24T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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